A história do martírio
de São Lourenço, segundo Santo Antonino.
Corria a segunda metade
do século III, – no qual a Igreja conhecera um pequeno intervalo nas cruéis perseguições
que sofria – , quando São Xisto, Papa, indo à Espanha, encontrou ali dois jovens
de santos costumes: São Lourenço e São Vicente. Levou-os consigo para a cidade
de Roma, onde São Lourenço ficou com São Xisto, que o fez seu diácono, e São
Vicente voltou para a Espanha, e na cidade de Valência foi coroado de glorioso martírio.
Neste tempo havia se
convertido à Fé o imperador Filipe e seu filho de mesmo nome, e determinava
exaltar a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo. Este foi o primeiro imperador
dos romanos que recebeu perfeitamente a fé de Cristo; mas não pôde fazer o que
desejava a favor da Igreja, porque foi morto à traição, como logo se dirá. E
porque depois o imperador Constantino Magno, ter sido o primeiro que dilatou a
fé por todo o império romano, por isso se diz ser o primeiro que dos
Imperadores creu no Senhor, ainda que antes dele tenham Filipe e seu filho
recebido o batismo.
No tempo deste
imperador Filipe, se cumpriu o ano milésimo da fundação de Roma, em cujo dia os
romanos fizeram grande festa. Tinha Filipe na sua corte a Décio, general muito
esforçado, e começando a Gália (França) a rebelar-se contra o Império Romano,
Filipe o mandou lá, para que a subjugasse. Indo Décio à Gália, reduziu tudo à
sua vontade e voltou a Roma vitorioso. O imperador, querendo honrá-lo, saiu a
recebê-lo na cidade de Verona, mas Décio vendo a honra que lhe fazia o Imperador,
desvaneceu-se com soberba, e começou a desejar o Império e a tratar como
mataria a Filipe.
Estando o imperador
dormindo em sua tenda, entrou Décio secretamente e o matou, vencendo com
dinheiro e promessas à gente que acompanhava o falecido imperador, e se foi
para Roma com grande pressa. Sabendo do caso, Filipe, o menor, e informado que
Décio vinha para Roma, tremeu, e decidiu encomendar os seus tesouros a São
Xisto, Papa e a São Lourenço, rogando-lhes que se ele fosse morto, os distribuíssem
pelas Igrejas e pelos pobres, e logo se ocultou. E por esta causa, esses
tesouros que São Lourenço repartiu, se chamam “tesouros da Igreja”.
Saíram os senadores a
receber Décio, e o confirmaram no Império. Querendo demonstrar grande zelo do
culto dos deuses e do bem dos romanos, começou a perseguir cruelmente aos
cristãos, a quem matava com toda a impiedade. Nesta perseguição morreram muitos
mil mártires, e entre eles Filipe, o menor.
Décio quis reaver os tesouros
que Filipe havia dado à Igreja, e por isso foi preso o Papa São Xisto. Por meio
de ameaças, Décio queria que São Xisto entregasse os tesouros e negasse a fé de
Cristo. São Lourenço, ao ver que levavam preso ao Papa, foi atrás dele,
gritando:
— Pai! Aonde ides sem o
vosso filho? Aonde ides, sacerdote santo, sem o diácono? Por que vos
desgostastes de mim? Porventura não me achastes fiel ministro em todas as
vossas coisas?
Respondeu o Papa São
Xisto:
— Não te desamparo
filho, mas piores batalhas te estão reservadas pela Fé de Cristo, porque eu
assim como velho, recebo a pena desta peleja, e a ti, como jovem forte e
valente, te espera triunfo mais alto e glorioso, para vencer o tirano, e depois
de alguns dias me seguirás, porque convém que haja um intervalo entre o
sacerdote e o diácono.
Dito isto deu-lhe a
chave dos tesouros para que os repartisse pelas Igrejas e pelos pobres. Buscou
São Lourenço com diligência, de dia e de noite, todos os cristãos pobres que
pôde achar, e distribuiu os tesouros segundo a necessidade de cada um. Chegou à
casa de uma viúva de nome Ciriaca, que tinha nela muitos cristãos escondidos, e
era muito atormentada de dores de cabeça, e pondo-lhe o Santo as mãos sobre
ela, logo ficou sã. A todos que ali estavam deu muitas esmolas. Nessa mesma noite
chegou à casa de um cristão, e achando ali um que era cego, fez-lhe o sinal da cruz
sobre os olhos do homem e este logo sarou.
Enquanto estas coisas
se passavam, São Xisto foi apresentado ao Imperador Décio. São Xisto tendo-se
negado a entregar os tesouros que Décio pedia foi enviado para o templo de
Marte para que lá sacrificasse ao deus da guerra. Recusou-se terminantemente e
por isso foi condenado a ser degolado.
Sendo levado São Xisto para
o local de seu suplício, São Lourenço incitado pelo Espírito Santo, começou a
bradar atrás dele, dizendo:
— Não me desampares,
Santo Padre, porque já distribui os tesouros que me destes!
Os soldados, ouvindo
aquele jovem dizer “os tesouros que me destes”, prenderam a São Lourenço, e o
levaram a Décio. São Xisto e mais outros dois mártires, Agapito e Felicíssimo
foram degolados.
Estando São Lourenço
diante de Décio, perguntou-lhe pelos tesouros da Igreja, mas São Lourenço não
lhe respondeu coisa alguma, e Décio o mandou entregar a Valeriano, e que
soubesse dele onde tinham escondidos os tesouros, e que se não quisesse
sacrificar aos deuses, o matasse com diversos tormentos.
Entregou Valeriano, São
Lourenço, a Hipólito, carcereiro, o qual o meteu no cárcere com outros muitos.
Estava preso entre eles um pagão chamado Lucilo, que de muito chorar havia
perdido as vistas. São Lourenço ao vê-lo, disse:
— Crê em Jesus Cristo,
e logo sararás!
Respondeu ele:
— Eu creio em Cristo e
renego os ídolos.
Instruiu-o São Lourenço
acerca das coisas da Fé e o batizou, e logo foi são, e disse:
— Louvado seja Jesus
Cristo, Deus Eterno, que me curou por intercessão de seu servo Lourenço!
Sabendo-se na cidade
que São Lourenço devolvera a vista a Lucilo, muitos cegos vinham pedir-lhe que
os curasse e pondo-lhe o Santo as mãos nos olhos logo começavam a ver.
Hipólito, espantado
diante de tantos prodígios, disse a São Lourenço:
— Vamos Lourenço,
mostre-me os tesouros que tens escondido, não contarei para ninguém e te darei
liberdade...
Respondeu São Lourenço,
com muita piedade:
— Ó Hipólito, se tu
cresses em Jesus Cristo, eu te mostraria os tesouros, e alcançarias a vida
eterna.
— Se fazes o que dizes,
eu farei o que me aconselhas - disse Hipólito, tocado por uma graça de
conversão.
E ensinando-o na fé,
ele também recebeu o batismo com toda a família.
Mandou Valeriano a
Hipólito que lhe levasse São Lourenço, o que sabendo isto, disse:
— Vamos juntos lá, que
já se nos preparam a coroa de glória!
Chegando à casa de
Valeriano disse ele a São Lourenço:
— Lourenço, dê-nos logo
os tesouros que tens da Igreja!
Respondeu o Santo:
— Dá-me um espaço de
três ou quatro dias, e vos trarei até aqui.
Concedeu nisto
Valeriano, e ficou Hipólito por fiador. Foi então São Lourenço, e naqueles três
dias, ajuntou quantos pobres pode achar, e os levou ao palácio do imperador, e
em alta voz disse a Décio e a Valeriano:
— Estes são os tesouros
eternos, que nunca faltam, antes, sempre crescem: e os tesouros que pedes, as
mãos dos pobres os levarão aos tesouros do Céus.
Enfurecido, Décio o
mandou açoitar e o Santo disse:
— Dou graças a Deus,
porque é servido de me juntar aos seus servos. Miserável de ti, que com os
demônios serás atormentado!
Ouvindo isto, Décio se
enfureceu ainda mais, e o mandou açoitar cruelmente uma segunda vez, e o Santo
levantando a voz tornou a dizer:
— Conhece, ó mísero,
que agora alcanço os tesouros do Céu, e por isso não temo os teus tormentos.
Disse Décio aos
algozes:
— Tomai outras varas
para o açoitar!!!
Disse São Lourenço:
— Ó mal-aventurado,
estas delícias e convite sempre foram desejadas por mim.
— Ah, ainda brincas
comigo! Vamos lá, jovem! Se te glorias desses sofrimentos, dize-me aonde estão
escondidos os teus companheiros cristãos, para que juntamente contigo se
alegrem!
São Lourenço, olhando
com firmeza, respondeu:
— Nada te direi, pois
não és digno de vê-los!
Irado e humilhado com a
resposta de São Lourenço, Décio tornou a mandar açoitá-lo por maior espaço de
tempo. Sentindo que suas forças o abandonavam, o Santo orou ao Senhor, dizendo:
— Senhor Jesus...
recebei... o meu espírito!
Veio então do Céu uma
voz a qual todos que ali estavam a puderam ouvir:
— Ainda te está
reservada maior batalha de tormentos por Cristo!
Ouvindo isto, Décio,
meio assustado, disse:
— Cidadãos de Roma!
Ouviram isto! Os demônios falam com este sacrílego, que despreza os deuses e
desobedece as ordens dos príncipes. Redobrai os tormentos e acabai logo com a
sua arrogância!!!
Tomaram o Santo e o
estenderam sobre uma grade de ferro, onde foi açoitado com azorragues feitos à
maneira de escorpiões, mas o Santo, sem afrouxar de sua constância, sorriu, -
apesar das muitas dores - e deu muitas graças a Deus.
Um oficial do exército,
chamado Romano, que estava presente quando açoitavam a São Lourenço,
converteu-se à fé, e bradou dizendo:
— Vejo um formoso jovem
diante de ti, que com uma toalha está limpando os teus membros, e isto me move
a pedir-te pelo Deus que te dá tantas forças e que não te desampara!
Décio, louco de raiva,
gritava:
— Esse maldito nos está
vencendo por meio de suas artes mágicas!
E enquanto se
estabelecia tremenda confusão de gritos e de ordens de prisão, Romano correu
até São Lourenço com um vaso de água, e pediu para ser batizado pelo Santo.
Vendo isto, Décio e alguns soldados tentaram impedi-lo, mas já era tarde, e a
Igreja acabava de admitir em suas fileiras um valoroso soldado. Preso pelos guardas,
Décio mandou que fosse açoitado. No momento em que recebia os golpes o
destemido oficial bradava:
— Eu sou cristão! Eu
sou cristão!
Recebeu ali mesmo a
sentença de morte e conduziram-no para ser degolado fora dos muros da cidade,
junto à porta, chamada Salaria, a 9 de agosto. Naquela mesma noite, mandou
Décio trazer perante si a São Lourenço, e que lhe mostrassem todos os tormentos
pelos quais teria de passar, e lhe disse:
— Sacrifica aos
deuses... Caso contrário, durante toda esta noite nós te atormentaremos.
O jovem São Lourenço
respondeu olhando para o Céu, com a certeza de quem estava vendo o invisível:
— A minha noite não tem
escuridão, pois toda ela é cheia de claridade!
Ouvindo isto, o tirano
o mandou ferir na boca, mas o Santo com grande ânimo disse:
— Graças vos dou,
Senhor Jesus Cristo... porque livrais das penas e dores eternas aos que em Vós
confiam!
— Chega! - gritou Décio
- morte a esse desgraçado!
Trouxeram, então, um
leito de ferro, ao modo de grelha, e estenderam nela São Lourenço. Os algozes
colocaram muitas brasas debaixo, e assim começar a assar as carnes daquele
santo homem. E como se faz a um animal morto que se quer comer, apertavam-no
com forquilhas de ferro.
Dirigindo-se São
Lourenço a Valeriano, disse-lhe com muita gravidade:
— Conhece, miserável, a
grandeza do poder de meu Senhor: Ele sabe que não neguei o seu Santo Nome
quando fui acusado, e que o confessei sendo perguntado, e que agora assado o
estou louvando! Estas brasas não me dão tormento, mas sim refrigério, e para
ti, miserável, estão reservados eternos tormentos no inferno.
As palavras de São
Lourenço cravaram-se como setas incandescentes no coração e na mente de
Valeriano, que empalidecendo, não sabia o que dizer.
Todos os que
presenciavam a cena se admiravam do ânimo com que São Lourenço sofria aquele
tormento. Depois de alguns momentos de silêncio, durante os quais São Lourenço
mexia silenciosamente os seus lábios, levantou o Santo os olhos para Décio, e
disse-lhe:
— Mal-aventurado Décio,
já está assada a parte de trás, vira-me da outra, come e farta-te! Meus olhos
já começam a ver o que há dias desejavam!
E erguendo suas vistas
para o Céu, disse:
— Graças vos dou,
Senhor Jesus Cristo, porque permitistes que eu fosse digno de entrar em vossa
casa!
E dito isto, expirou.
Um grave silêncio se
fez sentir, quebrado apenas pelo crepitar das poucas chamas que saiam das
brasas e pelos suspiros de angustia de Décio e de Valeriano. Levantando-se os
dois tiranos retiraram-se derrotados e humilhados, deixando o corpo queimado
sobre as grelhas.
Na manhã do dia
seguinte tomaram os cristãos o corpo do Santo mártir e o enterraram
honradamente. Seu martírio deu-se no dia 10 de agosto do ano 261.
São Lourenço é um dos
santos mártires que com maior solenidade se celebra em todo o mundo, assim pela
excelência e grandeza de seu martírio, como por ser padroeiro da cidade de
Roma. Este Santo era natural de Huesca, filho de Orêncio e Paciência, que foram
Santos, e como tais são celebrados naquela cidade.
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