NA ÍNDIA, UM PERFUME DE LISIEUX
Kerala, na misteriosa e fabulosa Índia, é um Estado com 30
milhões de habitantes, dos quais 25% são católicos. Situado na região sul, a
sua paisagem é marcada por verdejantes plantações de arroz, seringueiras e coqueiros,
entrecortadas por extensos canais de águas calmas, pelas quais navegam
embarcações típicas, semelhantes a enormes gôndolas. Segundo a tradição
corrente, as primeiras sementes do Evangelho entre os indianos foram lançadas
pelo Apóstolo São Tomé.
Lá chegando, no século XVI, os missionários portugueses encontraram
comunidades de cristãos, remanescentes daquelas pregações. Seus laços com a Sé
de Roma, lamentavelmente desfeitos ao longo dos séculos anteriores, foram então
reatados, daí resultando o revigoramento dessa grande comunidade católica, que
ficou conhecida como Igreja Siro-Malabar. Sinal de sua vitalidade hoje em dia
(o que ocorre também no rito latino) é o alto índice de vocações sacerdotais e
religiosas, que tem possibilitado o envio de missionários para socorrer a
Igreja em países da Europa e das Américas. O florescimento de almas de grande
virtude é também um sinal inequívoco dessa vitalidade.
Uma dessas almas de escol foi a Irmã Alfonsa da Imaculada
Conceição, da Congregação das Clarissas. De família influente que deu à Igreja
vários sacerdotes, nasceu em 1910, vindo a falecer em 28 de julho de 1946, num
convento da pequena cidade de Barananganam.
Às almas mais diletas, o Divino Salvador convida não ao monte
Tabor, mas ao Calvário; oferece-lhes não um caminho de rosas, mas o amargo
cálice que Ele experimentou em sua Paixão. A união com a Paixão de Cristo foi a
nota tônica da espiritualidade da Irmã Alfonsa ao longo de vinte anos de vida
conventual. Outro traço marcante de sua via espiritual foi a intensa devoção a
Santa Teresinha do Menino Jesus, cuja biografia — a famosa “História de uma
Alma” — ela leu várias vezes na juventude e conhecia quase de cor.
As celas que ela ocupou nos conventos de Changanacherry e
Barananganam são conservadas e abertas à visitação dos fiéis. Neste último
local, além de sua cama, colchas e vários objetos de seu uso, encontra-se um
quadro de Santa Teresinha.
Tendo vivido no estrito ambiente conventual, a Irmã Alfonsa
foi naturalmente pouco conhecida do público. Assim, de seu funeral participaram
apenas suas irmãs de hábito, seu pai com alguns familiares, e alunas da escola
do convento.
Entretanto, como tantas vezes ocorre na vida de santos que
viveram no recolhimento, sua passagem para a eternidade marcou o início de uma
atuação notável e profunda sobre os fiéis, pelos quais tanto rezou e ofereceu
sua vida.
Já nas palavras proferidas durante o sepultamento, o
carmelita Frei Romulus, que fora seu Diretor Espiritual e Confessor, ressaltou
: “Se pudessem conhecer a grandeza intrínseca dessa religiosa, multidões de
fiéis, incluindo centenas de padres e bispos de toda a Índia, aqui acorreriam”.
Seu comentário foi uma profecia que se realizou inteiramente algumas décadas
mais tarde. Em 1986, por ocasião de sua viagem à Índia, o Papa João Paulo II
procedeu à beatificação da Irmã Alfonsa, em cerimônia presenciada exatamente
por centenas de bispos e sacerdotes, além de uma multidão de fiéis, na cidade
de Kottayam, próxima a Barananganam. Foi também beatificado nessa ocasião o
carmelita indiano Frei Kuriakose Chavara, apóstolo do afervoramento do clero,
que viveu no século XIX.
Em 12 de outubro de 2008, Bento XVI canonizou Alfonsa, a primeira santa da Índia.
Hoje, nas proximidades do convento no qual habitou a
Irmã Alfonsa, uma capela abriga seu túmulo, que é continuamente visitado por
fiéis. Situada no alto de uma colina, a pequena construção tem na frente um
enorme pátio, medindo cerca de um hectare e capaz de acolher uma considerável
multidão de fiéis.
Na biografia da Irmã Alfonsa, alguns episódios podem dar uma ideia
de seu perfil espiritual.
Sua mãe faleceu logo após ter lhe dado à luz. Ana
Muttathupadathu — este o nome de batismo de Irmã Alfonsa — foi criada por uma
tia. Esta dispensou-lhe esmerada formação.
Em certa ocasião, a jovem Ana foi abordada por uma religiosa
carmelita que, demonstrando-lhe muita estima, aconselhou-a a tornar-se
religiosa. Posteriormente, já no convento, constatou ter sido a própria Santa
Teresinha do Menino Jesus que lhe aparecera miraculosamente. Suas palavras
tiveram o efeito de inflamar o desejo que Ana já nutria em seu coração.
Enfim, chegou o momento de pedir permissão à tia para deixar
o lar e tornar-se religiosa clarissa. A resposta, entretanto, foi negativa e
peremptória. Sua tia desejava vê-la como uma boa mãe de família, e jamais no
isolamento de um convento. Para isso havia já agenciado a escolha do noivo, e
providenciava a confecção do vestido para a cerimônia de noivado, que, segundo
o costume da Índia, se realiza também na igreja.
Ana, porém, já decidira fazer-se religiosa. Para tornar
inviável o noivado, decidiu provocar uma queimadura nos pés. Para isso saltou
sobre algumas brasas que ardiam numa cavidade existente no quintal de sua casa,
na qual se queimava palha. Esse lance, que a família supôs ter sido acidental,
ocasionou-lhe queimaduras que superaram a sua expectativa e exigiram tratamento
especial. Porém, o objetivo foi inteiramente alcançado. O casamento veio a ser
cancelado e, algum tempo depois, Ana podia transpor os portões do Convento das
Clarissas.
Tanto durante o noviciado como depois de sua profissão,
períodos de graves enfermidades alternaram-se com épocas de saúde. Muitas de
suas irmãs de hábito asseguram que frequentemente a Irmã Alfonsa conhecia os
pensamentos delas e problemas mais íntimos, e consolava-as. Certa vez, uma
religiosa desejava obter alguma lembrança da Irmã Alfonsa, mas não a pediu.
Alguns dias depois, a Irmã Alfonsa chamou-a e deu-lhe uma oração escrita de
próprio punho.
Não é de estranhar, portanto, que mesmo vivendo no
isolamento, conhecesse e se sacrificasse pelas necessidades da Igreja na Índia
e em todo o mundo.
Num de seus escritos, referindo-se à enfermidade que a
acometia, assim se expressou: “Estou
pronta a sofrer não apenas esta, mas quaisquer outras doenças. O mundo moderno
desceu ao mais baixo nível na busca dos prazeres. Que o Senhor faça de mim o
que quiser, pisando-me, ferindo-me como pequena vítima, por amor do mundo que
trilha o caminho da ruína, como também pelos sacerdotes, religiosos e
religiosas cujo fervor esteja decaindo.”
Pe Colombo Nunes Pires, EP Revista Arautos do Evangelho
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