Pela via da inocência, São Luís atingiu um elevado grau de
santidade. Em meio aos prazeres da corte, ele permaneceu resoluto em seu desejo
de fazer-se religioso, pois nada de terreno o atraía.
“Vida
de São Luís Gonzaga1”, de autoria do Padre Virgílio Cepari, o qual conviveu
durante largo tempo com o santo, traz trechos bastante interessantes. Passemos
a comentá-los.
A Marquesa Castiglioni, Dona Marta Tana de
la Róvere, sentia um desejo muito vivo de ter algum filho que servisse a Deus
como religioso. Perseverando neste desejo, pedia com frequência a Nosso Senhor
que lhe concedesse essa mercê.
Não é algo novo que um filho tão santo e
desejado com tanto zelo tenha sido fruto não menos das orações que do ventre da
mãe. Ana, mãe de Samuel, sendo estéril, pediu a Deus um filho que servisse no
templo, e logo o obteve. São Nicolau Tolentino foi fruto das orações de sua mãe
estéril; São Francisco de Paula nasceu de pais estéreis, que o obtiveram depois
de um voto; e outros mil exemplos disto.
As grandes obras nascem das
orações
É
preciso notar de passagem, embora o que vou dizer não se refira à biografia de
São Luís, o comentário que esse padre está fazendo. Se os filhos eleitos, com
frequência, nascem das orações dos pais, também é verdade que as obras e frutos
preferidos dos homens que se consagram a Nossa Senhora, e que não vão ter
filhos, nascem de suas orações. Assim como uma mãe que quer ter um filho reza a
Deus para obtê-lo, também uma pessoa que abrace o estado de celibato pode rogar
a Nossa Senhora: “Eu vos peço que a fecundidade da minha vida seja tal obra.”
Às
vezes, Deus faz com que uma longa esterilidade tenha depois como consequência
um nascimento tardio, esplêndido, que longos anos de espera fizeram germinar.
Isso se
dá com o apóstolo, que pode passar longo tempo estéril nas suas ocupações, mas
em determinado momento o “filho” nasce. Devemos rezar intensamente a Nossa
Senhora para que Ela dê a nossas vidas essa forma de fecundidade, que vale mais
do que ter “n” filhos.
Belo exemplo de disciplina
conjugal
Quando chegou o tempo do parto, foram tais
as dores sofridas pela Marquesa que ela esteve a ponto de morrer, sem poder dar
à luz a criatura. A boa senhora mandou chamar o Marquês, e pediu licença para
fazer voto à Rainha dos Céus; de muito bom grado, o Marquês assentiu, e ela fez
voto de ir pessoalmente, se escapasse com vida, visitar a santa Casa de Loreto,
levando consigo o menino, se ele também sobrevivesse.
Que
bonito exemplo de disciplina conjugal! Ela manda chamar o Marquês e lhe pede
licença para fazer a promessa.
Batizar tão cedo quanto possível
Feito o voto, cessou o perigo e em pouco
tempo nasceu o filho. Porfiavam ainda os médicos que não era possível que o
menino ficasse vivo, e o Marquês instava a que se procurasse salvar a alma do
filho; a experimentada parteira, logo que viu o menino o suficiente para poder
receber a água do Batismo, antes que nascesse totalmente batizou-o.
Uma
criança em vias de nascer, estando apenas com a cabeça de fora do claustro
materno, pode ser batizada. Dir-se-ia que esse fato não tem importância nenhuma
porque a criança ainda não tem uso da razão; portanto não pode pecar nem rezar,
e não é capaz de atos de virtude ou viciosos. Assim, não há razão para esse
açodamento.
Sem
culpa da criança, mas por artes do demônio, este pode adquirir maior influência
sobre ela durante o tempo em que ainda não é habitada pela graça de Deus.
Portanto, há vantagem em batizá-la quanto antes, para evitar isso.
Faço
essa afirmação com base num cerimonial da Liturgia católica: em certas Missas
solenes, o padre começa por incensar o altar. O povo acha que é um ato de
reverência do sacerdote para com o altar. De fato, tem esse sentido e também
outro mais profundo: é o de exorcizar o altar, expulsando o demônio que ali
possa estar. Se o demônio pode ficar junto a um altar consagrado, em que todos
os dias se rezam várias Missas, não poderá estar exercendo uma ação sobre uma
pobre criança inocente, que repercutirá durante sua vida inteira?
O
açodamento do Marquês era para evitar que a criança morresse antes do Batismo e
fosse para o Limbo. A alegria do pai se deve ao fato de que, desde muito cedo,
a criança fora habitada pela graça.
Para maturar, São Luís foi
mandado para o exército e não para o jardim da infância
O Marquês quisera que seu filho fosse
soldado como o pai; com este fim, tendo ele quatro anos, mandou fazer uns
arcabuzes e outras armas tão pequenas que o menino pudesse carregá-las.
Quando se preparava a armada contra Tunes,
o Marquês levou consigo Luís ao local onde deveriam se reunir, para que tomasse
gosto pelas coisas de guerra.
Fazer
um menino de quatro anos frequentar o ambiente militar pode parecer um excesso,
mas, ao contrário, é uma coisa esplêndida.
Hoje em
dia, as crianças são colocadas no jardim de infância, e acabam numa espécie de
infância a vida inteira. Quando se quer que a criança mature, não se deve pô-la
em jardim de infância, mas em jardim de adultos. Maturar é o próprio da
criança. Em vez de colocá-la em estágio superior, onde ela procure acelerar sua
busca de um estado mais alto, atualmente se faz o contrário: uma educação para
comprimir. E quando termina o jardim de infância, o menino é educado junto com
as meninas: a coeducação. Há o risco de ele se tornar um elemento híbrido, nem
adulto nem infantil e de espírito nem másculo nem feminino. São Luís, portanto,
foi mandado não para o jardim de infância, mas para o exército.
Nos dias em que havia desfile militar, o
Marques fazia seu filho ir à frente das tropas, com as pequenas armas que
mandara fabricar.
Podemos
imaginar que encanto: um menino que tinha uma alma de lírio, marchando ufano à
testa de uma tropa maravilhada pela vista do filho do Marquês de Castiglione!
Uma vez, estando o Marquês fazendo sesta, e
dormindo também outros soldados, Luís tomou pólvora dos frascos dos soldados e
ele, sozinho, carregou um canhão pequeno que estava no castelo, e atirou. O
Marquês acordou com o estrépito e, temendo alguma revolta dos soldados, quis
saber o que tinha acontecido.
Que
Marquês de truz! Não era um homem amolecido, e logo teve uma desconfiança: os
soldados estão revoltados...
São Luís Gonzaga foi educado na
gravidade que se deve atribuir a todas as coisas
Tinha aprendido, pelo trato em conversação
com os soldados, a empregar algumas palavras livres e descompostas que eles de
ordinário empregam. Um dia seu preceptor o repreendeu por causa disso. Desde
aquela hora nunca mais saiu palavra descomposta de sua boca e, se escutava a
outros dizê-las, baixava os olhos de vergonha, ou virava o rosto.
Sabemos
que nem sempre a linguagem dos ambientes militares é a mais pura e elevada
possível. E o menino aprendeu umas tantas palavras peculiares ao palavreado
militar, que não faziam parte da linguagem da casa de família.
Naquela
época um príncipe viajava muito. Imaginemos o menino numa carruagem, com seu
preceptor e um séquito de gentis-homens que o acompanhavam a cavalo. Só depois
de ter deixado a cidade, já em pleno campo, o preceptor falou com ele. Notemos
a gravidade que o preceptor atribuía ao assunto.
Os
espíritos “marca jardim de infância” achariam exagerada a gravidade empregada
pelo preceptor. Dir-se-ia que ele foi imprudente, pois a criança, não sabendo o
significado dos termos, não fizera mal nenhum. Pelo contrário, ele revelou uma
visão profunda das coisas: a palavra é tal que, mesmo quando a pessoa não sabe
o que quer dizer, ela faz algum mal.
O que vem a ser escrúpulo?
Essas palavras, ditas naquela idade, são o
maior pecado da vida de Luís. Doeu-se delas a vida toda, como se tivesse feito
um pecado gravíssimo.
Veremos
agora a humildade de São Luís; a humildade é a verdade e esta o leva a
considerar esse ato como o pecado mais grave de sua vida. E aí transparece uma
inocência, uma santidade, que é uma coisa de cegar.
O que
houve da parte de São Luís: um escrúpulo tonto? O escrúpulo é uma deformação da
alma. Na linguagem corrente se diz “tenho escrúpulo de tal coisa”, no sentido
de afirmar que minha consciência, retamente orientada, me levante dúvidas sobre
a liceidade de algo. O escrúpulo, no sentido próprio da palavra, não é uma
dúvida varonil sobre a liceidade de alguma coisa; é um treme-treme imbecil a
respeito de algo, sobre o qual não há razão para se ter dúvidas.
No caso
de São Luís, não é nem podia ser escrúpulo, porque se vê que ele foi um menino
admirável desde o começo, e não pode ter tido essa moleza especial que é o
escrúpulo. Então, como se justifica que ele se acusasse disso?
Uma
hipótese é esta: acusava-se de ter notado que essas eram palavras vulgares, sem
lhes conhecer o sentido sórdido ou imoral. Mas ele as pronunciou de algum modo
aderindo ao estado de espírito trivial da soldadesca. Embora não tivesse
cometido um pecado contra a castidade, teria praticado uma falta que, de longe,
raspava no Primeiro Mandamento.
Importância da idade da razão
Chegado aos sete anos, decidiu dedicar-se
inteiramente ao serviço de Deus; de maneira que ele chamava a este tempo o de
sua conversão.
Isso
prova que a criança pode ter a alma já deformada muito mais cedo. E que essa
mania de dizer que ela é um “anjinho”, porque não atingiu ainda a idade da
razão e não pecou, é uma lorota. Pecado propriamente dito a criança não comete,
enquanto não tiver a idade da razão. Mas daí a dizer que não possa ter
adquirido maus hábitos, é muito diferente.
O Padre Mucio Vitelleschi, Geral da
Companhia, depõe com juramento na informação canônica que conversou um dia com
Luís sobre a opinião de Santo Tomás, segundo o qual, quando o menino chega ao
uso da razão, tem obrigação, sob pena de pecado mortal, de dedicar-se logo ao
serviço de Deus, e encaminhar todas suas ações ao último fim; com grande sinceridade,
disse este santo moço que neste ponto não tinha escrúpulo nenhum, por estar
certo de que, no instante em que nele amanheceu a luz da razão, Deus o preveniu
com sua graça, e com ela se tinha ele oferecido e dedicado de todo o coração.
São
Tomás diz que a criança, quando chega à idade da razão, deve racionalmente, e
motivada pela Fé e pela graça, resolver levar a sua vida no serviço de Deus. A
primeira razão para viver é dar glória a Deus; depois podem vir outras razões.
Seria
uma coisa desejável que no dia em que a criança completasse sete anos, fosse
uma data especial, pois é o pórtico pelo qual ela entra na arena. Em vez de se
fazer uma festa para dar a entender à criança que é um passo a mais no gozar a
vida, deve-se proceder de outro modo, dizendo-lhe: “Agora você vai começar a
lutar. E lutar pelo seu Senhor e Deus; pela sua Senhora, a Mãe de Deus; pela
sua Mãe, a Santa Igreja Católica. Prepare-se! E faça desde já o enunciado de
seu propósito: viver para servir a Deus.”
Confirmação em estado de graça
Com razão, o Cardeal Belarmino2, falando
das assinaladas virtudes de Luís, chegou a dizer que provavelmente se pode crer
que a Divina Providência em todos os tempos tem na sua Igreja alguns santos
confirmados em graça, enquanto estão vivos. Nestes termos se expressou o Santo
Cardeal: “Eu, para mim, acho que um destes confirmados em graça é nosso irmão
Luís Gonzaga, porque sei quanto se passa na sua alma.”
Uma
pessoa ser confirmada em graça é um dom extraordinário. Não quer dizer que ela
seja somente santa, mas que Deus deu àquela santidade tal vigor que a pessoa
não pecará mais. Mais precisamente, não perderá o estado de graça; não cometerá
pecado mortal. É a excelsitude das excelsitudes.
Virgindade exímia
Estando um dia em oração, fez voto a Deus
Nosso Senhor de perpétua virgindade.
Fala-se
hoje muito pouco de virgens, e é uma coisa razoável, porque se fala pouco a
respeito do que existe pouco. E quando se trata de virgens, pensa-se sempre no
sexo feminino. Não se tem ideia da beleza da virgindade no sexo masculino.
Vemos
aqui ser de virgindade o voto feito por São Luís.
Afirmam seus confessores, e em particular o
Ilm.º Cardeal São Roberto Belarmino, que São Luís em toda a sua vida não sentiu
jamais nem o mínimo estímulo ou movimento carnal no corpo, nem um pensamento ou
representação lasciva na mente, contrária ao propósito e voto que fizera.
Esse
fato fala muito em favor da confirmação em graça.
Ele, de sua parte, cooperou para a proteção
desta rica joia com o cuidado contínuo que tinha na guarda dos sentidos, especialmente
dos olhos, tendo-os sempre controlados para que não olhassem nem a mil léguas
onde pudesse haver algo inconveniente.
Encontro com São Carlos Borromeu
e primeira Comunhão
Em 1580, esteve São Carlos Borromeo,
Arcebispo de Milão, visitando a diocese de Brescia, e chegou a Castiglione.
Depois do sermão, visitou-o Luís, então com doze anos e quatro meses.
Vejamos
como eram as coisas: São Roberto Belarmino, São Carlos Borromeo, São Luís
Gonzaga encontram-se… Um santo conversando com outro tem muita coisa para
dizer.
Consolava-se o Cardeal de ver a tenra
planta tão forte no meio dos espinhos da corte, sem indústria de hortelão, mas
só com as influências do Céu.
“Indústria
de hortelão” não é uma linguagem muito contemporânea. Indústria quer dizer aqui
jeito, habilidade, arte. Hortelão é o jardineiro. Sem arte de jardineiro, ele
era como uma planta muito viçosa.
O menino alegrava-se de ver o Cardeal, e
como sempre ouvira falar dele como de um santo, tomava suas palavras e avisos
como vindos do próprio Deus. Foi então que fez sua primeira Comunhão.
Decidido a abandonar o mundo...
Um dia, meditando sobre a felicidade dos
religiosos, começou a pensar:
“Que grande bem o da religião! Estes padres
estão livres dos laços do mundo, afastados de ocasiões de pecar. Por que
estranhar que estejam alegres e sem medo, nem sequer da própria morte, do Juízo
e do Inferno, se trazem sempre a consciência limpa? E eu, por que não adoto
para mim um estado tão feliz?”
Segundo ele narrou, depois de ter-se
encomendado a Deus com grande afinco, julgando que Deus o chamava para esse
estado, resolveu-se a deixar o mundo e entrar em alguma Ordem religiosa.
Podemos
imaginar a maturidade desse menino! Naturalmente, não estava voltado a dizer
coisas engraçadas o tempo inteiro, nem a brincadeiras. Desde pequeno lhe foi
ensinado a ser sério.
São Luís pede para isso licença a
seu pai
Depois de rogar muito a Deus, procurou
escolher em qual Ordem deveria ingressar.
Na festa da Assunção de Nossa Senhora, no
ano de 1583, tendo ele quinze anos e meio de idade, comungou e depois se
retirou para fazer a ação de graças, pedindo a Nosso Senhor, por intercessão de
sua Mãe, que lhe descobrisse sua vontade. E então escutou uma voz clara que lhe
disse para entrar na Companhia de Jesus.
Luís foi, então, falar com a senhora
Marquesa; e ela ficou tão contente que deu muitas graças a Deus, e quis ser a
primeira de cuja boca ouvisse o Marquês a noticia. E foi isto bem necessário
para aplacar a cólera e primeiros ímpetos dele. Depois, em diversas ocasiões,
fez a Marquesa este ofício, e como o Marquês não sabia que ela desejava ter um
filho religioso, atribuiu a diversas intenções, entre outras que ela tinha
afeição pelo segundo filho, e desejava que este herdasse os Estados.
Vemos
que era bem esperta essa Marquesa. Esperta ao serviço do bem: não revelou ao
marido que ela queria que seu filho mais velho ficasse jesuíta. Disfarçou, e
com isso o Marquês começou a ter outras ideias, como a de que desejava
favorecer o segundo filho para o governo dos Estados que pertenciam a esse
Marquês; assim, ela desviava a atenção do marido sobre seu filho mais velho e
sua vocação religiosa, a fim de ele poder entrar num convento. Ela era corajosa
e reivindicou para si a honra de ser a primeira a dar a notícia, ou seja, a
escorar no peito a primeira raiva do Marquês.
Mais tarde foi Luís pessoalmente, com a
maior humildade e reverência que pôde, e disse ao Marquês que ele estava
resolvido, e que haveria de ser religioso.
Notem o
contraste: “Foi Luís pessoalmente com a maior humildade e reverência que pôde”,
e “disse que estava resolvido”. Quer dizer, respeitoso ao extremo, mas
resolvido, e não adiantava vir com histórias: ia ser mesmo. Era maior de idade
e dispunha de si. O resto são amabilidades e reverências necessárias e
louváveis. Ele vai atender à vocação de Deus, porque é preciso obedecer a Deus
antes que aos homens.
A reação do Marquês
Ficou o Marquês como de fogo ouvindo isto,
e com ásperas palavras expulsou-o de sua presença, ameaçando que o faria despir
e açoitar.
Não
conheço um fato atual de recusa de um pai para seu filho, no caso deste querer
entrar para um movimento religioso, e que tenha chegado à ameaça de açoite em
carne viva. Isso teve São Luís Gonzaga que enfrentar.
Respondeu Luís: “Fosse do agrado de Deus,
meu Senhor, que eu merecesse padecer algo por seu amor.” Ficou o Marquês com
incrível ira, e depois de alguns dias em que não pôde descansar nem repousar ,
mandou chamar o confessor e fez-lhe grandes queixas de ter colocado tais coisas
na cabeça do filho, sobre o qual ele depositava as esperanças de sua casa.
Ele via
que seu filho era muito inteligente, capaz e virtuoso. E um defeito de muitas
famílias antigas era este: quando tinham um filho menos inteligente destinavam-no
à vida sacerdotal; a filha feiarrona, que não conseguia encontrar casamento, ia
ser freira; escolhiam os filhos mais capazes para continuar a família. Era uma
forma de dar a Deus o menos bom, e ficar para si com o melhor. Assim não se
trata a Deus, a Nossa Senhora!
O homem forte é aquele que segue
todos os meios lícitos para cumprir a vontade Deus
Tendo certo dia ido visitar, com seu irmão
Rodolfo, o colégio da Companhia, Luís disse no final aos que o acompanhavam que
poderiam voltar à casa, que ele não mais queria regressar, mas ficar lá.
Foi
jeitoso. Não disse em casa “até logo” para o pai; pretextou uma visita ao
colégio dos jesuítas, e depois disse: “Vocês vão-se embora, eu vou ficar
aqui!”, dando a entender: “Meu pai, se quiser, venha cá.” Assim fazem os homens
fortes.
Há um
modo errado de conceber o homem forte: aquele que é tonitruante como um trovão
em meio a relâmpagos. Às vezes ele é assim; outras, não: é jeitoso e macio, mas
chega onde deve chegar. O homem que obedece à vontade de Deus, e segue todos os
meios lícitos para cumpri-la, esse é um homem forte.
Ao saber do ocorrido, o Marquês enviou
vários mensageiros para fazê-lo retornar. Estes só obtiveram êxito quando
argumentaram que era um menoscabo da autoridade paterna fazer isso sem licença.
Tentativas do pai em dissuadir
São Luís a respeito de sua vocação religiosa
Instou, pois, o Marquês para que, ao menos,
o jovem adiasse a entrada até a volta à Itália. Luís, pensando que o Marquês
cumpriria a promessa, respondeu que com gosto daria esse prazer a seu pai. E
assim ficaram todos de acordo.
Chegando à Itália, o Marquês escusou-se,
dizendo ser forçoso que Luís fizesse antes, com seu irmão Rodolfo, as visitas
de cortesia às cortes da Itália.
Concluídas as visitas, obteve o Marquês do
Duque de Mântua que enviasse um Bispo muito eloquente dizer a Luís que ficasse
homem de igreja, e assim poderia servir melhor a glória de Deus; para isso não
faltavam exemplos de homens santos, como o Cardeal Carlos Borromeo.
Ou
seja, ficar padre secular e não membro de uma Ordem religiosa.
Insistiu o Bispo várias vezes e com
diversos argumentos. Luís agradecia a preocupação do Duque, mas escolhera a
Companhia, e não pretendia outro gênero de vida.
Veio também uma pessoa da família
argumentar que, se queria deixar o mundo, não entrasse na Companhia que ficava
perto dele, mas nos Cartuxos ou outra Ordem distante.
Vê-se
aí a decadência religiosa da época: o Marquês encontra uma série de eclesiásticos
que vão fazer a obra do demônio junto ao filho. Uma pessoa o aconselha a entrar
numa Ordem severíssima, como os cartuxos que são contemplativos no rigor do
termo. Por que o Marquês poderia preferir que ele ficasse cartuxo a jesuíta?
Porque os jesuítas estavam na ponta da Contra-Revolução. E se seu filho se
tornasse jesuíta teria inimigos, mas se entrasse para uma cartuxa ou outra
Ordem semelhante, ficaria trancado lá. Ao menos esse espantalho sairia de
diante de seus olhos.
Afinal, depois de muito relutar, o Marquês
confessou estar convencido de que aquela era uma grande vocação de Deus, e logo
começou a contar a grande santidade com que Luís vivera desde menino, e disse
que ele não queria mais impedir o filho de ficar religioso.
A bonita morte do Marquês
Quando morreu o Marquês, seu pai, dois
meses e meio depois de começado o noviciado, Luís não sofreu maior impressão,
como se não fosse com ele. Nesta ocasião foi-lhe dito que escrevesse a sua mãe
para consolá-la, e ele começou a carta dizendo que dava graças a Deus, pois
doravante poderia dizer mais livremente: “Pai nosso que estais nos céus”.
Manifestou-se de modo especial a
Providência de Deus nesta morte, pois o Marquês sempre fora dado a pretensões
de honrarias e grandezas mundanas. E com motivo da entrada de Luís em Religião
fez tal mudança de vida que deixou totalmente o jogo; todas as noites mandava
que trouxessem diante de sua cama um Crucifixo que Luís deixara e rezava os
sete salmos penitenciais e as ladainhas.
Notem
qual é o problema da profundidade do pecado. O mundo hoje está cheio de
jogadores, em toda parte. Os presentes neste auditório não acham dificílimo que
um deles morra nessas condições? É quase impensável. Para a atitude do Marquês,
é claro que contribuía, e em muito, o mérito de São Luís Gonzaga. Também é
verdade que esse homem tinha restos de boas resoluções, tradições, e não estava
tão gangrenado pela Revolução como estão os de hoje. Assim, foi capaz de um
arrependimento sério, profundo, até edificante, depois de ter feito uma
oposição a mais tremenda possível à vocação do filho; e morreu na graça de
Deus.
São Luís morre em jovem idade
Antes de completar seus estudos de
Teologia, faleceu aos 23 anos de uma doença contagiosa.
A 26 de setembro de 1605, Paulo V publicou
o seu Breve de beatificação.
Diversos foram os pedidos de beatificação.
O próprio Imperador Rodolfo escreveu desde Praga ao Sumo Pontífice, e além de
fazer a lembrança “da pura, piedosa, santa e mortificada vida de Luís”,
acrescentava esta razão: “era Príncipe do Sacro Romano Império, e parente seu,
e tinha dado a todos tão preclaro exemplo de desprezar o mundo”.
Considerem
como os tempos mudaram: o mais alto personagem temporal da Cristandade, naquele
tempo, o Imperador do Sacro Império, se interessava pela beatificação de uma
pessoa. Escrevia diretamente ao Papa, intervindo como filho primogênito, em
certo sentido da palavra, da Igreja para a beatificação do Servo de Deus.
Plinio
Correa de Oliveira – Extraído de conferências de: 9/2/1966, 3/4/1990 e
18/4/1990
1) Cepari. Pe Virgilio.
Vida de San Luís Gonzaga, Patrono de la juventude. Einsiedeln, Benziger &
Co.: Nova York, 1891.
2) São Roberto Belarmino.
Cardeal, membro da Companhia de Jesus e contemporâneo de São Luís Gonzaga.
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