Dedicou
sua vida a pregar o Evangelho em terras longínquas e desconhecidas
para o mundo da época. Deus o recompensou com força de alma
admirável, e concedeu-lhe o dom dos milagres.
Quem
não gostaria de encontrar-se com o Divino Salvador, numa rua de
Jerusalém ou em alguma estrada da Palestina, para vê-Lo realizar um
de seus esplendorosos milagres? Ressuscitar um morto, curar um
leproso, restituir a vista a um cego!
Os
habitantes do Brasil, nas primeiras décadas de nossa História,
puderam presenciar várias dessas maravilhas, realizadas por um
angélico missionário, o Bem-aventurado José de Anchieta.
Nascido
em 19 de março de 1534, na Ilha de Tenerife, Arquipélago das
Canárias, de nobre família espanhola, Anchieta foi ainda muito
jovem enviado a fazer seus estudos na célebre Universidade de
Coimbra.
Sentiu-se
logo atraído pela Companhia de Jesus, na qual foi recebido em 1º de
maio de 1551. Os médicos acharam conveniente para sua saúde que ele
viesse experimentar o clima e os ares de nossa Pátria. Assim, partiu
ele em 8 de maio de 1553, em companhia do segundo Governador Geral da
Colônia, Dom Duarte da Costa. Em janeiro de 1554, fundou a aldeia de
São Paulo de Piratininga, que logo se tornou foco de intensas
atividades apostólicas e é hoje uma das maiores cidades do mundo.
Seus
biógrafos são unânimes em acentuar duas virtudes que marcaram
profundamente a alma e o apostolado desse jovem missionário: uma
ardente devoção ao Santíssimo Sacramento e um terníssimo amor à
Imaculada Conceição. A essas duas altas virtudes, somava-se um
particular amor ao Papa, tão característico dos filhos espirituais
de Santo Inácio de Loyola.
Santidade
e dom dos milagres
O
apostolado de Anchieta em nosso País foi marcado por uma atitude
heroica diante dos sofrimentos. A fome o atormentava com frequência,
os perigos e a morte o ameaçavam a cada passo. Contudo, a Sagrada
Eucaristia era a fonte de sua constante alegria em meio a essas
provações e privações.
A
santidade que resplandecia em seu rosto tocava os corações dos
selvagens habitantes destas terras. Atraídos pela fama de suas
excepcionais virtudes, os indígenas acorriam numerosos para ouvir
suas pregações. Falando-lhes em seu próprio idioma, ensinava-lhes
com eloquência os mistérios da Fé.
Além
disto, Deus concedeu-lhe em abundância o dom dos milagres, para
tocar as almas dos índios e atraí-los a sua Santa Igreja.
A
cura de um índio aleijado
Estando
na aldeia de Reritiba, na Capitania do Espírito Santo, recebeu a
visita de inúmeras famílias indígenas convertidas ao Cristianismo.
Acolheu-as paternalmente, falou-lhes da vida eterna, das belezas
indizíveis do céu, dos horrores do inferno. Maravilhados, os
selvagens ouviam-no de pé. Notou, porém, que um deles estava
desajeitadamente sentado, e quis saber o motivo.
Informaram-lhe
que aquele pobre homem nascera tão aleijado, que andava rastejando
como um réptil. Comovido, o bondoso jesuíta estendeu-lhe seu
bastão, ordenando em tom categórico: “Põe-te de pé! Deus te deu
os olhos para contemplar o céu e não para fixar a terra, como fazem
os animais”. O aleijado tomou o bastão e pôs-se a andar
desembaraçadamente. Com espanto para todos, logo largou o bastão e
começou a correr pelos campos, ágil como uma lebre, e com a alegria
proveniente da graça que purificou sua alma. Pois o santo
missionário usava o dom dos milagres sobretudo para curar as almas.
Diogo:
o índio ressuscitado
Ainda
mais admirável é este outro milagre, atestado sob juramento por
inúmeras testemunhas, no processo de beatificação desse varão de
Deus. Em casa de Domingos Dias, nobre português que vivia em Santos,
trabalhava um velho e dedicado índio. Catequizado há muitos anos
pelos primeiros portugueses que chegaram àquela aldeia, deles
recebeu o nome de Diogo. Durante décadas viveu exemplarmente,
obedecendo de modo exímio aos dez Mandamentos da Lei de Deus.
Contudo, não fora batizado. Tendo falecido, estava já o cadáver
preparado para o sepultamento. Grande foi a surpresa dos presentes,
quando viram o defunto abrir os olhos e pedir que lhe desatassem a
mortalha.
—
Tragam-me o Padre
Anchieta. Preciso ser batizado por ele — disse com voz clara e
imperativa.
Responderam-lhe
que o religioso estava em São Vicente.
—
Não, ele já se
encontra em Santos e sabe que devo receber de suas mãos o santo
Batismo — redarguiu Diogo.
Maravilhas
da misericórdia divina! Mal terminara de dizer isso, chegou Anchieta
e lhe deu ordem de, para a maior glória de Deus, contar o que lhe
sucedera.
“Ao
passar desta para a outra vida — relatou o ressuscitado — ouvi
uma voz que me dizia ser impossível entrar no Céu, sem antes ser
recebido na Santa Igreja de Deus. Embora tivesse vivido sempre de
acordo com os Mandamentos, nunca me falaram do Batismo. Ordenou-me
então o Senhor que voltasse a este mundo, para ser batizado pelo
Padre Anchieta. Peço-lhe, pois, com insistência que me batize, para
que assim possa entrar no Céu.
Anchieta
atendeu-o com aquela bondade que a todos encantava. E o velho índio
entregou sua alma ao Criador, ante os olhares comovidos e
maravilhados dos que o cercavam.
Mais
tarde, aquele a quem se chamou “o São Francisco Xavier do Brasil”,
declarou a propósito deste milagroso fato: “Ainda que eu não
tivesse feito outra coisa senão abrir as portas do Paraíso para
esse afortunado índio, daria por muito bem empregada minha vinda a
estas terras, com todos os sofrimentos que aqui padeci”.
O
Cantor da Imaculada
Os
índios tamoios do Rio de Janeiro ameaçavam perigosamente os
habitantes de São Vicente. Com ferocidade, assaltavam-nos de noite e
de dia. Ninguém se sentia seguro. Nóbrega e Anchieta, com admirável
heroísmo, partiram dessa aldeia para as praias de Iperoig, na
esperança de conseguir a paz com os selvagens. Depois de dois meses
de inúteis esforços, viu-se Nóbrega obrigado a retornar a São
Vicente. Corria o mês de julho de 1563. Anchieta ficou como refém
entre os indígenas, na esperança de acalmá-los com sua mansidão.
Vivendo
sozinho entre selvagens, temia ele que sua castidade fosse manchada,
e passava boa parte da noite entre orações e duras penitências,
implorando à Virgem Puríssima que o amparasse. Com esta intenção,
fez a promessa de escrever em versos a vida da Imaculada Virgem e Mãe
do Redentor.
Foi
então que escreveu, em uma praia da atual Ubatuba, seu maravilhoso
poema De Beata Virgine
Dei Matre Maria (Sobre
a Bem-Aventurada Virgem Maria Mãe de Deus).
Admirável
prodígio da graça! Sem papel, sem tinta nem pena, traçava ele na
branca areia da praia os versos e gravava-os na memória.
Os
próprios selvagens declararam ter visto inúmeras vezes uma ave com
penas de cores maravilhosas, que pousava ora nos ombros, ora na
cabeça, ora nas mãos desse cantor de Maria Imaculada. Delicado
presente da Mãe de Deus, para consolar aquela inocente alma,
voluntariamente exilada entre feras humanas, qual novo Daniel entre
os leões.
E
a Consoladora dos Aflitos lhe gravou na alma a certeza inabalável de
que não morreria sem antes terminar aquele poema. De volta a São
Vicente, conseguiu Anchieta transpor da memória para o papel os
cinco mil versos que compusera na praia.
Sentado
no fundo do Rio
Em
1570 partiu Anchieta da aldeia de São Paulo de Piratininga, com a
esperança de tocar os corações de dois homens brancos que haviam
se embrenhado nas selvas para agitar os índios e lançá-los contra
os portugueses. Em companhia de outro jesuíta, o Pe. Vicente
Rodrigues, e de alguns poucos indígenas, viajava ele numa frágil
canoa. Estavam já próximos de seu destino, quando se viram de
repente diante de uma cachoeira. Tão absortos iam os dois sacerdotes
na recitação do breviário, que não se deram conta do grande risco
que corriam. Em poucos minutos a embarcação se desfez em pedaços e
seus tripulantes foram lançados ao rio.
Exímios
nadadores, os índios livraram-se facilmente do perigo. Com certa
dificuldade, salvou-se também o Padre Vicente Rodrigues. Mas
Anchieta não sabia nadar.
Um
índio chamado Araguaçu, grande admirador do santo jesuíta,
lançou-se novamente ao rio, à sua procura. Meia hora depois,
retornou à margem, trazendo consigo o precioso tesouro: o Pe.
Anchieta, totalmente enxuto. Araguaçu o encontrara sentado no fundo
do rio, rezando serenamente o breviário.
Algum
tempo depois, o Pe. Pedro Leitão pediu-lhe que explicasse o fato de
não ter morrido afogado. Com muita candura respondeu ele:
—
Eu não me dei conta
quando a canoa virou, porque estava rezando as horas de Nossa Senhora
da Conceição. E assim, sentado como estava, me fui ao fundo e
continuei com a mesma reza, sem que a água me fizesse mal.
Morte
santa e serena
Anchieta
passou seus últimos anos na Capitania do Espírito Santo. A 9 de
junho de 1597, no colégio jesuíta de Reritiba, faleceu serenamente,
pronunciando os dulcíssimos nomes de Jesus e de Maria.
Homens,
mulheres e crianças acorreram aos milhares para despedir-se aos
prantos. Transportado aos ombros pelos índios, seu corpo foi
sepultado em Vitória, na igreja de São Tiago.
O
bispo do Rio de Janeiro, Dom Bartolomeu Simões Pereira, que oficiou
as exéquias, proclamou-o nesta ocasião o “Apóstolo do Brasil”.
Peçamos
a tão poderoso intercessor a graça de que o Brasil realize
plenamente a sublime missão para a qual Deus o destinou.
Poema de Anchieta
“Antes
de lançar com sua palavra
os
mundos pelo espaço,
antes
de estender a terra imensa,
já
Deus te concebera em sua mente eterna
e
te destinara para sua Mãe
na
glória da virgindade.
Qual
serias então aos olhos do divino Pai,
quando
surgiu no universo o turbilhão dos mundos?
Ainda
as ondas do mar sem limites
não
rojavam pelas praias,
nem
deslizava o rio em curvas caprichosas;
ainda
do tremedal fecundo as fontes não brotavam,
nem
assentavam sobre as moles gigantescas
os
picos alcantilados:
e
já te concebia em sua mente o Pai supremo,
que
tu havias de conceber em teu seio, como a filho,
para
purificar o mundo inteiro
das
hediondas máculas
e
ser eficaz medicina às minhas chagas. (...)
Toda
bela de alvura e luz,
não
houve sombra em ti, doce noiva de Deus!
Jamais
se estampou em teu peito a mancha do crime;
nódoa
alguma, por mínima que fosse,
empanou
jamais tua beleza.
Ó
formosura sem par...”
Primeiros
versos do poema De Beata Virgine Dei Matre Maria, escrito por
Anchieta nas areias de Ubatuba
Nenhum comentário:
Postar um comentário