Como o sol que a cada dia desponta com renovada beleza,
assim também ao longo da História vão surgindo no seio da Igreja
Católica carismas e vocações as mais belas, variadas e
surpreendentes, desde um São Paulo, todo voltado à ação
apostólica, um São Vicente de Paulo, dedicado à assistência aos
pobres, ou um São Camilo de Lellis, consagrado aos enfermos, até
almas que vivem no mais completo silêncio e isolamento, dedicadas
unicamente à oração e à contemplação. Como a lamparina ardente
diante do Santíssimo, vão se consumindo lentamente no zelo do
Senhor.
Acerquemo-nos da mítica montanha de Camaldoli, de mais
de mil metros de altitude, a leste de Florença, nos Montes Apeninos,
onde se localiza o mosteiro e o eremitério fundados por São
Romualdo, no século XI. Os camaldolenses, Ordem religiosa
contemplativa que se inclui entre as mais rigorosas existentes na
Igreja.
Incansável fundador e
reformador de mosteiros
Romualdo era filho de Sérgio I, Duque de Ravena, homem
da mais alta nobreza medieval, mas mundano e muito agressivo. Não
foi, ele, pois, quem ensinou ao menino o caminho da santidade, mas
foi o protagonista de um trágico acontecimento que marcou para
sempre a vida de seu filho e o fez tomar a resolução de fazer-se
religioso.
Por volta do ano 972, o Duque Sérgio bateu-se em duelo
com um inimigo — ao que consta, um seu irmão, por litígio de
terras —, matando-o a golpes de espada. E Romualdo, então com 20
anos de idade, foi testemunha da brutal cena.
Vendo o morto estirado ao solo, com as feridas jorrando
sangue, e, de outro lado, a fisionomia feroz de seu pai, o jovem
percebeu num relance como é horrível o homem que se deixa dominar
pelas paixões desregradas. Muito chocado, tomou a decisão de
abandonar os vãos prazeres da vida mundana e fazer-se monge.
Grandes
progressos em pouco tempo
Partiu,
então, à procura da solidão nas montanhas, estimulado pela graça
de Deus que lhe sussurrava no fundo da alma: “Felizes os eremitas
que se afastam do mundo e se isolam nessas solidões onde não são
escravizados pelos maus costumes e pelos maus exemplos!”
Encontrando um mosteiro beneditino, pediu para ser recebido ali. O
superior, porém, receando uma reação violenta do Duque, hesitou em
aceitá-lo. Somente com a intervenção do Arcebispo de Ravena, que
serviu de intermediário, o jovem conseguiu ser admitido.
Nesse
convento o novo monge passou três anos dedicados à oração e à
penitência. Por serem relaxados, os outros religiosos sentiam-se
censurados pelo
grande fervor do recém-chegado e acabaram por pedir ao superior que
o afastasse dali.
Romualdo resolveu,
então, ir morar em Veneza, onde passou a levar uma vida de total
isolamento. A Divina Providência pôs em seu caminho um eremita
rigoroso e sumamente austero, Marino, sob cuja direção fez ele em
pouco tempo grandes progressos na via da santidade.
“O
Doge desapareceu!”
Junto
com Marino, Romualdo conseguiu duas notáveis conversões. A do Duque
de Ravena, seu próprio pai, que se arrependeu da antiga vida de
pecados e foi fazer penitência num convento. E a do Doge (o supremo
governante) de Veneza, cidade-república que viria a se tornar uma
grande potência.
Numa
ensolarada manhã de verão do ano de 978, ouviu-se nessa cidade um
brado de alarme: “O Doge desapareceu!” Ninguém sabia do
paradeiro de Pietro Urseolo. A notícia causou grande sensação,
pois havia apenas dois anos o seu antecessor fora assassinado por
conspiradores que destruíram também o Palácio Ducal.
Felizmente,
porém, desta vez não se tratava de conspiração nem de homicídio.
O nobre fugira à noite, acompanhado de Romualdo, numa longa viagem
até o mosteiro beneditino de São Miguel de Cuxa, nos Pirineus,
Catalunha, para dedicar-se à oração e à contemplação. Ali
morreria como simples monge, após dez anos de vida austera e
humilde. Desde 1731, é ele festejado pela Santa Igreja com o
glorioso título de São Pedro Urseolo.
A fundação de Camaldoli
Após cinco anos na Catalunha, Romualdo voltou à
Itália, percorrendo esse país durante trinta anos, fundando
mosteiros e eremitérios.
Desejando levar vida de isolamento completo, recebeu de
um certo Maldolus algumas terras, que depois ficaram conhecidas como
Campus Maldoli. Por volta de 1025, Romualdo e cinco companheiros
construíram ali seis casinhas e uma capela, no meio das rudes
montanhas.
Em cada casa vivia um eremita em completo silêncio e
isolamento, rezando, meditando, oferecendo sacrifícios pela
conversão dos pecadores e pela vinda do Reino de Deus. E assim
continuou ao longo dos séculos. Hoje são ao todo vinte casas
simples enfileiradas nos dois lados de uma estreita rua, cada uma
delas comportando uma exígua capela, uma biblioteca com
escrivaninha, uma cama e uma oficina para trabalhos manuais. Todas
são desprovidas de conforto, mas muito carregadas de simbolismo e de
graças!
O mosteiro
A pequena distância do eremitério, São Romualdo fez
construir um edifício destinado a servir de hospedagem, enfermaria e
intendência, a fim de que a vida contemplativa dos eremitas não
fosse perturbada por nenhuma preocupação de ordem material. Na
época do quarto Prior, essa hospedagem foi transformada em mosteiro,
com o intuito de fazer um noviciado para formar os jovens candidatos
à vida eremítica.
Hoje, Camaldoli abriga 35 religiosos: 15 no mosteiro e
20 no eremitério.
Hoje os camaldolenses têm comunidades também na
Califórnia (Estados Unidos), Banda Aceh (Indonésia) e Mogi das
Cruzes (São Paulo, Brasil).
Camaldoli foi a última fundação de São Romualdo.
Este homem de Deus, que desde a juventude não tivera outra aspiração
senão a de viver isolado em alguma montanha, num íntimo convívio
com seu Redentor, acabou levando durante meio século a vida de um
“abade-itinerante”. Quando, terminada sua carreira nesta terra,
foi receber no Céu a coroa da glória, havia ele reformado ou
fundado cerca de 100 mosteiros e eremitérios, com a regra de São
Bento, povoando-os de milhares de monges e eremitas encaminhados por
ele nas vias da perfeição.
Morreu santamente numa pequena cela do eremitério de
Val-di-Castro, no ano de 1027, sendo canonizado em 1595.
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