Em sua sabedoria divina,
a Santa Igreja sempre tem palavras adequadas para elevar o coração e a mente dos
fiéis em todas as suas comemorações ou festas. E ao recorrer à intercessão de
São Casimiro, no dia de sua memória - 4 de março -, ela começa por pedir:
"Ó Deus todo-poderoso, a quem servir é reinar...".1
De fato, quem deposita a
confiança em Deus e entrega toda a sua existência ao serviço d'Ele, quer
abraçando o estado religioso quer o estado leigo, como São Casimiro, recebe o
cêntuplo ainda nesta Terra, e mais ainda no Céu. A este jovem não faltaram grandes
qualidades, tampouco territórios para governar, e ele soube eleger para sua
vida um caminho que lhe legasse o Reino eterno. Sem dar largas à cobiça, tão
comum aos monarcas de sua época, manteve-se íntegro na fidelidade ao seu nobre
ideal: ser um príncipe santo.
Nascido no esplendor de uma corte
Casimiro nasceu a 3 de
outubro de 1458, no castelo de Wawel, em Cracóvia. Seu pai, Casimiro IV, era
rei da Polônia e grão-duque da Lituânia, cabendo-lhe governar como tal um
extenso território que se estendia pelo leste quase até Moscou e pelo sul até o
Mar Negro. Sua mãe era a arquiduquesa Isabel, filha de Alberto II de Habsburgo,
rei dos romanos e soberano da Áustria, Hungria e Boêmia.
Nosso Santo foi o
terceiro de 13 filhos, e diz-se que sua progenitora "já no berço ninava
para eles os tronos europeus".2 Tanto ele quanto seus irmãos receberam
excelente formação, pois, como Isabel via em cada filho um futuro monarca, e em
cada filha uma rainha, não poupou esforços na instrução das crianças. Embora
sendo piedosa, educava- os tendo em vista a corte e a vida diplomática, e não a
santidade, julgando de forma errada - como muitos fazem, infelizmente, também
hoje - que a procura da perfeição está reservada apenas àqueles que se retiram
do mundo para levar uma vida religiosa. Casimiro, pelo contrário, desde tenra
idade entendeu que devia ser santo, sem deixar de ser príncipe e isso
significava "ser fiel aos desígnios de Deus, mesmo ‘cercado de luxo da
corte real e das atrações mundanas'",3 como diz a oração da Missa de sua
festa, na Lituânia.
A corte de Cracóvia era
tão luxuosa e requintada como as demais daquela quadra histórica. À mesa
serviam-se ricas iguarias e os banquetes prolongavam-se por longas horas.
Compenetrado dos deveres inerentes à sua condição de príncipe, São Casimiro não
se recusava a participar da vida social. Mostrava-se amável e alegre nas
festas, mas delas se retirava tão logo podia. Não desprezava as finas
vestimentas principescas, contudo, por espírito de pobreza, usava uma túnica
interior de tecido comum. Sabia-se que seus ricos trajes ocultavam um cilício e
que ele fazia muitas outras mortificações. Sempre discreto nessas práticas
religiosas e penitências, chegou a ser chamado de "a encarnação de
silenciosa devoção".4
Adolescente puro, paciente e magnânimo
Dentro da vida palaciana
era notável sua extrema generosidade para com os pobres, viúvas, peregrinos,
prisioneiros ou anciãos, pois, não se contentando em dar do que era seu, doava
até seu próprio tempo em benefício alheio.
Se era magnânimo nas
obras de caridade corporais, muito mais o era nas espirituais, admoestando com
sabedoria, bondade e paciência os que o circundavam - até mesmo seu pai -,
sempre que via algo contundir a verdade ou estar privado da maior perfeição
possível. Sabia também perdoar as ofensas que lhe eram feitas, rezar por seus
mais próximos e por seus súditos, os quais desejava ver no caminho do bem e
ardorosos na Fé.
Seus biógrafos destacam
sua exímia pureza, a qual reluzia a ponto de um de seus mestres, Bonaccorsi,
chamá-lo de "divus adolescens - jovem divinizado".5 Praticar com
perfeição esta virtude, no corpo e na alma, era a meta de sua vida. Por isso
nunca entregou seu coração a qualquer afeto deste mundo e se manteve sempre
vigilante para que nada lhe manchasse.
Amor pela oração e pela liturgia
De onde lhe vinham
tantas virtudes? De Jesus Crucificado, de quem meditava amiúde a Paixão, e da
Santíssima Virgem, a quem dedicava toda a sua vida.
Estando em Cracóvia ou
em Vilnius, capital do grão-ducado da Lituânia, viam-no repetidas vezes
percorrendo as estações da Via-Sacra, devoção surgida naqueles anos e que tocou
profundamente a sua alma. Estas meditações o levavam a amar a cruz e o
sacrifício, e a desejar dar a vida por Aquele que quis ser escarnecido e Se
deixou crucificar por amor à humanidade.
As cerimônias litúrgicas
o entusiasmavam e nunca perdia o ensejo de assistir a uma Missa. Nessas
ocasiões, ficavam patentes aos olhos dos circunstantes sua piedade e seu
ardente amor ao Santíssimo Sacramento.
Quando no Paço Real
ninguém sabia onde ele estava, o encontravam em alguma igreja, absorto em
oração. Tanto na Polônia quanto na Lituânia, gostava de visitá-las e não titubeava
em rezar junto às suas portas, caso as encontrasse fechadas.
Era comum vê-lo, nas
mais diversas oportunidades, ajoelhado aos pés de Nossa Senhora, a rezar.
Contam que recitava a cada dia o hino "Omni die dic Mariæ meæ laudes anima
- Que a cada dia minha alma cante louvores a Maria",6 divulgando- o entre
seus súditos. Atraía-o, sobretudo, a esplêndida pureza da Mãe de Deus. Pedia a
Ela o dom da sabedoria e a virtude da justiça para saber governar, bem como o
espírito de vigilância, a fim de nunca sucumbir como Salomão (cf. I Rs 11,
1-6).
Dois anos como regente da Polônia
No ano de 1481, o rei
Casimiro IV, seu pai, precisou transferir sua residência para a Lituânia,
deixando- o como regente em Cracóvia.
Por dois anos governou
São Casimiro a Polônia, durante os quais não deixou de atender a nenhum dos
seus súditos, seja qual fosse a classe social à qual pertenciam. Tanto clérigos
quanto nobres ou plebeus sentiam- se bem acolhidos em suas demandas e
aplicou-se com tanto bom senso à administração, que conseguiu em pouco tempo
estabilizar o tesouro real, cortando os gastos inúteis e afastando dele os
aproveitadores. Com isso, livrou de hipotecas muitas propriedades reais.
Jovem de ânimo resoluto
e temperante, fazia grandes esforços para manter entre seus vassalos a boa
conduta nos negócios do Estado. Para ele a glória de Deus envolvia tudo: desde
um simples cálculo algébrico às grandes decisões nas quais estavam em xeque os
mais importantes interesses da nação. Apesar da constância e firmeza nos
interesses do reino, não deixava de ouvir os que o rodeavam, como atesta uma de
suas cartas, de 1º de fevereiro de 1481, destinada aos nobres dirigentes da
cidade de Braslava: "Eu gostaria muito - não só porque é de justiça, que
prezo muito e procuro respeitar - de deixá-los satisfeitos, o que de modo
especial almejo".7
E sendo a Polônia um
país católico, São Casimiro, enquanto príncipe regente, não pôde deixar de
procurar estreitar com afinco as relações com Roma, um tanto negligenciadas por
seu pai.
Últimos meses de vida
O peso das
responsabilidades e os intensos trabalhos desses anos à frente do governo
polonês acabaram por extenuar o santo príncipe. Somavam-se a isso as contínuas
mortificações que fazia, como tivemos a oportunidade de contemplar. Retirou-se
com a família, então, para a Lituânia, na primavera de 1483, a fim de recobrar
um pouco as energias.
Ali, como acontecera na
Polônia, os anais de sua história registram um especial desvelo para com os
mais necessitados, e eram os conventos e as igrejas, de modo especial, o objeto
de sua prodigalidade. Não se sentia bem se não visse o Rei dos reis e Senhor
dos senhores, Jesus Sacramentado, honrado e servido através de um digno templo
e de ricos objetos litúrgicos.
Os últimos seis meses de
sua vida, ele os passou entre Vilnius e Trakai, auxiliando o pai na chancelaria
do Estado lituano e promovendo a Fé entre o povo. Estando, entretanto, com a
saúde comprometida e o organismo extremamente debilitado, foi atacado por uma
violenta tuberculose, que consumiu suas últimas forças.
Tinha 25 anos de idade e
havia guardado intacta sua pureza virginal, mas sua mãe ainda alimentava as
esperanças de vê-lo casado com a filha do imperador Frederico III, sem
compreender serem outros os desígnios divinos para este varão eleito.
"Mais admirável ainda no Céu"
No dia 4 de março de
1484, ele entregou a alma a Deus. Seu corpo foi sepultado no jazigo da família
real, na catedral de Vilnius. E apesar da umidade do local, estava inteiro e
incorrupto quando foi exumado, 120 anos depois, em 1604. Segundo o relato das
testemunhas, dele exalava um agradável odor. Intactas estavam também suas
vestes. Sobre seu peito repousava uma cópia do hino mariano que rezava
diariamente: "Omni die dic Mariæ". Belo símbolo de uma santa vida, na
qual cada dia foi um hino de louvor à Mãe de Deus!
Quem se entrega sem
reservas a Deus neste vale de lágrimas, quando chega à glória da visão
beatífica não abandona aqueles que na Terra ficaram privados de sua presença.
Pelo contrário, muitas vezes realizam por estes mais do que puderam fazer
durante a sua peregrinação terrena. Tal é o "ministério" próprio dos
Santos. Conhecido como amável, caridoso e amigo dos pobres, para os lituanos e
poloneses São Casimiro é, sobretudo, o protetor de sua Pátria.
Em momentos nos quais a
Lituânia passou por difíceis períodos enquanto nação, o jovem e santo príncipe
nunca deixou de prestar socorro a seus compatriotas. E a devoção a ele foi um
poderoso instrumento nas mãos dos jesuítas, para preservar a Religião Católica
no país diante da propaganda protestante. Atraídos por sua nobreza de caráter e
pela força de sua fé, os filhos de Santo Inácio exortavam os lituanos a
permanecerem fiéis aos ensinamentos da Igreja, tal como São Casimiro. A partir
de então, igrejas foram construídas em sua honra, surgiram confrarias colocadas
sob sua proteção, milhares de recém- nascidos receberam o seu nome,
propagando-se a devoção ao Santo não só em terras lituânias e polonesas, mas,
posteriormente, em todo o mundo. Até nos sinos dos campanários eram gravados
louvores ao jovem príncipe, como para fazer ecoar as belezas de sua santidade.
"Casimire, terris mire, coelis mirabilior - Casimiro, admirável na Terra,
mais admirável ainda no Céu",8 lê-se no sino da igreja de Kraziai.
O exemplo de sua vida
marcou profundamente seus contemporâneos, e foi de Vilnius que partiu o pedido
de sua canonização. Em 1521, Leão X o elevou às honras dos altares, tendo antes
comprovado ter sido sua vida um contínuo testemunho da presença de Deus entre
os homens. Urbano VIII a ele confiou a proteção da Lituânia; e a heroicidade de
sua pureza e perseverança no bom caminho fez com que Pio XII, em 1948, o
proclamasse "Patrono da juventude lituana, na pátria e no exterior".
A São Casimiro, que não chegou a ser coroado na Terra como rei, porque faleceu
com pouca idade, foi dada a coroa da glória nos Céus.
1
MEMÓRIA DE SÃO CASIMIRO. Oração do Ofício das Leituras. In: COMISSÃO EPISCOPAL
DE TEXTOS LITÚRGICOS. Liturgia das Horas. Petrópolis: Vozes; Paulinas; Paulus;
Ave Maria; 2000, v.III, p.1285.
2
GAVENAS, Pranas. São Casimiro. O primeiro santo jovem leigo da era moderna. São
Paulo: Salesiana D. Bosco, 1984, p.19.
3
Idem, p.28.
4
HÜMMELER, H. Helden und heilige, apud GAVENAS, op. cit., p.41
5
SANCHEZ ALISEDA, Casimiro. San Casimiro. In: ECHEVERRÍA, Lamberto de; LLORCA,
Bernardino; REPETTO BETES, José Luis (Org.). Año Cristiano. Madrid: BAC, 2003,
v.III, p.73.
6
COMISSÃO DE ESTUDOS DE CANTO GREGORIANO DOS ARAUTOS DO EVANGELHO. Liber
Cantualis. São Paulo: Salesiana, 2011, p.167.
7
GAVENAS, op. cit., p.35.
8
Idem, p.64.
Revista
Arautos do Evangelho - Março-2014
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