Com
profunda admiração pela obra salesiana, Dr. Plinio evoca o grande segredo da
educação que Dom Bosco dispensava a seus birichini, os meninos pobres dos
bairros de Turim: freqüência dos sacramentos e uma assídua assistência à Missa;
e para sua congregação sobreviver às investidas do laicismo, a destemida e ágil
astúcia dos santos...
No dia
31 de janeiro celebra-se a memória de São João Bosco, fundador dos Salesianos e
extraordinário apóstolo da juventude. A fim de nos unirmos a essa comemoração,
será oportuno considerarmos algumas notas a respeito de sua obra evangelizadora
e de suas idéias pedagógicas.
Influência
da “Mamma” Margarida
É indiscutível que a personalidade da mãe
de Dom Bosco influiu em sua formação. Essa mulher, viúva aos 29 anos, marcou
profundamente a alma de seus três filhos. Era pouco instruída, mas dotada de
raro bom senso. A retidão de seu julgamento, uma grande piedade e não menos
devotamento, aliados a uma firmeza viril, dela fizeram a educadora exemplar.
O trabalho era obrigação constante em sua
casa. Margarida sujeitava seus filhos a todas as atividades domésticas e dos
campos. Desde a aurora, no verão, e ainda antes, no inverno, as crianças
iniciavam o dia pela oração. “A vida é muito curta, dizia a mãe, para dela
perdermos a melhor parte”. A fadiga não era considerada, as refeições
permaneceram sempre de uma extrema frugalidade. À noite dormia-se no chão.
Quando mais tarde João for para o seminário, levará o cobertor prescrito. Mas
nas férias a mãe o fará guardar cuidadosamente, considerando essa doçura inútil
e prejudicial.
Convém
frisar que a família de São João Bosco vivia numa fria região do norte da
Itália, e essa mãe exemplar não hesitava em acostumar suas crianças aos rigores
do clima adverso.
Preparava, assim, seus filhos, para a vida,
de acordo com o que afirmava: “Somos soldados de Cristo sempre em armas, sempre
em presença do inimigo, e é preciso vencer”.
Temos
aqui a descrição da mulher forte do Evangelho — que levanta cedo para iniciar
seus afazeres domésticos, cumprindo-os com exatidão — cujo preço é tão valioso
que se faz necessário ir até os confins do universo para encontrar algo
comparável a ela.
Mentalidade oposta à de certo
ideal contemporâneo
Vemos,
por outro lado, uma mentalidade profundamente diferente daquela que propugnam
certos espíritos contemporâneos, para os quais a pessoa que padece fome e frio
não é capaz de cultivar a vida espiritual. Segundo tal concepção, importa
primeiro dar comida, cama e boa coberta, para só depois se falar em
espiritualidade. Portanto, o começo da atividade apostólica é necessariamente
uma ação de caráter material; portanto, para converter o mundo moderno importa,
antes de tudo, eliminar o subdesenvolvimento. E por causa disso, em última
análise, a luta contra o subdesenvolvimento deve ser uma finalidade específica
da Igreja...
Ora, o
exemplo da Mamma Margherita nos mostra o contrário. Ela e sua família residem
numa casa tão pobre que as pessoas não têm cama: dormem no chão, sem cobertores
suficientes, nem mesmo para os piores dias de inverno. Como vimos, Dom Bosco
levou uma coberta para o seminário, pois o regulamento o exigia. Mas, quando
retornava para passar as férias em casa, sua mãe o mandava guardar,
considerando uma “doçura” supérflua.
Refeições
frugais, trabalhos constantes. Propriamente uma vida pobre, porém santificada
pelo espírito de renúncia e de sacrifício, pelas práticas de piedade e pela
oração, considerada a “melhor parte” daquela sua penosa existência. Foi nesse
árduo quotidiano, ungido pela virtude, que se formou um homem de físico forte e
resistente para toda espécie de labuta, como foi Dom Bosco.
Esse
aspecto da formação do Santo nos faz compreender como é quase um embuste pensar
que as condições cômodas da vida são indispensáveis para o êxito do apostolado.
Não são. E dir-seia mais: uma certa austeridade, sim, é necessária para educar
as almas na virtude e na piedade. E essa formação deveria ser dada a toda
juventude, de todas as classes e condições sociais.
Aliás,
conservou-se por longo tempo na Europa, especialmente nas famílias de alta
graduação, essa forma de educar os filhos numa vida rude. Lembro-me, por
exemplo, de ter lido a biografia de um nobre francês que morava em Londres, num
castelo junto ao rio Tamisa. Ora, o despertar matutino desse príncipe e de seus
irmãos não era outro senão este: acordavam e se jogavam pela janela do quarto
nas águas frias do rio que corria embaixo...
Somos
levados a crer que, se a civilização hodierna não tivesse abandonado essa
formativa austeridade, muita decadência teria sido evitada, e talvez o mundo
conhecesse muitos outros santos como Dom Bosco.
Ação intelectual, mais valiosa
que a assistencial
Prossegue
a nota biográfica:
Apesar de muito trabalho, o estabelecimento
das duas congregações religiosas, a ereção de igrejas, a fundação de numerosos
patronatos e a preparação de missões longínquas, Dom Bosco consagrava boa parte
de seus dias e de suas noites a escrever. Com a pena, tanto quanto com a
palavra, ele sabia servir a Igreja, combater o erro e reconfortar as almas.
Homem de seu tempo, observou a importância desse novo gigante moderno, a
imprensa. Sua pena agiu durante quarenta e cinco anos, produzindo obras de
acordo com as necessidades de sua época.
O Protestantismo lançava rudes assaltos à
Igreja no norte da Itália. À propaganda protestante pela brochura, D. Bosco
opôs as “Leituras Católicas”. Em 1883 respondeu ao “Amigo do Lar”, que os
protestantes distribuíam a granel, com o primeiro almanaque da Europa.
Aparece-nos
aqui o senso da atualidade no espírito de Dom Bosco. Não era um santo que vivia
nas nuvens, pois nestas não vivem os santos. Na realidade, Dom Bosco era um
homem ciente dos problemas de seu tempo, conhecia os adversários da Igreja na
sua época e os combatia, tanto através dos seus escritos quanto por suas
realizações apostólicas. E nisso ele nos deu outro exemplo.
Com
efeito, fala-se muito da necessidade de se promover obras católicas e pouco a
respeito de se escrever livros católicos. Por quê? Porque se dá mais
importância ao econômico do que ao espiritual. Ora, o livro se dirige ao
espiritual, enquanto a obra se destina ao econômico.
Não
houve homem mais compenetrado da necessidade de obras católicas do que Dom
Bosco. Entretanto, quando se examina melhor sua atuação, percebe-se ter sido
mais escritor do que um empreendedor de obras. É a prova de que no pensamento
desse imenso paladino da Igreja, a formação moral valia mais do que a
assistencial.
Admirável continuidade de uma
ordem religiosa
São João Bosco enfrentou incríveis
dificuldades para levar a cabo seus intentos. O ano de 1876 foi um dos mais
dolorosos para ele. Os ministros piemonteses, já em guerra contra o Papa,
procuravam pegar em falta o santo fundador, a quem acusavam de manter uma
correspondência secreta com Pio IX e os bispos. Multiplicavam as buscas em sua
casa e queriam a qualquer preço encontrar sinais de uma conspiração.
Um dia, Dom Bosco procurou o Conde de
Cavour, então primeiro-ministro, que várias vezes lhe testemunhara simpatia, e
declarou-lhe sua intenção de descarregar em suas mãos o cuidado de todos os
órfãos de sua instituição. Essa solução inesperada fez o ministro, se não
terminar as perseguições, pelo menos fazê-las mais encobertas.
Ou
seja, passaram a incomodar tanto a Dom Bosco que este procurou o ministro e lhe
disse: “Vou soltar os meninos todos na rua. É o que você quer?”
O
ministro recuou.
Esse
fato me traz à lembrança outro episódio, bem mais recente, ocorrido numa
instituição salesiana em São Paulo, e que nos mostra a admirável continuidade
existente nas ordens religiosas. Deu-se num período de nossa história em que se
estabeleciam leis a granel, muitas das quais nem sequer passavam pela aprovação
parlamentar. Por essa época, certo dia se apresentou no Liceu Coração de Jesus
— o colégio salesiano que funciona ao lado da igreja de mesmo nome — um desses
inspetores pedantes, enviado para examinar possíveis irregularidades. Durante a
inspeção, encontrou no canto da grande cozinha uma calça que o cozinheiro havia
lavado e ali deixara para secar. Ele chamou o padre responsável pelo
estabelecimento e disse:
— Bem,
lavar roupa em cozinha configura uma infração ao parágrafo tanto do artigo
tanto da lei tal. De acordo com o regulamento, o colégio que o infringe deve
ser fechado. Portanto, decretarei o fechamento do Liceu Coração de Jesus.
O padre
respondeu:
— Ah, o
senhor quer fechar? Pois não. Dê-nos um documento por escrito, e eu
imediatamente solto todas as crianças na rua. Depois o senhor explica à cidade
de São Paulo que essas crianças estão na imoralidade, morrendo debaixo de
ônibus e automóveis, passando fome e vergonha, simplesmente porque havia um par
de calças secando no canto de uma cozinha. É isto que o senhor quer?
O
inspetor que, não é juízo temerário supor, esperava um generoso “argumento”
para não fechar o colégio, ficou desarmado e sem graça. Desconversou, fez
algumas observações de estilo e logo se despedia...
O segredo da disciplina de São
João Bosco
Continua
a biografia:
O fato seguinte é relatado como um dos mais
característicos dos resultados dos métodos do grande santo.
Um ministro da rainha da Inglaterra,
visitando o Oratório de São Francisco de Sales, em Turim, foi introduzido numa
grande sala onde estudavam quinhentos jovens.
Ele não pôde deixar de se admirar dessa
multidão de escolares observando um rigoroso silêncio, embora ninguém os
vigiasse. Sua admiração foi ainda maior quando soube que durante o ano inteiro
não se havia a lamentar uma única palavra de dissipação, nem mesmo uma única
ocasião de punir ou de ameaçar punição.
— Como é possível obter um tal silêncio,
uma disciplina assim perfeita? — indagou ele. E voltando-se para seu
secretário, ordenou que anotasse a resposta dada.
— Senhor — respondeu o superior do
estabelecimento —, os meios que usamos não podem ser empregados em vosso país.
— Por quê? — pergunta o ministro.
— Porque são segredos revelados somente aos
católicos.
Esplêndida
resposta.
— E quais são esses segredos?
— A confissão e a comunhão freqüentes.
Missa todos os dias e bem assistida.
— Tendes razão — disse o ministro.
Faltam-nos tais meios de educação. Mas não há outros?
— Se não nos servimos desses elementos que
a religião nos fornece, é preciso recorrer à ameaça e ao castigo.
Calou-se o ministro inglês, embora
garantindo que iria repetir o que aprendera.
Devemos
imaginar a cena, passada numa época em que a Inglaterra se encontrava no auge
de sua irradiação política e cultural, e quando os ministros ingleses eram
sempre gentlemen pertencentes à aristocracia britânica, trajados com o requinte
da moda vigente, pois a opinião pública exigia dos ministros da coroa que
fossem verdadeiros modelos de imponência, distinção e elegância.
Acontece,
porém, que muitos ingleses ainda nutriam certo preconceito contra o mundo
latino, julgando-o inferior e distante da perfeita limpeza, puritana e
protestante, do reino britânico.
E esse
ministro inglês visita o oratório de São João Bosco na Itália daquele tempo,
encontrando ali meninos que seriam ótimas pessoas, mas talvez menos asseados do
que o lorde gostaria. Imaginemos esse aristocrata que se apresenta com ar
enfatuado, amabilidade superficial, ruminando prevenções contra o clero
católico e é recebido por um padre de Dom Bosco. Sacerdote naturalmente digno,
composto, nem um pouco intimidado, porque um homem de verdadeira vida interior
não se intimida com valores materiais: libra esterlina, limpeza, bonita
gravata, tais coisas não impressionam o varão de autêntica virtude. Além disso,
sutil como costuma ser um italiano.
Aparece
o ministro com pouco caso e, de repente, o religioso salesiano lhe arma uma
“cilada”, na qual o dignitário britânico cai por inteiro, com todos os seus
requintes e suas elegâncias. Calou-se e garantiu que levaria o ensinamento para
seu país...
Era
mais um triunfo do grande São João Bosco. Que este interceda por nós, junto ao
trono de Maria Auxiliadora, da qual foi um modelar devoto.
Plinio Correa de Oliveira - Extraído
de conferência em 30/1/1967
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