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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Santo Odilon

Como o modo de andar ou de falar de uma pessoa pode demonstrar a santidade de sua alma.
Cada época histórica possui grandes homens característicos. Santo Odilon o foi para a Idade Média: grandioso no sentido verdadeiro da palavra.
Apesar de possuir grande valor pessoal, o que sobretudo transparecia em nosso santo eram as graças sobrenaturais — incomparavelmente mais preciosas do que qualquer valor pessoal — que adornavam sua alma.
Sua personalidade tinha tal amplitude harmônica de aspectos, como não se encontra nos grandes homens do tempo da Revolução.
O modo de andar
Passemos a comentar trechos de sua vida, retirados de uma ficha biográfica: “Comecemos por seus méritos menores. E digamos que esse homem tinha um andar grave, uma voz admirável, ele falava bem. Era uma alegria vê-lo.”
Ao descrever o porte e o modo de ser do santo, o autor ressalta mais os sinais da virtude do que a virtude propriamente dita.
O modo de andar das pessoas as define muito, e por causa disso o biógrafo, contemporâneo de Santo Odilon, julgou que deveria começar a descrevê-lo pelo passo. O que é um passo grave? É um passo firme, varonil, de alguém que, ainda que não tenha diante de si obstáculos visíveis, anda vencendo. É um passo cheio de consequências e de ponderação.
Compostura respeitosa
“Cada um de seus movimentos exprimia honestidade. Sua fisionomia era angélica e seu olhar sereno.”
Honestidade, no francês antigo, significava compostura. Un honnête homme significava um homem muito composto, muito digno. Vê-se, então, que todo o modo de ser de Santo Odilon era cheio de compostura e de dignidade.
É preciso ressaltar também que na Idade Média o conceito de anjo não era o desse tipo de anjinho gorduchinho, com ares de irresponsável. Não seria um elogio dizer para alguém que ele tem aquela carinha. A ideia que o medieval fazia dos anjos era a que está expressa nos vitrais medievais: os grandes heróis do Céu; príncipes na presença do Altíssimo.
Percebe-se, assim, o que o autor quer dizer quando afirma que “sua fisionomia era angélica”. Este era Santo Odilon, que grande figura!
Continua a ficha:
“Cada dobra de seu hábito sacerdotal apresentava dignidade e mostrava o respeito que ele tinha por si mesmo e pelos outros.”
Santo Odilon sabia que era a “alma” do grande movimento de Cluny, o qual, por sua vez, era a “alma” irradiante da Idade Média.
A verdadeira humildade consiste em respeitar-se a si próprio como deve ser respeitado.
Sabendo ser Superior de uma Ordem religiosa, homem sagrado por Deus, ele se respeitava enormemente. Vemos que o porte desse varão de Deus era, ao mesmo tempo, principescamente angélico e cheio de humildade.
Alma luminosa
Continua a narração:
“Ele trazia consigo qualquer coisa de luminoso, que convidava a imitá-lo e venerá-lo. A luz da graça, que estava nele, brilhava, por assim dizer, no exterior, e manifestava a qualidade de sua alma.”
O autor soube fixar essa luminosidade que havia em Santo Odilon, a qual nota-se em tantos santos. Ela é algo difícil de descrever, pois trata-se de uma luminosidade do olhar e de algo que paira em torno da personalidade.
Assim como há algo que distingue um homem morto daquele que apenas dorme, há também uma luz na fisionomia do santo, a qual o distingue de quem não o é.
“Seu rosto exprimia a uma vez a autoridade e a benevolência.”
O autor acentua muito bem os contrastes: autoridade e benevolência.
Imaginemos um claustro medieval, repleto de ogivas, e Santo Odilon andando sozinho. Ao longe, um noviço o vê e se ajoelha, Santo Odilon passa e o abençoa.
É bem o contrário daquilo que a Revolução procura incutir nas mentalidades: quem tem autoridade é uma espécie de fera que subiu e, quando encontra a oportunidade de pisar nos outros, fica contentíssima, como quem diz: “Eu apanhei até subir; agora desconto nos que estão embaixo.”
Uma concepção da autoridade não pode ser mais ordinária do que essa.
Pelo contrário, a autoridade existe para fazer o bem. Sua missão é cumprir a benevolência. Benevolência quer dizer querer o bem dos outros.
“Para os bons, ele se mostrava risonho e acolhedor, mas, para os orgulhosos e rebeldes, se tornava tão terrível que era difícil conseguirem fitar seu olhar.”
Que verdadeira maravilha! Eu tenho entusiasmo por essa arma do homem que é o olhar. Quão poucos homens a possuem! O autor dessa ficha soube ver o olhar terrível de Santo Odilon. Isso é admirável! Terrível como um exército em ordem de batalha!
“Seus olhos brilhavam com brilho singular: eram olhos acostumados às lágrimas.”
Como o mundo moderno não compreende mais isso! O mundo moderno só gosta dos olhos habituados a rir; olhos estultos e néscios, os quais só dizem o que sente o egoísmo. O mundo antigo compreendia qual era o valor dos olhos habituados a chorar pelas coisas santas. Chorar pela Paixão de Nosso Senhor, chorar pelos pecados, pelos outros e por si. O pranto sagrado transforma o interior do olhar e o faz luminoso como uma linda rosácea banhada pelos raios do sol.
 “Mesmo em viagem, Santo Odilon trazia sempre um livro nas mãos. Enquanto viajava a cavalo, sua alma refazia as forças através da leitura.”
Não entendamos isso à maneira moderna, onde o indivíduo tira do bolso um livrinho e lê comodamente. Devemos pensar que os livros do tempo de Santo Odilon eram in-fólios, pesadões, feitos em pergaminho.
Apesar disso ele tinha sempre um livro consigo. Quer dizer, ele aproveitava todos os pequenos interstícios para ler alguma coisa e assim desenvolver seu espírito na meditação das coisas celestes.
Ademais, a locomoção não era como hoje em dia! Viajava-se a cavalo ou a burro. E as estradas, como eram? As mais precárias possíveis. As menores distâncias eram transpostas em longos períodos.
Imaginemos, então, que cena pitoresca: o cavalo trotando e Santo Odilon com uma das mãos na rédea e com a outra segurando um pergaminho escrito com umas letras enormes; ele enrola a folha que terminou de ler, pensa um pouco, coloca essa folha num saco, e tira outra página. O animal andando em meio de precipícios, onde Santo Odilon para e pede o auxílio do Anjo da Guarda! “Gloria tibi, Domine”... E continuava.
Autoridade e benevolência, virtudes indissociáveis
“Santo Odilon difundia a caridade fraterna por sua própria feição, antes de ensiná-la. E ele a ensinava, sobretudo por seus atos. “Amando seus irmãos com o interno calor de sua alma, o santo queria engrandecer a cada um deles, e levá-los ao amor de Deus. Jamais desprezava ou rejeitava pessoa alguma; por sua caridade — verdadeiramente divina — ele convidava a todo o mundo, sem nenhuma reserva, a aproveitar de sua indulgência, pois aquele que é verdadeiramente grande arde nesse desejo de amar o próximo.”
Cluny
Santo Odilon foi abade de Cluny numa época em que a íntima conjugação das instituições temporais e espirituais fazia de um abade um personagem de grande importância. E, tomando em consideração que Cluny representava a maior abadia francesa do tempo, ser seu abade significava ser um dos homens mais consideráveis da estrutura política e social da Idade Média.
Ademais, o mosteiro de Cluny possuía os direitos feudais sobre grande quantidade de terras, e isso dava a Santo Odilon não só o poder espiritual, mas também o material. Ele, por sua reputação pessoal, pelo prestígio de sua santidade e cultura, estava elevado muito acima de seus contemporâneos.
Esse homem, tão insigne por uma porção de circunstâncias, sabia, entretanto, ser muito paterno para com os monges colocados sob a sua jurisdição.
Então, o biógrafo mostra como ele se aproximava de cada um com afeto, entrando em seus problemas pessoais para resolvê-los, e fazendo junto a cada um o papel de Bom Pastor.
Continua a ficha:
“Pois, como é natural, quanto mais alto é um homem, tanto maior é a caridade que ele tem para com os seus irmãos.”
Segundo o espírito que sopra no mundo depois do Protestantismo e da Revolução Francesa, tem-se a errada ideia de que quanto mais um homem é elevado, mais ele despreza os que estão abaixo de si; o superior vê no inferior um concorrente, o qual quer subir e necessita ser espancado para não ter êxito; o inferior, por sua vez, vê no superior um tirano que está lhe explorando e precisa ser derrubado. Desse modo, em qualquer lugar onde haja um degrau hierárquico, há uma luta entre superior e inferior.
Na história de Santo Odilon vemos o contrário. Quanto mais elevado está um homem, mais ele deve tender à bondade, à proteção dos inferiores e a exercer uma autoridade benfazeja.
Onde está o fundamento da ideia de autoridade, como ela era exercida por Santo Odilon?
Cluny
São Tomás de Aquino explica, esplendidamente, que o superior está para com o inferior como uma imagem de Deus. Quer dizer, ele deve proteger o menor, orientá-lo, guiá-lo, à semelhança de como Deus protege todas as suas criaturas.
Na ordem estabelecida por Deus, os anjos são desiguais, o superior guia o inferior.
Isso se verifica também no mundo humano. Os mais eminentes — por seu poder, talento ou autoridade — devem representar a Deus junto aos que estão abaixo de si e fazer-lhes bem.
Segundo essa consideração, quanto mais alta é a autoridade de alguém, maior é a responsabilidade que ele tem de fazer bem aos outros.
Por isso os súditos devem amar especialmente suas autoridades e querer bem aos que estão constituídos numa dignidade especial.
Este é o princípio que rege a Santa Igreja Católica. Por exemplo, numa paróquia, não é razoável que um fiel ame o seu Vigário e espere dele toda proteção e apoio? Mas, o fiel deve amar ainda mais ao Bispo. E, por isso, não há motivos para esperar maior bondade do Bispo do que do Vigário? E o Papa, não deve ser ainda mais venerado? E não há também motivos para esperar mais indulgência dele do que do Prelado?
A “poluição” do mundo moderno
Essas são considerações que nos descansam da brutalidade de todos os dias!
Não é verdadeiro que nos despolui pensar nisso?
Quando leio nos jornais matérias referentes à poluição em nossas cidades, tenho vontade de dizer: “Vocês não percebem que o que mais polui o mundo contemporâneo é o homem contemporâneo? Não há chaminé que polua mais do que a Revolução!” A verdadeira despoluição se daria quando tivéssemos na terra verdadeiros “Santos Odilons”...

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