Tendo apenas sete
anos de idade, Santa Genoveva prometeu, na presença dos bispos São Germano e
São Lupo, guardar a pureza de alma e de corpo. Tal promessa ela a cumpriu com
toda fidelidade e teve a insigne glória de, em 451, impedir que os hunos
comandados por Átila invadissem Paris, tornando-se a padroeira dessa cidade.
Em 3 de janeiro comemora-se
Santa Genoveva, virgem. A respeito dela, vamos considerar a seguinte nota
biográfica extraída da obra L’Année Liturgique, de Dom Guéranger1:
Em meio à multidão, São Germano discerne uma virtuosa menina...
Genoveva
foi célebre no mundo inteiro. Ainda vivia ela nesta carne mortal, e o Oriente
já conhecia seu nome e suas virtudes. Do alto de sua coluna, o estilita Simeão
a saudava como sua irmã em perfeição no Cristianismo. A capital da França
tinha-lhe sido confiada; uma simples pastora protegia os destinos de Paris, assim
como um simples lavrador, Santo Isidro, vigiava a capital das Espanhas.
São
Germano de Auxerre ia para a Grã-Bretanha para onde o Papa São Bonifácio I o
estava enviando, a fim de combater a heresia pelagiana. Acompanhado de São
Lupo, Bispo de Troyes, que devia partilhar sua missão, parou na aldeia de
Nanterre. Enquanto os dois prelados se dirigiam à igreja onde queriam rezar
pelo sucesso de sua viagem, o povo fiel os circundava com uma piedosa
curiosidade.
Iluminado
por uma luz divina, Germano discerniu em meio à multidão uma menina de sete
anos, e foi advertido interiormente de que o Senhor a tinha escolhido.
Perguntou aos presentes qual era o nome dessa criança e rogou que a trouxessem
à sua presença. Assim, fizeram aproximarem-se os pais, Severo e Gerúntia. Ambos
ficaram enternecidos com os sinais de ternura com que o bispo cumulava sua
filha.
...que faz a promessa de manter a pureza de alma e de corpo
—
Esta criança é sua? — perguntou-lhes Germano.
—
Sim, senhor — responderam eles.
—
Felizes pais com uma tal filha — acrescentou o bispo. Por ocasião do nascimento
desta criança, saibam-no, os Anjos deram grande festa no Céu. Esta menina será grande diante do Senhor;
e, pela santidade de sua vida, arrancará muitas almas do jugo do pecado. Depois,
dirigindo-se à criança, disse:
—
Genoveva, minha filha...
—
Padre santo — respondeu ela — vossa serva escuta.
Então,
disse Germano:
—
Fala-me sem temor: gostarias de ser consagrada a Cristo numa pureza sem mancha,
como sua esposa?
—
Bendito sejais, meu Pai — exclamou a criança —, o que me pedis é o maior desejo
de meu coração. É tudo o que quero. Dignai-vos rogar ao Senhor que mo conceda.
—
Tem confiança, minha filha — retomou Germano —, sê firme em tua resolução. Que
tuas obras sejam conformes à tua Fé, e o Senhor acrescentará sua força à tua beleza.
Os
dois bispos entraram na igreja e foi cantado o Ofício de Noa, seguido das
Vésperas. Germano tinha mandado trazer Genoveva junto a si, e durante a
salmodia manteve suas mãos postas sobre a cabeça da criança.
No
início do dia seguinte, antes de partir, mandou o pai trazer-lhe Genoveva.
—
Salve, Genoveva, minha filha — disse-lhe Germano.
Lembras-te
de tua promessa de ontem?
—
Ó Padre santo — retorquiu a criança —, lembro-me do que prometi a vós e a Deus.
Meu desejo é de manter para sempre, com o socorro celeste, a pureza de minha
alma e de meu corpo.
Neste momento, Germano percebeu no chão uma
medalha de cobre marcada com a imagem da Cruz. Tomou-a e dando-a a Genoveva
disse-lhe:
—
Faze-lhe um furo, põe-na no pescoço e guarda-a em lembrança de mim. Não leves
nunca colar, nem anel de ouro ou de prata, nem pedra preciosa; pois se a
atração das belezas terrenas vier a dominar teu coração, perderias logo teu
ornamento celeste, que deve ser eterno.
Depois
destas palavras, Germano recomendou à criança que pensasse nele frequentemente,
em Cristo e, tendo-a recomendado a Severo como um depósito duas vezes precioso,
tomou a estrada para a Grã-Bretanha, junto com seu piedoso companheiro.
Florilégio de Santos
Nesse episódio, podemos notar
algo que explica o admirável florescimento de almas santas na Idade Média. Vejamos
os homens que figuram nesta história.
Em primeiro lugar, o Papa São
Bonifácio. Este envia São Germano de Auxerre para defender a Inglaterra contra
os pelagianos, e São Germano tem como companheiro de viagem outro Santo, que é
São Lupo, Bispo de Troyes. Quer dizer, são dois bispos santos mandados por um
Papa santo para defender um país que está ameaçado pela heresia.
Compreende-se o calor da
santidade, a intensidade da vida espiritual, o que era, afinal de contas, este
florilégio enorme de Santos sobre os quais a Idade Média, ponto por ponto,
vinha se construindo.
Ao longo da viagem, passam por
uma cidadezinha chamada Nanterre, onde a primeira providência não é se
dirigirem para o hotel ou para a hospedaria, nem para um lugar onde possam se
divertir. A primeira atitude que tomam, depois de uma viagem fatigante, é ir
para a igreja a fim de rezar.
Tal é a iluminação desses
personagens, tal o seu prestígio, a atração exercida por eles, que entram na
igreja, o povo os rodeia e começa a olhá-los rezar. É o povinho fiel, os
camponesinhos com o jeito, naturalmente, do que seriam os camponeses no tempo
de Santa Joana d’Arc, alguns séculos depois, rodeando os dois bispos que,
recolhidíssimos diante do Santíssimo Sacramento, numa pequena capela, estão
fazendo uma oração intensa. E o povo olhando, maravilhado!
De repente, nesse ambiente de
fervor, uma graça se faz notar por todos: aqueles dois Santos, enviados por um
terceiro Santo, distinguem, entre os fiéis que os rodeiam, uma grande Santa, uma
menina de sete anos. Eles a chamam e, diante de todo o povo, um deles faz a
profecia a respeito do que a menina haveria de ser. E começa por dizer assim:
“Fiquem sabendo que no Céu houve uma grande alegria quando esta menina nasceu.”
Quando Genoveva nasceu, houve grande alegria no Céu
Imaginem o maravilhamento de
toda a aldeinha! Um lugarejo onde tudo é notícia, tudo é novidade, em que até a
chegada de dois bispos é um grande acontecimento... De repente, esses bispos
falam da “fulaninha” que eles veem correr descalça de um lado para outro, pelas
ruas da cidade. Em relação a essa menina, quando ela nasceu, houve alegria no
Céu!
Ninguém duvidou, ninguém pediu
provas, todos acreditaram, inclusive a menina e seu pai. Porque essas pessoas
são os tais bem-aventurados, dos quais nos fala o Evangelho2, que creem sem ter
visto.
Pensam elas: é tão natural ter
havido alegria no Céu por uma menina santa que nasceu! Os Santos são tão
frequentes e tão numerosos, eles estão em um contato tão contínuo com o Céu,
que conhecem o que se passa lá. Portanto, é natural que eles saibam. É uma
comunicação normal.
Como isto é diferente da
distância que nos separa do sobrenatural em nossos dias! Antes de admitir que
uma coisa vem do Céu, o homem contemporâneo se mune de todas as armas do
racionalismo para ver se consegue negar. Não havendo meios de recusar, só então
ele se resigna, sem grande entusiasmo a, de quando em vez, admitir a
procedência celeste de algo.
Pelo contrário, naquele
ambiente cheio de Fé a situação se resolveu imediatamente.
São Germano pergunta à menina:
— Você quer se consagrar a
Deus?
— Meu pai — responde ela —, é o
mais caro desejo do meu coração!
Está tudo resolvido. Fica um
sulco de luz naquela cidade que, a partir de então, começa a ter história. A
cidadezinha nasce para a História porque um grande fato sobrenatural se passou
nela.
Arco voltaico de santidade
Ela, provavelmente, foi dali
mesmo levada pelos pais para um convento onde a prioresa ou a abadessa seria
uma Santa também, com um daqueles nomes cuja sonoridade é estranha para nós,
mas uma Santa de verdade. Chegam lá e dizem:
— Viemos trazer esta menina,
nossa filha.
Certamente a resposta da santa
abadessa não seria: “Ah! como ela é engraçadinha”, mas sim:
— Esta menina parece ter o
espírito de Deus!
E é possível que Santa Genoveva
tivesse dito, com toda inocência, sem qualquer pretensão:
— Tenho mesmo.
E a abadessa perguntasse para a
mãe:
— Mas por que trazes a menina?
— Ah! porque São Germano de
Auxerre e São Lupo de Troyes disseram dela tais e tais coisas...
— Ah, que bonito!
A abadessa não iria perguntar
se tinham um atestado timbrado da Cúria, nem nada disso. Ela acredita também,
acolhe no convento a menina que já começa a santificar-se, elevando-se na vida
espiritual, a partir daí, como um cedro do Líbano.
Ela cresce, enche o panorama
com a sua presença e floresce como uma flor no centro do jardim do Ocidente.
Não havia imprensa, rádio ou televisão; entretanto, a fama de Santa Genoveva se
espalhou até o Oriente, a ponto de São Simeão Estilita, na Ásia Menor, ouvir
falar dela.
Era o famoso Santo que vivia no
alto de uma coluna, de onde nunca descia, rezando o tempo inteiro. Era uma
forma de verdadeiro eremita. Ele então ouve falar das virtudes de Santa
Genoveva e, por esses “radares” que os Santos têm para se sentirem uns aos
outros, compreende que ela era irmã espiritual dele e saudou de longe, do alto
de sua coluna, esta flor que nascia no doux
pays de France 3.
Vemos os contatos passando por
sobre os mares, as ilhas, as cordilheiras, as vastidões desertas e povoadas, e
estes dois Santos formando uma espécie de arco voltaico de santidade naquela
época.
Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 3/1/1966
1)
GUÉRANGER, Prosper. L’Année Liturgique – Le temps de Noël. Tomo I. 13ª edição.
Paris: Librairie Religieuse H. Oudin, 1900. p. 523-525.
2) Jo 20,
29.
3) Do francês: doce país da França.
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