Na áspera e fria gruta de
Subiaco, no meio de escarpados rochedos, começou a história da Europa moderna.
Como seria a vida de um
estudante, em Roma, quando São Bento ali morava, há mil e quinhentos anos?
Certamente bastante mais árdua
do que hoje. Não havia computador, nem Internet, nem calculadora. O papel ainda
nem tinha sido inventado. Os livros eram escritos em rolos de pergaminho, à
mão, e copiados por escravos. Para fazer anotações, os romanos utilizavam
pequenas tábuas cobertas por uma camada de cera. Escreviam sobre elas com um
estilete de ferro (“stylus” que originou a palavra “estilo” em português).
Quando enchiam a “folha” e necessitavam reutilizá-la, faziam “tabula rasa”, ou
seja, raspavam a cera e escreviam de novo. Não devia ser fácil fazer anotações
nas aulas, com esse sistema. E mais complicado ainda guardá-las. Quase tudo
ficava por conta da memória do aluno, que tinha de ser excelente.
Quanto ao mais, a vida de um
estudante não devia ser muito diferente da de hoje. A escola era a iniciação
para a vida. Como sempre, havia bons e maus companheiros. Pois já naqueles
remotos tempos, a vida dos estudantes estava bem longe de ser um paraíso de
inocência.
A degradação de costumes dos
colegas de São Bento, aos 14 ou 15 anos de idade, causava-lhe horror, e ele
começou a pensar em sair de Roma, a fim de salvar sua alma.
Um dia, estando ele diante de
um afresco até hoje existente na igreja de San Benedetto in Piscinula (que era
então a casa de um patrício — como eram chamados os nobres romanos — local onde
o jovem Bento morava), fez o propósito de se entregar a Deus.
Decidiu fugir. Mas, para onde
ir?
Seguiu ele o conselho de Nosso
Senhor, não se preocupando com o dia de amanhã, e partiu sem rumo definido.
Confiou-se à Providência Divina, que foi conduzindo seus passos até um lugar
afastado, longe do convívio humano: Sublac (hoje, Subiaco). Ali, na encosta de
uma escarpada montanha, encontrou uma caverna de difícil acesso onde fez sua
morada. Era ao mesmo tempo cela (quer dizer, “quarto”) e lugar de oração.
Entretanto, como subsistir
sozinho, num lugar tão isolado, sem qualquer auxílio humano? São Bento não
sabia. Confiava em Deus: “Não vos
aflijais, nem digais: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos? São
os pagãos que se preocupam com tudo isso. Ora, vosso Pai celeste sabe que
necessitais de tudo isso. Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua
justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo” (Mt 6, 31-32).
Providencialmente, um monge das
redondezas, chamado Romano, encontrou São Bento naquele local e prometeu
ajudá-lo. E generosamente passou a dividir seu alimento diário com o novo
eremita. Romano subia ao alto da montanha, colocava o pão em um cesto amarrado
a uma corda e o descia até a morada do jovem contemplativo. Bento viveu
assim, durante três anos, num isolamento completo.
Foi essa gruta áspera, fria e
escura o primeiro mosteiro em que São Bento viveu, no meio dos imensos e
escarpados rochedos que o leitor pode contemplar nas fotos destas páginas. O
panorama é grandioso e belo. E sem dúvida, na contemplação dessa maravilha
saída das mãos de Deus, São Bento elevou sua alma às mais altas considerações
espirituais.
Ao sair de Roma, São Bento
talvez nem tivesse pensado em fundar uma Ordem religiosa. Queria, sim, salvar
sua alma. Mas Deus, desde toda a eternidade, já havia considerado com
predileção aquele seu filho e o escolheria para ser o pai de uma família espiritual que
formaria a Europa cristã, saída das cinzas do Império Romano.
Podemos imaginar com que
solicitude a Providência moldou aqueles rochedos, quando criou o mundo, para que
séculos mais tarde, seu filho Bento tivesse um lugar onde se recolher, dando
início à sua grande obra. A providencialidade de Deus foi a ponto de fazer com
que o monge Romano encontrasse aquele jovem e cuidasse de seu sustento diário.
Por vezes, na nossa vida, pode
acontecer de sermos tentados a duvidar da Divina Providência: será que Deus, lá
no alto dos céus, vai se preocupar comigo, com o meu sustento de cada dia? A
realidade é que Deus olha por seus filhos e filhas, como se cada um fosse único
e não houvesse mais ninguém no universo, a não ser aquele ou aquela: “Olhai como crescem os lírios do campo! —
dizia Nosso Senhor aos Apóstolos — Não
trabalham nem fiam. Pois Eu vos digo: nem Salomão, em toda a sua magnificência,
se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que
hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, como não fará muito mais por vós,
homens de pouca fé?” (Mt 6, 28-30).
É essa providencialidade de
Deus que, pelos séculos afora, proclamam os benditos rochedos de Subiaco, o
primeiro mosteiro beneditino, onde São Bento fez seu noviciado.
José Antônio Dominguez Revista Arautos do Evangelho n.43. jul 2005
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