Coragem e serenidade
diante da morte
Pela palavra e pelo
exemplo, esse heroico missionário combateu tenazmente os erros espalhados pela
primeira Revolução. Tais foram seus êxitos que os inimigos da Igreja,
consumidos pelo ódio, o martirizaram.
Em 24 de abril
comemora-se a festa de São Fidelis de Sigmaringa, sobre o qual me enviaram uma
ficha com alguns dados biográficos.
Viveu de 1577 a 1622.
Ingressou nos capuchinhos aos 35 anos de idade.
A seguir foi nomeado
tutor de três jovens príncipes, com quem viajou por toda a Europa durante seis
anos, e, depois de ter exercido a profissão de advogado, resolveu abandonar o
mundo.
No testamento que
fez, a certa altura, diz o seguinte: “Quero viver, daqui para o futuro, na
maior pobreza, castidade e obediência, no sofrimento e nas perseguições, numa
penitência austera e humildade profunda. Saí nu do seio de minha mãe e
despojo-me de tudo para entregar-me aos braços do Salvador.”
O Padre Fidelis
possuía grandes dotes oratórios, pregou em numerosas cidades alemãs e suíças, e
em muitas igrejas do campo.
Como o protestantismo
estava a se espalhar pela Suíça, especialmente nos Grisões1, a Santa Sé
encarregou os capuchinhos de combatê-lo. O Padre Fidelis foi nomeado chefe
dessa missão.
“Dentro em breve não
me tornareis a ver — disse ele aos seus amigos —, pois fui chamado a dar o
sangue pela Fé.” Ao escrever uma carta a seu superior, encerrou-a assim: “Seu
amigo Fidelis, que em breve será pasto dos vermes.” Em janeiro de 1622, entrou
na região ocupada pela Áustria e começou a pregar a Fé, com grande êxito.
Furiosos, os
protestantes prepararam uma revolta, e o missionário avisou os austríacos. Os
Grisões levantaram-se, então, em massa.
No dia de 24 de
abril, estando o Padre Fidelis a pregar, ouviu-se o grito: “Às armas!” Os
Grisões saíram ao encontro das tropas imperiais, que tinham forçado seus postos
avançados, convencidos de que o Padre Fidelis fora quem chamara os austríacos.
Ainda o deixaram sair da cidade, mas, como daí a pouco regressasse, vinte
soldados caíram sobre ele. Trataram-no de sedutor e quiseram forçá-lo a abraçar
a sua seita.
“Que me propondes? —
respondeu Fidelis. Vim até vós para refutar vossos erros e não para abraçá-los.
A Doutrina Católica é a Fé de todos os séculos. Não renunciarei! Ademais, sabei
que não temo a morte.”
Eles, então,
mataram-no a golpes de sabre.
Varão sobrenatural, enérgico e batalhador
É interessante
notarmos bem qual foi a atuação deste Padre, deste grande pregador, para que
depois o comentário hagiográfico possa se fazer adequadamente.
Ele era um
missionário famoso, um grande orador que pregava em vários lugares. A Santa Sé,
desejando impedir a expansão do protestantismo na região da Suíça, denominada
Grisões, incumbiu a Ordem religiosa da qual ele fazia parte, que era a dos
capuchinhos, de mandar pregadores para aquela zona bons oradores, a fim de
converterem os que se tinham pervertido para o protestantismo, e para impedir
que novos católicos fossem objeto do proselitismo protestante.
Então nosso Santo, que
já transformara inteiramente uma cidade importante da Alemanha por seus
sermões, dirigiu-se à Suíça, sabendo que iria morrer, pois teve uma revelação
de que lá seria martirizado.
Mas, homem
sobrenatural, enérgico e batalhador, ele não recuou diante dessa ameaça. Pelo
contrário, enfrentou a martírio com uma espécie de prazer em considerar a
hipótese de sua morte próxima. Ele até assinava: “Frei Fidelis, que em breve
será pasto dos vermes.” Quer dizer, sabendo que seria mártir e a sua alma iria
para o Céu, isto lhe dava então uma grande alegria.
A essa demonstração de
tenacidade, ele juntou outra prova de força, de valor, que foi o fato de ter
irritado sobremaneira os protestantes. Ninguém se torna irritante para o
adversário sem ter conquistado êxitos contra ele. Portanto, ele alcançou resultados
importantes como, aliás, se refere na nossa ficha. A tal ponto, que os
protestantes resolveram assassiná-lo, e prepararam um encontro em que ele,
afinal de contas, acabou morto.
Foi, portanto, um orador
audacioso, valoroso, forte; um missionário vigoroso que não recuou diante do
holocausto do martírio; um homem que nos dá um admirável exemplo de fortaleza,
porque esta virtude atinge um alto grau em cada mártir que leva a abnegação e o
desejo de lutar até o ponto de imolar efetivamente a sua existência.
Devemos nos precaver contra o sentimentalismo religioso do século
XIX
Por outro lado,
considerem esta fórmula que São Fidelis empregou:
“Quero viver, para o
futuro, na maior pobreza, na castidade e obediência, no sofrimento e nas
perseguições, numa penitência austera e humildade profunda. Saí nu do seio de
minha mãe e despojo-me de tudo para entregar-me aos braços de Nosso Salvador.”
Isso poderia ser
pronunciado, segundo um estilo sentimental de piedade difundido principalmente
no século XIX, entre suspiros e com tanta moleza que seríamos levados a não
tomar a sério essas palavras.
Compreendemos, assim,
o equívoco tremendo que a piedade eivada de sentimentalismo do século XIX criou
em torno de fórmulas como essa, e o quanto é necessário que não nos deixemos
vencer por esse engano. Porque, embora o estado de espírito que eu apontei seja
muito ruim, a fórmula é muito boa, em si mesma considerada. É uma fórmula empregada
por um santo e, portanto, não pode deixar de ser boa, porque tudo quanto um
santo faz é bom.
De maneira que, sendo
essa fórmula susceptível de ser pronunciada e considerada de outro modo, não
devemos permitir que o besuntado sentimentalismo religioso do século XIX nos
torça a visão do que ela tem de bom, e de sua coerência com algumas das
virtudes que nós fomos mais chamados a praticar: a fortaleza de ânimo, a
resolução e a combatividade.
É um engano pensar
que quem pronuncia essa fórmula é incompatível com essas virtudes que nós tanto
apreciamos. Não pode ser, porque entre virtudes não há incompatibilidade. Ora,
isto tem que ser virtude, porque foi pronunciado por um santo. Logo, não pode
haver incompatibilidade.
Por isso, o valor
dessa fórmula é muito grande. É evidente que um homem dotado da verdadeira
virtude da sabedoria, que compreenda como todas as coisas deste mundo são nada
— na medida em que obstem a aquisição da virtude e o amor de Deus —, deseje
retirar-se desta Terra.
Fidelidade à vocação religiosa
Quando Nossa Senhora
deseja que alguém abrace uma vocação, em geral Ela torna difícil a vida para
essa pessoa fora da vocação. Portanto, um santo, nessas condições, é levado
pelas circunstâncias à seguinte alternativa: ou se perde, ou adota o estado de
vida para o qual foi chamado.
Ademais,
independentemente do perigo de se perder, ele tem um atrativo da graça para
estar meditando as coisas da sabedoria, para unir-se a Deus por essa forma,
naquele estado de vida e, por amor do Altíssimo, ele adota aquela fórmula.
Então se faz, como São Fidelis, um capuchinho, por exemplo.
O que quer dizer
fazer-se capuchinho?
É adotar a pobreza
completa, renunciando a toda forma de apego às coisas materiais,
despreocupando-se com os bens deste mundo, não só não querendo tê-los para si,
mas não se entusiasmando com as pessoas pelo fato de os possuírem. Não admira
ninguém porque tem um bonito automóvel, um bom apartamento ou uma fábrica importante.
Absolutamente não! Mas, dá valor aos homens e às coisas, na medida em que se
aproximam da sabedoria.
Uma pessoa assim
possui um estado de espírito varonil, combativo, e poderia dizer: “Eu quero
viver daqui para o futuro na maior pobreza, castidade e obediência, no
sofrimento e nas perseguições, porque quero imitar Nosso Senhor Jesus Cristo
que sofre; e, por isso, serei um lutador, vou batalhar e sofrer, porque na
guerra se sofre.”
Isso nada tem de
“heresia branca”2. É piedade de boa lei que o homem mais valoroso e mais
combativo deve ufanar-se em ter.
Assim também, dizer
com coragem que daqui a pouco vai ser pasto dos vermes, é uma prova de que ele
não tinha medo de morrer e ria a respeito disso: “Eu agora estou vivo, esta
carne que estou vendo vai ser comida pelos vermes; através destas órbitas vão
entrar vermes e comer estes olhos; destes ouvidos, desta boca, sairão vermes como
que engendrados pelo meu próprio corpo. Mas não me incomodo, porque a minha
alma vai para o Céu. Terei o martírio, que vale muito mais. E, no último dia, o
meu corpo ressuscitará e se juntará à minha alma no Céu.”
É uma atitude de
força de alma completamente oposta ao faniquito que o sentimental tem diante da
morte.
Lutou arduamente contra a Revolução de seu tempo
Portanto, bem
interpretada, bem entendida, essa fórmula nada tem de “heresia branca”. É uma
fórmula esplêndida! É “heresia branca” estar no estado temperamental estúpido
com que a escola dos sentimentais do século XIX repetia isso; escola essa que
está, mais ou menos, viva até nossos dias.
Em São Fidelis temos
a prova concreta: um homem que empregava fórmulas dessas deu exemplo de uma
admirável coragem, vendo chegar até ele a morte com a serenidade que os maiores
heróis não saberiam sobrepujar, e que lutou arduamente contra a Revolução em
seu tempo, foi um verdadeiro contrarrevolucionário, porque o protestantismo era
a Revolução em sua época. Homem completo, portanto, e digno de toda a nossa
veneração.
Uma relíquia deste
santo se encontra em nossa capela; de maneira que faremos uma boa coisa
pedindo-lhe que nos dê a graça de compreender como fórmulas dessas se
compaginam bem com a nossa piedade, desde que expurgadas dos péssimos eflúvios
do sentimentalismo religioso do século XIX, vivo até hoje, infelizmente.
O século XIX foi um
século de grandes santos, santos admiráveis, mas que estavam isentos disso, e
até eram modelos do contrário.
É bem o que se
poderia dizer de Santa Teresinha do Menino Jesus. A pequena via, inaugurada por
ela, tão cheia de candura, de suavidade, é uma via de grande força e
combatividade, para quem sabe ver a vida de Santa Teresinha.
Percebe-se isso nos desejos
da Santa de Lisieux. Ela dizia que tinha desejos infinitos, entre os quais o de
brandir o ferro no combate contra os inimigos da Igreja. Vê-se nisso uma
manifestação de combatividade que chega até o cruzado. E isso da parte desta
Santa tão suave na sua pequena via.
Vemos, portanto, como
as virtudes são inteiramente compatíveis entre si.
Plinio Correa de
Oliveira – Extraído de conferência de 24/4/1971
1) Um dos cantões da
Suíça, o de maior extensão territorial.
2) Expressão metafórica criada por Dr.
Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na
cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres,
pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.
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