Uma notícia
alvissareira logo correu por toda a vila : “O Irmão
André está no bairro , visitando uma mulher enferma !”.
As portas das casas se abriram com rapidez , crianças correram-lhe ao encontro ,
famílias inteiras surgiram na entrada
das residências, doentes foram trazidos às
presas. Uma pequena multidão agrupou-se em torno daquele
homem miúdo ,
de cabelos brancos
e olhos acesos ,
que se movia lentamente ,
com um
sorriso acolhedor .
Parando para apertar com
firmeza a mão de um rapaz, disse-lhe: “Não
te preocupes, as coisas
vão se endireitar ”.
Mais adiante ,
fitou um ancião
e perguntou-lhe: “Tens fé de que São José
pode te curar ?”. E com voz transbordante de
afeto acrescentou: “Coragem ! Tem confiança em São José!”.
Por fim, antes de partir, deu a
todos uma última recomendação: “Continuem a rezar !”.
Já no carro ,
o motorista comentou:
— Parece uma cena da vida de
Jesus: o povo correndo diante do senhor e implorando favores
e curas !
— Talvez ...
mas aqui
Deus certamente
está usando um instrumento
bastante miserável
— respondeu o santo com
simplicidade .
Alfredo — era
este seu
nome de Batismo
— nasceu numa família pobre e numerosa ,
em 9 de agosto
de 1845, na aldeia de Saint-Grégoire d’Iberville,
próxima de Montreal. De saúde débil , a dor o acompanhou desde
pequeno .
Antes, porém ,
teve de percorrer um longo e sinuoso
caminho . Tentou exercer
várias profissões , sem
êxito , devido
à sua fraca
saúde . Aos vinte anos ,
partiu para os Estados
Unidos, buscando trabalho nas fábricas têxteis de Connecticut, mas
voltou algum tempo depois , quando ficou evidente
que não
tinha forças
para esses
serviços .
Foi o pároco
da sua aldeia natal quem, percebendo a virtude , retidão
e constância desse jovem ,
identificou nele uma autêntica vocação religiosa
e o encaminhou ao colégio que a Congregação
da Santa Cruz — fundada, havia pouco, na
França pelo Beato Basile Moreau — já possuía em
Montreal. “Estou lhes enviando um santo ”,
declarou o pároco , na carta em que recomendava aquele
candidato simples
e analfabeto .
O melhor
“cartão de visitas” da Congregação
Alfredo não defraudou aquelas expectativas.
Logo aprendeu a ler e, com seu comportamento
exemplar, ajudou a elevar o padrão do noviciado . A meditação
sobre os sofrimentos de Cristo sempre
fora uma das colunas da sua espiritualidade. “Se nos
lembrássemos que o pecado
crucifica novamente Nosso
Senhor , nossas orações
seriam mais adequadas”1, afirmava. Entretanto, procurava manter sem
cessar seus companheiros animados, repetindo-lhes:
“Tentem não ficar
tristes ! Faz bem
sorrir um
pouco ...”.
Ao se aproximar o fim do noviciado ,
Alfredo Bessette receava ser-lhe negada a autorização para
proferir os votos
religiosos , por
causa de sua
saúde débil .
Mas após pedir a intercessão do Bispo, Dom Ignace Bourget, acabou por fazê-los em 22 de agosto
de 1872, trocando o nome de batismo pelo de Irmão
André.
O superior
o incumbiu da portaria do colégio e ele ali desempenhou
com toda perfeição sua tarefa : mantinha o ambiente
em ordem
exímia , servia de carteiro
e executava vários outros
serviços . Falando inglês e francês, revelou
especial talento
para receber
as pessoas e fazê-las sentir-se à vontade. A cabou por
tornar-se o melhor “cartão
de visitas ” da Congregação .
No fim da vida, costumava dizer espirituosamente :
“Quando ingressei nesta comunidade , os superiores
me mostraram a porta e lá fiquei durante quarenta anos”.2
Curas numerosas e bem
documentadas
Noutra ocasião ,
chegou à portaria o pai
de um aluno, com
fisionomia preocupada, e o bom irmão lhe perguntou qual
era seu
problema . O pobre
homem explicou que
sua esposa
ficara paralítica . “Talvez
ela não
esteja tão doente
como parece”, disse-lhe o santo . Naquele momento ,
do outro lado
da cidade , a mulher
levantou-se e começou a caminhar regularmente.
Irmão André aproveitava essas
curas, sempre realizadas de forma discreta, com aparência de normalidade, para fazer um
apostolado contínuo: recomendava a oração
perseverante, sugeria novenas ,
“receitava” a aplicação do óleo de uma lamparina
que ardia ante
a imagem de São
José, ou aconselhava a levar consigo
uma medalhinha deste, pois, dizia, “tudo isso são
atos de amor
e fé , de confiança
e humildade ”.
Fazia também questão de esclarecer a verdadeira causa das curas a ele atribuídas, afirmando ser o bom Deus quem faz os milagres
e São José quem os obtém. “Eu sou apenas o cachorrinho de São
José”, dizia com humildade.3
— Creio que a senhora poderia
andar por conta própria. Por que não experimenta ir sozinha até à capela?
Ela assim o fez, e regressou
para casa andando sem dificuldade e chorando de gratidão.
Quando a afluência de doentes
começou a perturbar a rotina do colégio, Irmão André transferiu suas atividades
apostólicas para uma estação de ônibus, situada nas proximidades. Ao saber
disso, o Arcebispo perguntou aos superiores que faria ele se o obrigassem a
parar de fazer milagres. Ao saber que ele obedeceria cegamente, replicou:
“Então, deixem-no. Se esta obra é de Deus, florescerá; se não, vai desmoronar”.4
As curas de almas e corpos
continuaram às torrentes. Mais de quatro
mil páginas
documentando-as foram recolhidas durante o processo
de beatificação.
Um dos casos mais
impressionantes é o de um jovem, vítima de terrível acidente industrial. Com o
rosto queimado, em risco de ficar cego, correu à procura do Irmão André, mas
este estava atendendo um infeliz canceroso, e havia muitos outros à espera. Sem
sequer tê-lo visto chegar, o religioso apareceu e perguntou-lhe:
— Quem disse que perderás as
vistas? Tens confiança na intercessão de São José?
Diante da resposta afirmativa,
recomendou-lhe:
— Vai para a igreja, assiste à
Missa e comunga em honra de São José. Continua com os teus remédios, mas
adiciona a eles uma gota do óleo da lamparina
do glorioso Patriarca, rezando esta jaculatória: “São José, rogai por nós!”.
Tem confiança, tudo correrá bem!
O acidentado fez tudo com
exatidão e, no dia seguinte, o tecido cauterizado de seu rosto caiu como
“folhas de papel celofane”. Inteiramente restabelecido, voltou em sinal de reconhecimento.
— Agradece a São José e não
cesses de rezar! — limitou-se a dizer o santo taumaturgo.
A dona de uma lanchonete
próxima, que alguns dias antes havia visto o moço com o rosto desfigurado, não
podia acreditar se tratar agora do mesmo homem. E começou a apregoar para todos
o impressionante milagre de que era testemunha.
Uma igreja para São José
Um santo anseio abrasava,
porém, a alma do humilde porteiro. Ansiava ele construir próximo ao colégio, no
Mont-Royal, uma igreja em honra de seu protetor. Mas o objetivo era muito
ousado...
Certo dia, um religioso da sua
comunidade contou-lhe que a imagem de São José da sua cela parecia girar
sozinha, em direção a esse monte. Exultante, Irmão André reconheceu nesse fato
o esperado sinal da Providência para dar início à realização de seu anelo, e juncou
de medalhinhas o lugar almejado.
Em 1896, a Congregação da Santa
Cruz adquiriu aquele terreno, com a finalidade de evitar uma má vizinhança para
o colégio. Irmão André obteve autorização para colocar uma imagem de São José na
gruta ali existente e as peregrinações não tardaram a começar. Milhares e
milhares de pessoas a visitavam.
Após economizar duzentos
dólares, a partir dos cortes de cabelo dos alunos do colégio, a cinco centavos
cada um, foi possível levantar uma pequena capela. Começou-se também a obter esmolas
no “pratinho de ofertas” posto aos pés do Santo, e até nos Estados Unidos eram
obtidas doações.
Em 1904, foi erigido um pequeno
Oratório de São José, constituído de uma capela um pouco maior e um escritório,
no qual passou a residir o Irmão André. Treze anos depois, o edifício foi
ampliado, de modo a comportar mil pessoas sentadas, mas este também logo se
tornou pequeno para a grande afluência de fiéis.
A construção da basílica atual —
a maior igreja do Canadá — começou em 1924. Oito anos depois foi preciso
detê-la por falta de meios, em consequência da grande crise econômica pela qual
atravessava o país. Sem se afligir, Irmão André colocou uma imagem de São José
no interior do prédio inacabado, dizendo:
— Se ele deseja um teto sobre
sua cabeça, o teto virá.
Dois meses depois,
reiniciavam-se as obras...
Cabe notar que, embora considerasse
um dever levar adiante essa construção, Irmão André dedicava-lhe apenas o tempo
permitido pela obediência, sem deixar de cumprir suas funções.
Ministério de amorosa oblação
O dia-a-dia daquele humilde
porteiro estava todo tomado por um ministério de amorosa oblação. Começava a
jornada acolitando duas Missas, e às oito horas da manhã abria a porta aos
visitantes. No pequeno escritório, que também lhe servia de cela, recebia cotidianamente
entre 200 e 400 pessoas, podendo chegar a 700.
Os que iam ao encontro do Irmão
André procurando sensacionalismo saíam decepcionados. Seus conselhos eram
simples e sensatos, visando a cura das almas mais que o alívio dos males
corporais. Algumas vezes limitava-se a ajudar as pessoas a aceitarem a vontade divina.
“Deus terá uma eternidade para te consolar de teus sofrimentos aqui”,5 lhes dizia.
Encorajava também a Confissão
frequente e a Comunhão diária, garantindo que Jesus nada recusa a quem O hospeda
em seu coração. E comentava: “Coisa curiosa: recebo numerosos pedidos de cura,
mas raramente alguém pede a virtude da humildade ou o espírito de fé”.6
Para com as pessoas afastadas
da prática religiosa por fraqueza ou ignorância, demonstrava ilimitada
compaixão. Contava-lhes de modo comovedor a parábola do Filho Pródigo e
concluía: “Comme le bon Dieu est bon
— Como o bom Deus é bom!”. Mas cortava pela raiz as atitudes de revolta e má
fé: “Será que Deus te deve alguma coisa? Se pensas assim, podes fazer teus
próprios arranjos com Ele”.7
O preço com o qual ele comprava
o alívio e a conversão dessas almas era bem alto. No fim da jornada, mesmo
consumido pela indisposição e cansaço, ainda fazia uma vagarosa Via Sacra na
capela e, em seguida, ajoelhado durante horas rezava com os braços estendidos
em forma de cruz. Sua cama ficava muitas vezes intacta durante a noite toda. E
quando um irmão de hábito lhe implorou que dormisse, oferecendo seu sono como
uma oração, ele respondeu gravemente: “Se soubesses o estado daqueles que pedem
minhas orações, não me darias tal sugestão”.8
Primeiros frutos póstumos
Os fiéis amavam aquele bom
ancião de cabelos brancos e pediam-lhe para que não os deixasse. Mas, completados
os 92 anos, a morte se aproximava e ele os consolava amavelmente, afirmando que
se alguém pode fazer o bem na Terra, mais ainda poderá fazê-lo do Céu.
No dia 6 de janeiro de 1937, a
triste notícia era dada com destaque pelos mais importantes jornais de Montreal:
“Morreu Irmão André”. Enfrentando a neve e o gelo, uma verdadeira multidão
começou a se deslocar em direção a Mont-Royal para despedir-se de seu
taumaturgo. Chegavam de avião, de trem, de todos os meios de transporte. O
Oratório de São José transbordava de uma multidão tomada de devoção e piedade,
enquanto penitentes enchiam os confessionários. Calcula-se que um milhão foram
as pessoas que subiram o serpenteante caminho do santuário, para se despedir
daquele cuja única ambição fora servir a Deus na completa despretensão da vida
religiosa.
Eram os primeiros frutos
póstumos desse simples irmão leigo que, no dia
17 deste mês, tornar-se-á o primeiro santo de sua Congregação , bem
como o primeiro
varão nascido no Canadá a ser elevado às honra s dos altares .
* * *
Irmão André não chegou a ver finalizado
o grande Santuário, que foi concluído apenas em fins da década de 60, como
também não viu a realização de mais um de seus desejos: colocar uma grande Via
Sacra nos aforas da igreja, para fomentar a devoção à Paixão do Redentor.
Mas é impossível não sentir sua
presença em cada uma das dependências desse impressionante templo, que atrai
anualmente três milhões de peregrinos, dando testemunho do poder de intercessão
do Patrono da Igreja Universal. Logo ao chegar, uma grande imagem de São José,
esculpida em pedra, recebe os visitantes na escadaria central. Em sua base, uma
inscrição de três palavras dá as boas-vindas, evocando a sabedoria simples e
piedosa daquele irmãozinho que jaz na cripta: “Ite ad Joseph —
Ide a José”.
1 FERGUSON, John. The Place of Suffering.
London: James Clarke and Co., 1972, p.115.
2 BALL, Ann. Faces
of Holiness. Huntington (IN): Our Sunday Visitor, 2001, p.54.
3 KYDD, Ronald. Healing Through the Centuries. Peabody
(MA): Hendrickson, 1998, p.85.
4 BALL, op. cit., p.57.
5 TREECE, Patricia. Nothing
Short of a Miracle. New York: Doubleday, 1988, p.74.
6 O’MALLEY, Vincent. Saints of North America. Huntington
(IN): Our Sunday Visitor, 2004, p.26.
7 KNOWLES, Leo. Modern
Heroes of the Church. Huntington (IN): Our Sunday Visitor, 2003, p.82.
8 TREECE, op. cit., p.75.
Revista Arautos do Evangelho - out 2010
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