A palavra Nagasaki traz logo à memória a arrasadora
bomba atômica lançada contra ela no final da Segunda Guerra Mundial. Poucos
sabem, entretanto, que esta cidade foi também palco do heróico testemunho de
numerosos mártires da Fé.
A evangelização do Japão teve início em 15
de agosto de 1549, quando São Francisco Xavier pisou pela primeira vez o solo
nipônico e começou a perfumá-lo com o odor de suas virtudes e dons admiráveis.
Inicialmente os jesuítas, e, algumas
décadas após, os franciscanos, empreenderam com vigor e coragem a obra da
salvação dos gentios japoneses. Empolgantes lances e dolorosas decepções, a par
de conversões espetaculares, acompanharam passo a passo esses valentes soldados
de Cristo. Em menos de meio século, eram já cerca de 300 mil cristãos no
Império do Sol Nascente, e esse número tendia a aumentar cada vez mais.
Porém, a missão progredia em ambiente
hostil à Fé, num país conturbado pela guerra civil. Sua reunificação, iniciada
por um senhor feudal chamado Nobunaga, estava em processo de consolidação. Mas,
com a súbita morte deste em 1582, seu sucessor, Hideyoshi, submeteu a nação a
um despótico governo baseado na força das armas.
De início, Hideyoshi não perseguiu os
católicos. Com o passar do tempo, porém, percebeu que seus vassalos convertidos
ao Catolicismo — muitos dos quais ocupavam postos de destaque no exército —
constituíam um empecilho para a realização de seus desígnios ditatoriais; e que
a Lei de Deus era um obstáculo para os seus desmandos morais.
Em conseqüência, assinou em 1587 um decreto
de expulsão dos missionários. Devido às medidas de prudência tomadas pelos
jesuítas, essa iníqua decisão não foi executada. Não só permaneceram lá os
filhos de Santo Inácio, mas, a partir de 1593, começaram a chegar missionários
franciscanos provenientes das Filipinas, intensificando-se mais ainda a obra de
evangelização.
Ambição e intrigas fazem
desencadear a perseguição
Infelizmente, o ambiente político estava
muito perturbado por intrigas, cobiças comerciais e maquinações dos inimigos da
Religião cristã. E tudo pressagiava uma violenta perseguição do Governo
imperial.
Nessas delicadas circunstâncias, deu-se em
1596 o lamentável incidente do naufrágio do galeão espanhol San Felipe, no
litoral japonês. Tendo ficado sem leme, devido à tempestade, a nau encalhou e
começou a afundar. A tripulação e os passageiros, missionários franciscanos
vindos das Filipinas, foram salvos em pequenos barcos. Houve tempo também para
retirar toda a carga, constituída de preciosos tecidos de seda.
Hideyoshi enviou um agente governamental,
Masuda, para inspecionar e avaliar essas mercadorias. Este retornou com duas
informações. A primeira, bem objetiva: o valor da carga era suficiente para
revigorar as exauridas finanças do ditador. A segunda, de fonte bastante
duvidosa: o piloto da nave lhe teria confidenciado que, nas conquistas
espanholas, a pregação missionária precedia e preparava o terreno para a
invasão militar.
Isso serviu de pretexto para Hideyoshi, já
predisposto pelas intrigas dos bonzos, mudar radicalmente sua atitude de
contemporização. Mandou prender os franciscanos e confiscar as mercadorias do
galeão. Pouco tempo depois, ordenou o cerco das casas dos missionários em Osaka
e Kyoto.
Humilhação transformada
em triunfo
A missão franciscana tinha como centro de
irradiação a Igreja de Nossa Senhora dos Anjos, em Kyoto, então Capital
imperial. Lá foram presos em 2 de janeiro de 1597 os missionários: o Superior,
Frei Pedro Batista; os padres Martín Loynaz de la Ascensión e Francisco Blanco
de Galicia; o clérigo Filipe de Jesús e os irmãos leigos Francisco de San
Miguel e Gonçalo García. Junto com eles, quinze nipônicos convertidos, entre os
quais vários catequistas e três coroinhas, chamados Luís Ibaraki, Antônio e
Tomás Kozaki.
Em Osaka foram encarcerados os catequistas
João de Goto e Tiago Kisai, e um noviço jesuíta chamado Paulo Miki. De
senhorial origem, este último nascera em 1568 e trabalhava com o Superior
Provincial em Nagasaki. Pregador exímio, fazia intenso apostolado. Mais tarde,
na prisão, os três tiveram o gáudio de serem oficialmente recebidos na
Companhia de Jesus.
Os 24 prisioneiros foram reunidos numa
praça pública de Kyoto, onde os algozes cortaram a orelha esquerda de cada um
deles. Em seguida, transportaram-nos, cobertos de sangue, em pequenas carroças,
para serem escarnecidos pela população.
Porém, as rudes carroças da ignomínia
transformaram-se em tribuna de glória. No trajeto de Kyoto a Nagasaki, os
mártires eram recebidos em triunfo pelos fiéis das aldeias católicas.
Inumeráveis e comoventes conversões se deram ao longo dos caminhos e dos
lugarejos por onde passaram.
Um velho pai estimula o
filho a morrer com alegria
No dia 8 de janeiro de 1597, Hideyoshi
assinou o decreto de condenação à morte desses 24 heróis da Fé, por motivos
exclusivamente religiosos. A eles se juntaram mais tarde dois outros que os
haviam acompanhado no trajeto.
Hanzaburo Terazawa, irmão do governador de
Nagoya, recebeu de Hideyoshi a ordem de executar todos os prisioneiros e foi
encontrá-los num lugarejo próximo dessa cidade.
Quando viu Luís Ibaraki, ficou em extremo
embaraçado. Sentindo-se responsável pela morte de uma inocente criança, ofereceu-lhe
a liberdade, se ele quisesse entrar a seu serviço. O menino deixou a decisão a
cargo de Frei Pedro Batista. Este respondeu em sentido afirmativo, com a
condição de que lhe fosse permitido viver como católico.
Hanzaburo não contava com essa resposta.
Após alguns instantes de perplexidade, replicou que, para continuar vivo, Luís
deveria renegar a Fé católica.
“Nessas condições, não vale a pena viver” —
treplicou o decidido coroinha. Outra forte emoção apossou-se de Hanzaburo, ao
descobrir entre os prisioneiros seu velho conhecido Paulo Miki. Nos antigos
tempos, havia ele assistido a algumas de suas aulas de catecismo. Quantas
recordações remoeram seu espírito!
Vendo-o assim comovido, Paulo Miki
aproveitou a oportunidade para lhe pedir três favores, os quais dificilmente
poderiam ser negados: que a execução fosse na sexta-feira, e lhes permitisse
antes confessar-se e assistir à Santa Missa. Hanzaburo consentiu, mas depois,
receando a reação do tirânico Hideyoshi, voltou atrás.
Por sua ordem, ergueram-se 26 cruzes numa
colina perto de Nagasaki.
Na manhã de 5 de fevereiro, a caminho do
local do suplício, o catequista João de Goto viu aproximar-se seu venerável
pai. Como despedida, vinha ele demonstrar ao filho como não há coisa mais
importante do que a salvação da alma. Após estimular o jovem a ter muito ânimo
e fortaleza de alma, exortando-o a morrer alegremente, pois morria a serviço de
Deus, acrescentou que também ele e sua mãe estavam dispostos a derramar o
sangue por amor de Cristo Jesus, se necessário fosse.
A graça do martírio atrai
os cristãos japoneses
Chegando ao alto da colina, os 26 mártires
foram fortemente amarrados nas cruzes preparadas com antecedência. Em torno
deles aglomeravam-se cerca de quatro mil fiéis, muitos dos quais querendo ser
também crucificados! Um problema inesperado para os embrutecidos soldados
pagãos, que foram obrigados a usar de violência para... poupar a vida desses
cristãos tão profundamente tocados pela graça do martírio.
Frei Martín entoou então o Cântico de
Zacarias, “Bendito seja o Senhor Deus de Israel, porque visitou e fez a
redenção do seu povo”, enquanto Frei Gonçalo recitava o “Miserere”. Outros
cantavam o “Te Deum”. Os padres jesuítas Francisco e Pásio, enviados pelo
Provincial de Nagasaki, os exortavam a permanecer firmes na Fé.
O menino Luís Ibaraki bradou alto e com voz
firme: “Paraíso! Paraíso! Jesus, Maria!” Em um instante, todos os presentes
gritavam a plenos pulmões: “Jesus, Maria! Jesus, Maria!”
O primeiro a consumar o martírio foi Frei
Filipe de Jesús. Seu corpo estremeceu ao receber os tremendos golpes de duas
lançadas que lhe perfuraram o peito, do qual jorrou o sangue copiosamente.
O pequeno coroinha Antônio pediu ao Pe.
Batista para entoar o “Laudate pueri
Dominum” (Louvai, meninos, ao Senhor). Este, porém, estando em profunda
contemplação, nada ouvia. Antônio, então, iniciou sozinho o cântico, mas foi
interrompido pelas lançadas que traspassaram seu coração infantil.
Do alto da cruz, o Irmão Paulo Miki não
cessava de encorajar, com divina eloquência os companheiros. Sua alma já
prelibava o Céu.
Os golpes mortais das lanças foram
sucedendo-se, um após outro, abrindo as portas do Paraíso aos felizes mártires.
O último a expirar foi o Padre Francisco Blanco.
Na tarde desse mesmo dia, o Bispo de
Nagasaki e os padres jesuítas, que não puderam assistir ao martírio devido à
proibição de Hanzaburo, foram venerar os corpos dos santos mártires, cujo
sangue havia sido piedosamente recolhido pelos católicos, como preciosa
relíquia.
Decorridos 30 anos, em 1627, o Papa Urbano
VIII reconheceu oficialmente seu martírio. E o Bem-Aventurado Pio IX os
canonizou em 8 de junho de 1862.
A colina da execução ficou conhecida como
Monte dos Mártires e tornou-se centro de peregrinação. Nela, inumeráveis outros
católicos foram degolados ou queimados vivos, durante a dura e cruel
perseguição que se prolongou por quatro décadas, até culminar no levante de
Shimabara, em 1638, onde morreram 37 mil cristãos.
Com isto, ficou quase totalmente
exterminado o Cristianismo em solo nipônico. Mas o sangue de tantos milhares de
mártires não correu em vão. Unido ao Preciosíssimo Sangue de Jesus, ele
fecunda, não apenas o solo do Japão, mas o de todas as nações onde incontáveis
missionários anunciaram e anunciarão o Evangelho, ao longo dos séculos. E seu
exemplo comove e anima até hoje quem lê a história de sua morte sublime.
Formam eles uma esplendorosa coroa de
glória sobre a fronte sacrossanta da Rainha dos Mártires.
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