Vestida com austero hábito carmelita, qual nova Santa Teresa de Jesus do século XX, Madre Maravilhas percorreu a Espanha fundando mosteiros. S. S. João Paulo II canonizou-a.
Espanha Mística é o título de um antigo e belo álbum em preto e branco com sugestivas fotografias de mosteiros, claustros, monges, crucifixos, torres e sinos... Explorando com arte e inteligência os jogos de luzes e sombras, ressaltava ele bem a faceta mística da variada e rica personalidade do povo espanhol.
Essa “Espanha mística” retratada no álbum, nós a encontramos personalizada numa freira carmelita que enriqueceu o século XX com sua santidade. Trata-se da Madre Maravilhas de Jesus (1891-1974), fundadora e restauradora de vários mosteiros carmelitas, canonizada pelo Papa João Paulo II.
Maria Maravillas Pidal y Chico de Guzmán — este era seu nome antes de fazer-se religiosa — herdou os grandes dotes intelectuais e morais de sua família, especialmente de seu pai, o segundo marquês de Pidal.
Jovem Maravilhas |
Era ele embaixador da Espanha junto à Santa Sé, e exerceu também o elevado cargo de Presidente do Conselho de Ministros. Destacou-se sempre por sua atuação em favor da Igreja. Cresceu, assim, a pequena Maria Maravilhas num ambiente de distinção e religiosidade, orientada desde muito jovem para a prática do bem.
Segundo seus biógrafos, herdou ela traços muito acentuados de seus pais espirituais, os místicos carmelitas São João da Cruz e Santa Teresa de Ávila, além de uma luz especial para discernir com perfeição o espírito da Ordem do Carmo.
Seu maior tesouro, porém, lhe foi legado pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo: a Cruz. A cruz negra do sofrimento, da expiação, da imolação pela Igreja e pela Espanha. Cruz que ela carregou com suavidade, doçura e altaneria e — ainda que isto pareça incompreensível — com profunda e inabalável alegria.
Fundadora de mosteiros
Desde os cinco anos, narram seus biógrafos, sentia sua vocação religiosa. Mas quis a Providência que ela sofresse uma longa espera antes de tornar efetivo esse ideal. Somente em 12 de outubro de 1919, aos 28 anos, entrou no Carmelo de El Escorial.
Contudo, ficaria menos de cinco anos nesse convento. Contrariamente ao que é habitual no Carmelo, logo foi chamada pelas circunstâncias e, sobretudo, pela voz de Deus, para abrir uma nova Casa. Assim, no próprio dia em que fez a profissão solene, 30 de maio de 1924, fundou ela seu primeiro mosteiro, no Cerro de los Ángeles.
Foi nesse simbólico local, situado no centro geográfico da Espanha, que o rei Afonso XIII, com apoio da Hierarquia eclesiástica, havia erigido cinco anos antes um grande monumento ao Sagrado Coração de Jesus, a Ele consagrando a Nação espanhola. Em poucos anos, porém, o monumento, que fora uma luz de esperança para o País, ficou relegado ao descuido e ao esquecimento.
Sentindo em si um chamado da Providência para reacender a mecha que ainda fumegava, Madre Maravilhas escolheu esse lugar para a fundação de um novo convento carmelita. “É preciso que o Sagrado Coração entronizado tenha uma lâmpada viva que O adore, repare e ame em nome da Nação” — foi o apelo lançado por ela para a fundação desse foco de espiritualidade e expiação. A construção iniciou-se em 1924 e foi inaugurado em 1926.
Anos mais tarde, quando as freiras lhe perguntavam o motivo pelo qual havia fundado o convento do Cerro de los Ángeles, ela respondia, fazendo um gesto de pouco caso:
— Porque o Senhor o pedia.
— Mas como ele pedia? — insistiam suas irmãs de hábito.
— Aos gritos — dizia ela, sem dar mais explicações.
A construção desse mosteiro serviu de instrumento para suscitar numerosas vocações em jovens de escol, as quais o lotaram logo de início. A obra estava implantada e a vida da comunidade transcorria com serenidade, em estrita observância à Regra e na prática da santidade.
Destruição e reconstrução do monumento e do mosteiro
A “lâmpada viva” de adoração, amor e reparação acesa por Madre Maravilhas foi submetida poucos anos depois a uma terrível provação. Os furacões revolucionários que começaram a abalar a Espanha em 1931 culminaram, no dia 20 de julho de 1936, com a destruição completa do monumento ao Sagrado Coração de Jesus, levada a cabo por milicianos anti-católicos com emprego de obuses e dinamite. Dois dias depois, esses milicianos irromperam no mosteiro, que foi igualmente arrasado.
Nessas trágicas circunstâncias, agiu Madre Maravilhas com grande presença de espírito, fortaleza e audácia. Graças a isso — e, sobretudo, ao auxílio divino, que nunca lhe faltou — conseguiu ela não apenas manter todas as suas filhas religiosas mas também incutir-lhes valor e alegria nas dificuldades e provações.
Após três anos de vicissitudes e sofrimentos, lá estava ela de volta com suas vinte freiras ao Cerro de los Ángeles, no dia 29 de março de 1939. Havia cessado a tormenta. Enfrentando com ânimo varonil e amor ardente enormes dificuldades, empreendeu imediatamente a reconstrução do monumento e do mosteiro.
Até hoje, nesses dois sagrados edifícios, freiras carmelitas e milhares de peregrinos velam e rezam incessantemente pela Santa Igreja e pela católica Espanha.
Método de formação
O exemplo de Madre Maravilhas suscitou, e suscita ainda hoje, numerosas vocações para a vida religiosa. Em sua longa e fecunda vida de abadessa, teve ela como princípio básico de ação o empenho em manter integralmente nos mosteiros por ela fundados a mentalidade e o espírito de Santa Teresa de Jesus, a grande reformadora da Ordem carmelitana. Procurava inculcar em suas filhas espirituais a compenetração de que a vida de uma carmelita deve ser a perfeita imitação da vida que levara a Virgem Maria nesta Terra.
Era amada por todas, dada sua delicadeza de trato, serenidade, caridade e equilíbrio. Era sempre afável, cheia de paz e alegria. Tinha grande apreço pela oração e revelou que se “sentia amada pelo Senhor”.
Certa vez, alguém lhe perguntou qual era o método que empregava para a formação das suas freiras. Ela respondeu à maneira de São João Bosco:
— Método? Eu as lanço a nadar. Eu as deixo viver no ambiente do Carmelo.
Em vez de dissimular ou procurar mitigar a austeridade da vida de freiras carmelitanas enclausuradas e a aspereza da Cruz que todas devem carregar com amor, essa santa abadessa ensinava suas dirigidas a serem coerentes com a vocação por elas abraçada. “Não quero freiras tristes nem contrariadas. As portas estão abertas tanto para entrar quanto para sair” — repetia ela com frequência.
Vocação de restauradora
Madre Maravilhas fundou e restaurou dezenas de mosteiros, na Espanha e outros países. Sentia ela um especial chamado para restaurar as glórias e grandezas de sua querida Ordem do Carmo. Assim, readquiriu e reformou conventos históricos como os de Batuecas, Mancera e Duruelo. O de Batuecas tinha sido um dos maiores focos de santidade da Igreja nos três séculos anteriores. O de Duruelo fora a base da Reforma de São João da Cruz, ali começara este insigne Santo sua vida de oração e penitência.
Conseguiu ela restaurar o próprio Convento da Encarnação, em Ávila, onde a grande Santa Teresa de Jesus iniciara sua vida religiosa.
“Que felicidade morrer carmelita!”
A vida austera e contemplativa de Madre Maravilhas foi marcada pelas aparentes contradições: graças místicas para desejar e levar adiante uma obra; uma vez realizada esta, vinha a provação, plena de decepções.
Em alguns casos, como na fundação do Monastério de Cerro de los Ángeles, foi-lhe concedido presenciar ainda em vida o inteiro sucesso da obra. Em outros, porém, decidiu a Sabedoria Divina mostrar-lhe somente no Céu o resultado de seus esforços, orações e sofrimentos, certamente muito maior do que ela podia imaginar nesta Terra.
Santa Madre Maravilhas |
Em suas fotografias, vê-se estampado o sofrimento calmo, aceito com alma resoluta e inquebrantável. Analisando com atenção sua fisionomia, pode-se dizer que ela toda não é senão dor.
Depois de suportar penosas doenças, um câncer a levou à morte. Morreu ela em paz, aceitando a vontade de Deus, com a certeza de que as promessas místicas que recebera não tinham sido uma ilusão. Suas últimas palavras confirmam o sucesso de sua vida: “Que felicidade morrer carmelita!”
Os estudiosos de sua vida afirmam ter sido ela uma mulher carismática, profética e providencial.
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