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domingo, 30 de outubro de 2016

Santo Alberto Magno

Corria o ano de 1223. Nas povoações do norte da Itália anunciava-se de boca a ouvido a chegada de um frade, célebre por suas palavras e obras, que percorria a região para instruir o povo nos mistérios do Reino dos Céus. Cativadas por sua fama de santidade, as multidões se apinhavam nas igrejas para ouvi-lo.
Com efeito, ao falar do púlpito as suas admoestações arrebatavam os fiéis, deixando-lhes uma impressão profunda, um chamado irresistível para abraçar a prática da virtude. Seu nome era Jordão da Saxônia, Mestre Geral da Ordem dos Pregadores e sucessor imediato de São Domingos de Gusmão.
Quando ele ensinava, parecia um embaixador divino. Em seus lábios os temas doutrinários mais intrincados tornavam-se claros, acessíveis e luminosos, ao que se somava um notável dom de atração capaz de mover os ouvintes a abandonar para sempre o pecado. Eram dias de franca expansão da Ordem, que lançava suas raízes, e “o fascínio de São Domingos se transferira para os seus filhos, sem perder a intensidade e o ardor”.1
A uma dessas concorridas prédicas assistia, atento às exortações do sacerdote, certo jovem vindo da Baviera. Encontrava-se na Península para estudar filosofia e artes liberais, na renomada Universidade de Pádua. Todavia, até então nunca conhecera alguém com as qualidades morais do Beato Jordão, alemão como ele.
Ao ouvi-lo sentiu despertar em seu interior o desejo de incorporar-se à nova milícia espiritual de que ele era superior e abraçar o mesmo carisma que animava numerosos religiosos já presentes em vários países da Cristandade. Pouco tempo antes Nossa Senhora lhe aparecera, convidando-o a abandonar o mundo, e agora algo indicava que este era o próximo passo a ser dado.
O nome deste bávaro de pouco mais de 20 anos era Alberto, o qual passaria para a História com o cognome de Magno.
“Sim” incondicional à vocação dominicana

Nascido na pequena Lauingen, numa data que os pergaminhos da época não lograram registrar, Santo Alberto Magno ficou órfão ainda criança, tendo a educação confiada aos cuidados de um tio. Seus pais, os senhores de Bollstädt, deixaram-lhe como legado as qualidades próprias à nobre linhagem: caráter magnânimo, inteligência penetrante, descortino de horizontes e disposição para entregar-se a um ideal mais elevado. Estas inclinações naturais seriam aprimoradas pela graça na alma de Alberto, que no futuro as colocaria a serviço da Igreja.
Pouco se sabe de sua infância e adolescência, porém é certo que fez a profissão religiosa por volta dos 26 anos, tendo já concluído os estudos profanos e estando a ponto de iniciar os eclesiásticos. Para isso precisou enfrentar a oposição declarada do tio, o qual se negou a aceitar sua admissão num instituto mendicante.
Os planos da Providência, no entanto, prevaleceram, pois aquele jovem de robusta compleição dava mostras de ter sido talhado para viver a espiritualidade dos frades pregadores: possuía uma aptidão assombrosa para questões filosóficas, teológicas e para as ciências naturais, acostumado desde menino a interrogar os porquês da criação, como ele próprio confessou: “Eu já havia avançado na ciência quando, obedecendo à determinação da Bem-Aventurada Virgem e à inspiração do Espírito Santo, entrei na Ordem”.2
Perscrutar a ordem do universo para nela encontrar Deus
Concluídos os estudos teológicos na Universidade de Bolonha, Santo Alberto foi enviado a Colônia, em 1228, para exercer o magistério junto aos irmãos de hábito. Muito se comentava sobre sua aptidão para o ensino, contudo os alunos não tardaram em comprovar também outros predicados do mestre, sobretudo sua magnífica compreensão da ordem estabelecida por Deus no universo, caracterizada por uma weltanschauung — visão do mundo — abarcativa, atenta às mais variadas riquezas dos seres inanimados e animados, nos quais procurava discernir reflexos da perfeição do Criador.
Este pendor o levou a aprofundar-se em diversos campos do conhecimento científico, empregando as horas vagas na observação direta dos elementos da natureza. Tal busca, movida por uma propensão religiosa, deu origem a várias de suas obras escritas, entre as quais interessantes tratados dedicados à cosmografia, meteorologia, climatologia, física, mecânica, arquitetura, química, mineralogia, antropologia, zoologia, botânica e astrologia, sendo esta última uma área que o encantava.
Já em vida o Santo tornou-se conhecido como o Doutor Universal, “porque não só se elevou à especulação teológica e filosófica, como lhe coube ilustrar ainda a ciência humana. [...] Alberto Magno, por um propósito de alma constante, de verdadeiro doutor católico, não se prende à contemplação deste mundo visível, como ocorre com frequência aos modernos investigadores dos fenômenos naturais, mas se estende até as coisas espirituais e sobrenaturais, coordenando e subordinando toda a ciência, segundo a dignidade dos respectivos sujeitos, ascendendo admiravelmente dos seres inanimados aos viventes, dos viventes às criaturas espirituais, dos espíritos a Deus”.3
Expoente da escolástica medieval
Foi no campo doutrinário, todavia, que Santo Alberto Magno realizou a plenitude de sua vocação, como filósofo e teólogo dedicado ao estudo, à docência e à pregação.
O século XIII foi marcado por um entusiasmado interesse pelas questões teológicas. Esta tendência explica em boa parte o grande destaque alcançado pela escola dominicana, que em pouco tempo passou a ditar os rumos da Universidade de Paris. Durante os cinquenta anos de sua vida dedicados ao ensino, o Doutor Universal atuou neste importante cenário, cerne da escolástica da época, imprimindo-lhe uma nota de santidade que influenciou os seus sucessores.
Dócil às determinações dos superiores religiosos, partia em viagem rumo às principais universidades europeias, na maioria das vezes para realizar missões de grande envergadura. Diversos episódios poderiam ser destacados, especialmente os ocorridos nos dois anos dedicados ao ensino em Paris ao lado de um discípulo eminente: São Tomás de Aquino.
O sucesso de tal dupla não poderia deixar de marcar os anais da Sorbonne, cujas instalações eram insuficientes para conter o público desejoso de ouvi-la. A Praça Maubert — Maître Albert —, situada no centro de Paris, perpetua ainda hoje a memória do Santo no mesmo local onde milhares de estudantes e fiéis se conglomeravam para vê-lo e ouvi-lo.
Colocando Aristóteles no centro do debate filosófico
Os anos de atividade em Colônia e Paris também serviram de ocasião para que Santo Alberto nos deixasse o seu maior legado filosófico: a inclusão da obra de Aristóteles no panorama do pensamento católico ocidental.
Até então alguns pensadores cristãos haviam procurado interpretar as maravilhas da criação enquanto ordenadas às realidades da Fé, e neste afã obtiveram relativos avanços guiando-se por filósofos da Antiguidade. Entretanto, estes intentos na realidade não passavam de esboços, os quais expunham com maior ou menor êxito fragmentos de questões muito mais amplas, de caráter especulativo-metafísico, que ainda não haviam sido afrontadas.
Ora, Santo Alberto Magno intuiu o problema com lucidez, e procurava algum mestre que oferecesse um sistema ordenado a partir do qual fosse possível desenvolver o estudo da teologia sobre bases sólidas. Justamente naqueles anos vieram a lume importantes textos dos gregos, ainda que interpretados por filósofos árabes, os quais chamaram a atenção do Santo para o valioso contributo aristotélico. Surpreso por deparar-se com explicitações que gozavam da claridade necessária para realçar a harmonia do dogma cristão com a reta razão humana, ele não tardou em concluir: era hora de descobrir na autêntica obra do Estagirita tudo quanto nela houvesse de meritório.
À medida que Santo Alberto Magno colaborou para concentrar o foco das atenções neste objetivo, assistiu-se ao florescimento da escolástica medieval. Era o arrimo que faltava para que homens de vigorosas convicções religiosas erigissem a catedral do pensamento filosófico cristão! “Alberto Magno foi o primeiro que se aventurou por este caminho difícil com plena consciência de seu sucesso e do imenso trabalho que isso implicaria”.4
A ousada meta teve, entre outras, uma feliz consequência: preparou o terreno para que entrasse em cena São Tomás de Aquino, o príncipe da sacra doctrina.
Mestre do Doutor Angélico
O Capítulo da Ordem dos Pregadores de 1245 realizou-se em Colônia, onde Santo Alberto Magno ensinava. O Mestre Geral para lá se dirigiu não apenas para a reunião, mas também para levar ao convento desta cidade um noviço de Nápoles: Tomás de Aquino, jovem membro da nobreza que ingressara por aqueles dias na família dominicana.
As circunstâncias adversas que marcaram os primeiros passos da vida religiosa do Doutor Angélico motivaram a decisão dos superiores de conduzi-lo para longe, onde os pais não pudessem opor novos obstáculos ao cumprimento de sua vocação. Ao lado disso, era necessário que um tutor com predicados proporcionais aos do futuro Doutor da Igreja o assistisse, para ajudar no desenvolvimento de seu talento.
Conta-se que São Tomás rezava, desde o período de seu cativeiro, para um dia conhecer Santo Alberto: durante um considerável período viveram no mesmo convento. Entre ambos estabeleceu-se desde o início uma íntima união na ciência e na virtude, fato que ofereceu à comunidade um verdadeiro espetáculo, pois puderam contemplar uma imagem do convívio entre os Bem-aventurados na eternidade.
Estupefato por ver florescer sob sua orientação o maior teólogo de todos os tempos, Santo Alberto primava por reconhecer a superioridade do aluno, como ressalta um biógrafo: “ele vai tão longe a ponto de se esquecer inteiramente do valor e do mérito de seus próprios trabalhos quando exalta o Doutor Angélico, como se este tivesse descoberto toda a verdade e resolvido todos os problemas”.5
A morte prematura do Aquinate, décadas mais tarde, contristou-o profundamente, a ponto de não mais poder mencionar seu nome sem se comover. Santo Alberto Magno contou-se entre os primeiros que vislumbraram o futuro que o aguardava e glorificaram a Deus por operar seus prodígios nesta alma de eleição.
Superior provincial e Bispo de Regensburg
Assim como não se acende uma lâmpada para que permaneça oculta, mas seja colocada no alto para iluminar, também as luzes com que Deus favoreceu este justo não poderiam ficar confinadas ao restrito âmbito universitário. Os confrades de Santo Alberto o elegeram provincial da Alemanha por dois mandatos, e o Papa Alexandre IV o designou como Bispo de Regensburg, onde problemas disciplinares e doutrinários reclamavam a presença de uma alma de escol para saná-los.
Fiel à obediência, ele abraçou todos os encargos recebidos, valendo-se de sua autoridade moral para extirpar o erro, implantar a ordem e fazer florescer a virtude. Sem embargo, após dois anos à frente da diocese ele pediu ao Santo Padre para regressar à vida conventual, temendo não cumprir por inteiro sua vocação religiosa, ao que o Pontífice acedeu.
Cabe ainda uma palavra a respeito das lutas de Santo Alberto contra os inimigos doutrinários da Igreja naquelas circunstâncias, instalados dentro e fora de seus muros. Disposto a valer-se de seu arsenal doutrinário para proteger a fé do rebanho, o Santo enfrentou-se diversas vezes com detratores da ortodoxia, “sempre com pleno conhecimento de causa e grande superioridade de espírito”.6 Para defini-los, ele emprega uma expressiva imagem: “Os hereges se assemelham às raposas de Sansão: como estes animais, todos eles têm diferentes cabeças, porém estão atados juntos pelo rabo, ou seja, estão sempre unidos quando que se trata de opor-se à verdade”.7
Última prova e morte edificante
Ao mesmo tempo que era assistido pelo dom de ciência, Santo Alberto Magno possuía grande humildade: “Uma vez que por nós mesmos somos incapazes de qualquer coisa, sobretudo de fazer o bem, e que podemos oferecer a Deus apenas aquilo que já Lhe pertence, devemos sempre rezar como Ele nos ensinou com seus benditos lábios e através de seu próprio exemplo, conscientes de que somos pessoas culpadas, pobres, enfermas, carentes, como crianças e como aqueles que desconfiam de si mesmos. Deveríamos nos abrir com Ele sobre os perigos que nos cercam de todos os lados com humildade, temor e amor, com integridade de coração e inteira confiança. Então poderíamos repousar e confiar n’Ele até o fim”.8
No final da vida o Santo preferiu o isolamento do claustro, a fim de melhor preparar-se para o encontro com Deus. Dois anos antes da morte perdeu por completo a memória, embora tenha conservado toda a compostura própria a alguém avançado em virtude.
Certa feita, as religiosas de um convento dominicano pediram que lhes contasse algo edificante, ao que ele respondeu: “Quando alguém sofre, muitas vezes imagina que sua vida é inútil aos olhos de Deus. Mas quando é incapaz de formular orações ou de levar adiante boas obras, seus sofrimentos e desejos o colocam face a face com a divindade, muito mais do que mil outras pessoas que gozam de boa saúde”.9 Este conselho deita luzes sobre as suas disposições de espírito diante da morte, quando todo o conhecimento acumulado ao longo de seus mais de 80 anos se esvaneceram, e o olhar posto na eternidade substituiu todas as antigas aspirações.
No dia 15 de novembro de 1280, Santo Alberto Magno expirou no convento de Colônia, deixando aos dominicanos e à Igreja universal um exemplo sublime de aquisição do conhecimento para santificar-se e santificar os demais. Como ele havia ensinado, “a força da alma deve ser empregada com vistas a atingir a perfeição do amor”.10 De fato, toda sabedoria humana se submete à caridade, a rainha das virtudes, e esta é a única que nos salva e conduz ao Céu!
1 PUCCETTI, OP, Angiolo. Sant’Alberto Magno. Profilo biográfico. Roma: Collegio Angelico, 1932, p.14.
2 SANTO ALBERTO MAGNO. Discurso, apud SIGHART, Joachim. Albert the Great, of the Order of Friar-preachers. Londres: Paternoster Row, 1876, p.37, nota 1.
3 XI. Decreto de canonização e declaração de Santo Alberto Magno como Doutor da Igreja, 16/12/1931.
4 SIGHART, op. cit., p.104.
5 Idem, p.370.
6 Idem, p.44.
7 SANTO ALBERTO MAGNO, apud SIGHART, op. cit., p.248.
Idem, p.404.
Idem, p.347.
Idem, p.191.

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