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terça-feira, 26 de janeiro de 2016

São Lourenço Justiniano

Continuação do post anterior
O Leão de Judá venceu o leão do Inferno
Sobre a força do demônio diz o livro de Jó que “nada há sobre a Terra que se lhe possa comparar, porque ele foi feito para nada temer”. Por isso São Pedro o compara a um leão. Sobre sua esperteza, diz o Gênesis que a serpente era o mais astuto dos animais, e que seduziu Eva por sua fineza e artifício.
Vejam, então, como a coragem é necessária e como a força é indispensável. Se quiserdes combater somente com a força, sem a prudência, vosso adversário vos enganará por seus artifícios. Se empregardes só a astúcia, a força do leão vos esmagará. Buscai, pois, uma e outra. Sede fortes contra os rugidos do leão, sede sutis e prudentes contra a malícia oculta da serpente. Quem não temerá sua força, se foi capaz de arrancar do Céu a terceira parte das estrelas? Quem não terá cuidado com sua esperteza, que expulsou nossos pais do Paraíso? Confiai, então, em pedir o socorro desse Leão saído da tribo de Judá, segundo a carne, e que venceu o leão do Inferno com sua morte e d’Ele triunfou com sua ressurreição. É Ele somente que dará a graça da força e a sagacidade da serpente, dando aos combatentes a ciência para que obtenham a vitória.
O combate físico e o espiritual
Esta ficha evoca vários pensamentos que se cruzam e se multiplicam. São Lourenço fala, exatamente, do perigo de que a pessoa se deixe relaxar, distender pelo repouso, e pelas glórias dentro da tranquilidade sucessiva ao combate. E dá algumas regras para o combatente nesta vida.
Ele se refere a duas espécies de combate: em primeiro lugar, ao combate físico — aludindo aos antigos gladiadores que desciam à arena para lutar ––, e às regras que o presidem; depois, por analogia, o santo deduz normas que dirigem o combate espiritual, aquele que o homem deve travar contra os seus inimigos internos, ou seja, suas paixões desordenadas e a ação do demônio dentro de sua própria alma.
Assim como na pugna física é necessário que o guerreiro, ora pela astúcia, ora pela força, saiba vencer as batalhas, também no terreno espiritual devemos ser astutos e fortes contra nossos adversários. E se nos faltar qualquer uma dessas duas qualidades — fortaleza ou astúcia—, perdemos nossa batalha na vida espiritual. Por outro lado, São Lourenço explica como o demônio foi altamente forte quando, com sua cauda, levou uma terça parte das estrelas do céu para o abismo, isto é, promoveu uma revolta possante na qual arrastou muitos atrás de si. Entretanto, com Adão e Eva o demônio não manifestou força, mas astúcia, arquitetando uma tentação toda cheia de lábia, de artimanhas para induzir os nossos primeiros pais ao pecado.
Falseamento da espiritualidade católica
Eu gostaria de fazer uma reflexão para compreendermos o rumo que certas coisas tomaram dentro do falseamento da espiritualidade católica. O demônio é forte e astuto, não por ser ruim, mas por aquilo que ele tinha de bom, por sua natureza. Portanto, antes de cair ele já possuía essa força e essa astúcia.
É claro que essa astúcia adquiriu um caráter pecaminoso, mau. O demônio passou a recorrer à falsidade, tornou-se o pai da mentira. Mas sua capacidade de agir astuciosamente não aumentou com o pecado; ela lhe vem de sua natureza angélica e foi conservada, mesmo após sua queda. Contudo, ele começou a lançar mão de meios ilegítimos, os quais não teria usado se tivesse continuado um Anjo na graça de Deus.
Mas daí também se tira a conclusão de que os Anjos bons, que estão na graça de Deus no Céu, também são fortes e astuciosos.
Ora, as coisas tomaram um tal rumo que todas as pinturas do demônio apresentam-no como astucioso e forte. Habitualmente as representações dos Anjos não dão a ideia nem de astuciosos nem de fortes, mas apenas sorridentes, amáveis, bonachões. Dão, portanto, uma ideia deformada, porque unilateral, da natureza do Anjo.
A bondade e a afabilidade são sumamente convenientes à representação de um Anjo. Naturalmente, o Anjo é assim, por exemplo, o Anjo da Guarda, que protege. O Anjo é o veículo do amor de Deus para com os homens; ele os assiste, dirige-os. Mas não é só isso. Ele é forte também. Há um coro de Anjos, chamado Potestades, que, segundo São Tomás de Aquino, têm a missão especial de derrubar todos os obstáculos que se erguem contra a vontade de Deus no universo. E não são os Anjos mais fortes nem os mais altamente colocados.
O Anjo, por outro lado, é sumamente sagaz. E o nosso próprio Anjo da Guarda é sumamente diplomático. Quantas e quantas vezes ele nos dá bons conselhos, bons impulsos de alma ajustados exatamente ao nosso estado de espírito, com toda a inteligência e a diplomacia que se pode imaginar num espírito de uma capacidade imensamente superior à nossa! Ora, essas representações poucas vezes aparecem. De onde decorre a ideia de que a pessoa boa é como o Anjo bom, e a má, como o anjo mau. Então, se se fala num homem forte ou sagaz já se pensa num homem ruim. Quando se fala num homem bom, se pensa num homem sem força nem sagacidade.

Houve tempo em que era uma ideia comum que o homem deve ser sagaz e forte. Para evitar o abuso dessa ideia, insistiu-se no outro lado: ele deve ser também bom, afável, cândido, muito leal, etc. E para fazer um contrapeso, começaram a apresentar os Anjos assim. Depois os homens começaram a amolecer e a representação dos Anjos não tomou o contrapeso dos homens.
Continua...

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