Os grandes movimentos da História, em geral, são
impulsionados por homens a quem Deus concede uma grandiosa missão,
comunicando-lhes seu espírito e sua força. Um destes homens foi São Leandro de
Sevilha. Convertendo os godos e salvando uma nação inteira do jugo dos arianos,
ele bem pode ser considerado um dos fundadores da Idade Média.
Acompanhemos com especial veneração sua ficha
biográfica1:
São Leandro nasceu em Cartagena, Espanha. Seus pais
pertenciam à alta nobreza, e sua família estava repleta de santos. Um de seus
irmãos, Santo Isidoro, sucedeu-o no trono episcopal de Sevilha; o outro, São
Fulgêncio, foi Bispo de Cartagena. Sua irmã, Santa Florentina, tornou-se
religiosa.
Quando era jovem ainda, São Leandro retirou-se para
um mosteiro, tornando-se perfeito modelo de ciência e piedade. Seus méritos o
levaram à Sé Episcopal de Sevilha, onde não diminuíram em nada as austeridades
que praticava.
Quando Leandro foi nomeado bispo, parte do
território espanhol estava dominada pelos visigodos arianos havia cento e
setenta anos. Entregando-se imediatamente ao combate da heresia, o novo Bispo
rezava e implorava o auxílio de Deus. O sucesso coroou seu zelo, e em pouco
tempo a heresia já contava com menos adeptos.
Entretanto, Leovigildo, então rei dos visigodos, e
também ariano, irritado com a atividade de São Leandro, e principalmente com a
conversão de seu filho primogênito, condenou o santo ao exílio e o filho à
morte.
Seu segundo filho, Recaredo, que vindo a ser um
fervoroso católico, ao herdar o trono conseguiu a conversão de todos os seus
súditos.
São Leandro dedicou-se a manter o fervor dos fiéis e
foi a alma de dois grandes concílios: o de Sevilha e o de Toledo, os quais
condenaram o arianismo.
Homem de ação, Leandro a todos inspirava o amor à
prece, especialmente aos religiosos. Escreveu instruções admiráveis à sua irmã
sobre o exercício da oração e o desprezo do mundo. Reformou a liturgia na
Espanha.
Afligido por numerosas enfermidades, o apóstolo dos
visigodos faleceu em 596.
A ação do Espírito Santo e a pujança da santidade
A ficha é riquíssima de aspectos passíveis de
comentário. O primeiro deles é o florescimento de santos numa mesma família da
alta nobreza espanhola: Santo Isidoro de Sevilha — um dos maiores santos da
história da Espanha —, São Fulgêncio, Santa Florentina e São Leandro.
Vemos que beleza há na conjunção de tantos santos
numa mesma estirpe. Com isso, Deus faz sentir a importância do fenômeno
“estirpe” na formação dos santos e na realização dos planos da Providência.
Por outro lado, observamos a pujança de santidade
existente naquela época. Trata-se de um dos mais belos fenômenos da História,
onde inúmeros santos inauguraram o Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo durante a
Idade Média; fenômeno não atribuível a nenhum homem, a nenhuma Ordem religiosa,
mas diretamente oriundo da ação do Espírito Santo.
De fato, a não ser por um verdadeiro sopro universal
do Divino Espírito Santo, não seria possível o surgimento de tantas almas
santas ao mesmo tempo.
Em pleno domínio dos bárbaros arianos…
Ao ser eleito Bispo de Sevilha, São Leandro
encontrou-se diante do seguinte problema: havia cento e setenta anos, bárbaros
hereges exerciam uma função dominadora na Espanha.
Ao contrário do que muitos pensam, a maior parte dos
bárbaros não era pagã, mas sim ariana. Quando invadiram o Império Romano,
muitas tribos bárbaras já haviam sido visitadas, em suas respectivas regiões,
por um Bispo ariano chamado Úlfilas 2, o qual as perverteu para o arianismo.
Desta maneira, enquanto descendentes dos antigos
cidadãos do Império Romano, os católicos eram os vencidos, os pobres, estavam
por baixo e gemiam sob o jugo dos arianos, os quais, por sua vez, constituíam o
povo novo, forte e vencedor.
…a Providência suscita São Leandro de Sevilha
São Leandro recebeu, então, da parte de Deus, a
missão de derrubar o domínio ariano. De que maneira ele o fez?
Em primeiro lugar, chorando diante de Deus e
pedindo, por meio de Nossa Senhora, os auxílios necessários para a tarefa que
deveria realizar de modo admirável. Cônscio da incapacidade humana perante as
tarefas apostólicas, São Leandro sabia que o homem não é senão um instrumento
de Deus e de Nossa Senhora, os verdadeiros realizadores do apostolado. Assim,
as conversões deram-se em número colossal e o poder ariano foi diminuindo
graças às suas pregações.
Aspectos fugazes, porém importantes, se desvendam na
vida de São Leandro, uma das maiores figuras da hagiografia e da história
espanhola.
Plinio Correa de Oliveira - Extraído
de conferências de 26/2/1964 e 27/2/1967
1)
Butler, Alban. Lives of the Saints - With Reflections for Every Day in the
Year.
2)
Educado no Catolicismo, Úlfilas aderiu ao arianismo por ocasião de uma viagem a
Constantinopla, onde Eusébio o sagrou bispo. Tendo voltado para o grêmio dos
godos, dedicou-se à conversão de seus irmãos de raça à fé ariana.
Pelo apostolado de São Leandro começa a história católica da
Espanha
Em 567 subiu ao trono de Toledo um homem de grande
energia: Leovigildo. Tratava-se de um soberano faustoso, que em matéria de
religião mantinha-se ariano fanático.
No ano de 580, Leovigildo, ingenuamente, convida os
seus súditos católicos a aderir à fé ariana, e enfeita a sua proposta com
tantas promessas vantajosas e aparentemente substanciais que alguns se deixam
iludir. Mas esta política encontrou pela frente a clarividência de um monge
notável: São Leandro, o futuro Arcebispo de Sevilha.
Sob a influência de São Leandro, Hermenegildo, filho
primogênito de Rei, abjurara o arianismo, o que lhe valeu as maiores violências
por parte de seu pai. Mas, num abrir e fechar de olhos, agrupou-se em torno de
Hermenegildo um verdadeiro partido, constituído por todos os católicos que
estavam cansados das perseguições arianas, pelos Bispos e, sobretudo, por São
Leandro. Não demorou a formar-se uma autêntica coligação contra Leovigildo. O
Rei intimou o filho a regressar à fé ariana e, perante a sua recusa, rebentou a
guerra.
Refugiado na Andaluzia, o jovem chefe católico
organiza a resistência, enquanto São Leandro embarca para o Oriente a fim de
pedir o auxílio do Imperador. Mas Hermenegildo, embora plenamente consciente do
direito que lhe assiste, sofre por ter de lutar contra o próprio pai. Então, a
pedido de seu irmão Recaredo, aceita encontrar-se com o Rei para entrar em
negociações. Leovigildo abraça-o e declara que está tudo perdoado. Mas, de
repente, a um sinal do Rei, os guardas prendem o Príncipe, despojam-no das suas
vestes e lançam-no na masmorra.
Começa então uma “paixão” digna dos antigos
mártires. Em vão, enviam ao Príncipe bispos e teólogos arianos para convencê-lo
a voltar ao credo de seu pai; nada o faz ceder. Durante longos meses sofre o
cativeiro, os maus tratos e — ainda mais — a privação da Sagrada Eucaristia.
Por fim, louco de cólera, Leovigildo dá a ordem fatal para decapitar
Hermenegildo na prisão.
Mas é verdadeiramente o caso de repetir a célebre
frase de Tertuliano: “O sangue dos mártires é semente de cristãos”. Não se
passara ainda um ano da morte de Santo Hermenegildo, e já em maio de 586
Leovigildo morria no seu palácio de Toledo, sucedendo-lhe o seu filho Recaredo.
O novo Rei deu uma reviravolta completa em toda a
política: os Bispos católicos foram chamados do exílio e São Leandro, nomeado
Arcebispo de Sevilha, foi recebido na corte com as mais delicadas atenções.
Começava a história católica da Espanha.
(Rops, Daniel. A Igreja dos tempos bárbaros. Cap.
IV. São Paulo: Quadrante, 1991. p. 211-212.)
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