Dr. Plinio Correa de Oliveira analisa as razões pelas quais São José pode e deve ser cultuado
enquanto nobre, e louva a lógica, levada até o heroísmo, do Patrono da Santa
Igreja.
O texto que pretendo comentar é
tirado do capítulo VII do livro “Suma dos dons de São José”, do Padre Isidoro
de Isolano, dominicano do século XVI, um dos primeiros teólogos católicos a
atacar Lutero. É de longe o mais importante Doutor da Teologia sobre São José.
Esta ficha parece conter dados muito interessantes a respeito deste Santo e o
espírito da Contra-Revolução.
Carpinteiro e príncipe da Casa de Davi
Não
está muito conforme com os mistérios das Sagradas Letras essa nobreza de sangue
tão louvada em São José.
Aqui o autor cuida de São José
enquanto nobre de sangue. Ele era, ao mesmo tempo, trabalhador manual,
carpinteiro e, como tal, pertencente — ao menos do ponto de vista econômico — à
camada mais modesta da sociedade. Mas, de outro lado, descendia do Rei Davi e
de toda uma linhagem de reis de Israel.
A Casa de Davi decaiu e, com o
tempo, perdeu o trono e afastou-se do poder. Seus membros continuaram a morar
em Israel, mas essa Casa era cada vez menos influente, menos poderosa e menos
rica. A tal ponto que quando, afinal, da raça de Davi nasceu Aquele que, na
intenção de Deus, era a razão de ser da raça, Nosso Senhor Jesus Cristo — a
esperança e a alegria de todo o povo, e que deveria ser um filho de Davi —, a
Casa de Davi estava no auge de sua decadência.
E São José era um trabalhador
manual, um mero carpinteiro. É bem verdade que, nessas sociedades muito
rudimentares, as classes sociais e econômicas não se diferenciam de um modo
absolutamente tão nítido quanto nas sociedades mais desenvolvidas; e nem sempre
é um sinal de muita decadência econômica o fato de a pessoa ter pertencido a
uma grande família e passar a exercer um trabalho manual.
Conheço zonas do interior do
Brasil, por exemplo, em que das grandes famílias do lugar há gente que é, por exemplo,
chauffeur de praça, carregador da estação, ou algo análogo, mas que se casa com
ramos mais ricos da família e, depois, ascende novamente na escala social.
Portanto, essa situação de São
José não queria dizer necessariamente tanta prostração quanto seria a de um
descendente de reis que chegasse a ser, hoje em dia, trabalhador manual. Mas ao
menos se pode afirmar que era, na ordem econômica das coisas, o mínimo que uma
pessoa pode ser.
Então, São José pode e deve ser
cultuado enquanto operário, mas também enquanto príncipe da Casa de Davi. É por
essa razão que, falando a respeito dele, o Papa Leão XIII, um dos Pontífices
que mais inculcaram a devoção a São José, disse taxativamente que este Santo
deve ser cultuado não só como modelo do príncipe, mas também como o modelo, o
ânimo, o estímulo de todos aqueles que pertencessem a grandes linhagens
decadentes; para que essas pessoas compreendam como, pela virtude, pela
fidelidade a Deus, podem erguer-se ao mais alto grau da santidade e realizar
esplendidamente os desígnios da Providência sobre elas.
Argumentação tomista
O Padre Isidoro de Isolano está
analisando, precisamente nesse capítulo, São José enquanto aristocrata. Então,
escreve ele:
São
José foi eleito para conhecer a verdade do Verbo de Deus. São Paulo disse: “Não
há, entre vós, muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos
nobres. Antes escolheu Deus a estultice do mundo para confundir os sábios, e a
fraqueza para confundir os fortes” (1Cor 1, 27). Logo, não se deve louvar a
nobreza de São José, escolhido por Deus.
Percebe-se que o autor adota o
método de São Tomás de Aquino. Ao tratar desse tema, o Doutor Angélico
perguntaria, por exemplo: “Deve ser São José louvado também enquanto nobre?”
Então ele daria, em primeiro
lugar, as razões pelas quais parece que não deve. Citaria um, dois, três
argumentos negativos. Depois apresentaria os argumentos positivos, como quem
faz um cálculo de conta corrente: tem o débito e depois o crédito. Por fim,
tira a conclusão: Se tais são os argumentos pró e tais os contra, como
responder? Então ele refuta os argumentos da tese que ele quer refutar, faz
alguma grande citação em abono da ideia dele — sobretudo citações da Sagrada
Escritura — e depois tira a conclusão. É o método lógico perfeito.
Nota-se, então, que o Padre
Isidoro adota esse mesmo processo. Começa por dar os motivos pelos quais não se
deve louvar a nobreza de São José. E aqui está uma razão tirada de São Paulo
que, dirigindo-se aos primeiros católicos, diz: “Entre vós não há muitos que
sejam cultos, nem nobres, nem poderosos de acordo com o mundo. Mas desde que
sirvam a Deus, isso basta.” Então, daí se tira um argumento contra a nobreza, a
cultura, o poder, que são coisas sem importância e não devem ser louvadas. É o
primeiro argumento, que depois ele vai rebater. E continua:
Isso
mesmo se confirma com a autoridade da Glosa sobre essas palavras do Apóstolo:
“O Deus humilde veio a buscar os humildes e não os poderosos, entre os quais
são considerados os nobres pelos mortais.”
Esgrima da inteligência
No século XVI os nobres eram
considerados poderosos. Na reviravolta das coisas de hoje, um diretor de
sindicato é, o mais das vezes, mais poderoso do que um duque. Então, ele diz:
“Se é verdade que Nosso Senhor Jesus Cristo, ao encarnar-Se, não veio procurar
os poderosos — os nobres, portanto —, não há importância em ser nobre. Logo,
não se deve louvar São José enquanto nobre.”
E passa adiante:
A
humildade de Deus foi extrema na Encarnação. Mais humilhação era escolher um
pai putativo pobre do que um nobre. Logo, não deve elevar-se a nobreza de São
José.
A argumentação está muito bem
desenvolvida. Nosso Senhor Jesus Cristo veio para Se humilhar. Por isso
escolheu um pobre como pai putativo, isto é, a quem se atribui a paternidade,
mas que não era o verdadeiro pai. Então, não tem importância que esse pobre
seja nobre. Nosso Senhor também não olhou para isso, mas apenas para o lado da
pobreza. Portanto, ser nobre não vale nada.
Continua o autor:
A
nobreza não parece ser outra coisa senão a antiguidade das riquezas, como disse
Aristóteles. E José, pobre até o ponto de ter que exercer o ofício de
carpinteiro para ganhar o pão de cada dia, não podia gabar-se de ser nobre.
O argumento também é
interessante. Diz ele que, segundo Aristóteles, a verdadeira nobreza é ter uma
fortuna muito antiga. Quem tem uma fortuna que passou por várias gerações, esse
ficou nobre. Ora, São José não tinha nenhuma fortuna e, portanto, já não era
nobre. Logo, não era o caso de louvar a nobreza dele.
Esses argumentos parecem-me
muito bem feitos, o autor sabia objetar bem. Deve fazer parte da destreza do
nosso espírito que apreciemos esse florete da argumentação, gostemos de ver
argumentos feitos ainda que sejam contra nossas teses para, depois, dar a nossa
resposta. É como uma esgrima. Muito mais alta e mais bela do que a esgrima da
espada é a esgrima da inteligência. Aqui estão quatro estocadas bem desferidas
contra nós.
Vamos ver, agora, como o nosso
bom padre responde a essas estocadas.
Descendente de rei, de sacerdote e de profeta
Para
solucionar essa dificuldade, tenha-se em conta que a nobreza humana pode
considerar-se em sua causa, em sua essência e em sua ação.
Está muito bem lançado! Para
responder, começar por ver o que é a nobreza, para depois desencaixar daí os
argumentos contrários. E, para saber o que é a nobreza, ela deve ser
considerada em sua causa, em sua essência e em suas ações, ou seja, no que a
causou, no que ela é e no que ela causa. Está perfeito. Não falta nada!
Considerando-a em sua causa, é
a nobreza de origem, no que foi singularíssimo São José, pois tem sua origem
numa tríplice dignidade: corporal, espiritual e celeste. Ou seja, uma dignidade
real, sacerdotal e profética, que é celestial, pois predizer o futuro é só de
Deus. Davi foi rei, Abraão foi patriarca, Natã, profeta, e os três foram
antepassados de São José.
Ao analisar a causa da nobreza
de São José, o Padre Isidoro explica que ele descende de varões dignos a três
títulos diferentes: segundo o corpo, por ser descendente de rei; conforme o
espírito, por descender de estirpe sacerdotal; segundo as coisas sobrenaturais,
porque era descendente de profeta.
Ora, descender de rei, de
profeta e de sacerdote confere a mais alta nobreza que uma pessoa possa ter. É
esplendidamente bem argumentado.
Que relação há entre rei e
corpo? O rei é o chefe do Estado. O Estado cuida, entre os homens, daquilo que
diz respeito ao corpo.
O sacerdote faz para a alma o
que o Estado realiza para o corpo. Ele cuida das coisas da alma, do espírito.
O profeta é o representante de
Deus, o porta-voz da palavra do Altíssimo. Sobretudo quando se trata do
profetismo oficial, de um homem mandado por Deus e cuja missão era garantida
com milagres, e que falava oficialmente em nome do Criador, como o embaixador
fala oficialmente em nome de seu rei. Evidentemente isso é uma altíssima
situação, uma altíssima missão.
São José tinha, portanto, as
três causas mais altas de nobreza, representativas de três aspectos da vida do
homem: o aspecto material, o espiritual e a representação de Deus. É muito bem
tratado, superiormente inteligente.
Vejamos agora o que ele diz
sobre a essência.
Continua no próximo post
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