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domingo, 27 de maio de 2012

"Se quero que ele viva até que Eu venha...”

Uma pequena capela de Roma assinala o local em que São João Evangelista foi lançado num caldeirão de azeite fervente e saiu, não apenas ileso, mas rejuvenescido.

Aproximando-me, há poucos dias, da antiga Porta Latina – outrora um dos principais acessos de Roma – encontrei um pequeno edifício octogonal que se alça, curiosamente, no meio da rua, obstruindo a passagem dos veículos. Apesar desse gênero de coisas não ser tão estranho na Itália, senti minha curiosidade aguçada e decidi conhecê-lo por dentro.
Uma pequena tabuleta indica tratar-se da capela de San Giovanni in Óleo (São João no Azeite), e nela pode-se ler o seguinte trecho do Evangelho de São João: “Quando Pedro viu aquele discípulo, perguntou a Jesus: ‘Senhor, o que vai acontecer a ele?’ Jesus respondeu: ‘Se Eu quero que ele viva até que Eu venha, o que tens a ver com isso? Quanto a ti, segue-Me’. Então correu a notícia entre os irmãos de que aquele discípulo não iria morrer” (João 21, 21-23).
Que relação há entre essa capela e as misteriosas palavras de Nosso Senhor gravadas na entrada do edifício?
O martírio de São João Evangelista
No ano de 94, desencadeou-se a terrível perseguição promovida pelo Imperador Domiciano. Um após outro, os cristãos eram presos e martirizados.
Certo dia, a polícia imperial tomou conhecimento de que se encontrava na cidade uma grande personalidade cristã, um hebreu de nome João. Dizia-se ser um dos líderes mais respeitados da “seita”, pois havia conhecido o próprio Cristo. Procederam logo à sua captura. Sem resistência, como o Redentor havia feito anos antes, São João Evangelista deixou-se levar.
Sumariamente, o Imperador condenou-o à morte por envenenamento.
Sem perder tempo, os algozes conduziram-no à Porta Latina e puseram-lhe nas mãos uma taça cheia da mais mortífera das poções, pois havia chegado aos seus ouvidos que os cristãos consideravam aquele homem imortal. Cheios de presunção, ordenaram-lhe esvaziar todo o seu conteúdo.
Sereno, o Discípulo Amado aproximou de seus lábios a taça e bebeu tudo. Passaram-se alguns instantes... nada. Mais alguns minutos... e nada!
Furiosos, os carrascos prepararam ali mesmo um caldeirão de azeite fervente, certos de que este seria mais eficaz do que o veneno.
Enquanto o azeite esquentava, cortaram-lhe os cabelos — em sinal de ignomínia — e feriram-lhe o corpo com objetos pontiagudos.
Quando o imergiram no caldeirão, tiveram uma grande surpresa, pois ele não dava qualquer manifestação de dor. Surpresa logo transformada em incontido terror, por verem o corpo do venerável ancião revigorar-se no azeite fervente.
Tomados de pavor, os esbirros o tiraram do caldeirão e correram a relatar o fato ao Imperador. À vista do sucedido, este achou mais recomendável não insistir nas tentativas de dar a morte a um homem tão protegido pelos Céus e condenou-o ao exílio na ilha grega de Patmos.
“Neste lugar João bebeu o cálice do martírio”
A capela de San Giovanni in Óleo, como o próprio nome o indica, assinala o lugar exato onde, segundo a tradição, se deram esses fatos. Ao transpor seus umbrais, o visitante encontra uma particular atmosfera sobrenatural densa de significado, uma espécie de silêncio eloquente. Tal era o respeito imposto por esse ambiente, que me senti inibido de fazer comentários e mesmo de tirar fotografias.
Aquelas paredes, alçadas como um monumento à vitória do Evangelista sobre a morte, parecem querer testemunhar o prodigioso fato que ali se deu. Com efeito, nelas estão representadas cenas do martírio do Apóstolo, bem como um sintético relato:
“Neste lugar bebeu o cálice do martírio João, quando o óleo fervente o fortificou, ao invés de corrompê-lo. E neste lugar permanecem até hoje o óleo, o caldeirão, o sangue, as tesouras e os cabelos, que foram conservados para ti, ó ínclita Roma”.
Uma bruma de mistério circunda a capela de San Giovanni in Óleo e desafia a argúcia dos estudiosos: nesse lugar Deus preservou um homem da morte, contrariando as leis da natureza, criadas por Ele mesmo. Por quê?
O altar assinala o
lugar exato onde foi
supliciado São João
Evangelista
A solução desse enigma vem sendo procurada há séculos. Alguns sustentam que São João foi salvo apenas para cumprir as palavras de Nosso Senhor. Outros afirmam ter sido ele protegido de forma tão prodigiosa a fim de poder escrever o Evangelho e o Apocalipse. Uns poucos vão ainda mais longe, assegurando que ele não só foi salvo da morte naquela ocasião, mas continua vivo, à espera da anunciada vinda do Redentor.
Em vão procurou-se perscrutar os arcanos divinos, em busca de um esclarecimento definitivo e incontestável. Permanece de pé até hoje o mistério contido na réplica de Nosso Senhor a São Pedro: “Se Eu quero que ele viva até que Eu venha, o que tens a ver com isso?”

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