A índole das
instituições feudais, as quais eram hierárquicas, conduzia à santidade,
enquanto as instituições que pressupõem uma igualdade completa levam ao
contrário da santidade, que é o espírito da Revolução. Vejamos os comentários de
Plinio Corrêa de Oliveira.
A respeito do Beato
Carlos de Blois, o General Silveira de Mello, no livro “Os Santos Militares”,
diz o seguinte:
Herda o Ducado da Bretanha
Carlos de Blois era
filho do Conde de Blois, Guy I, e da Princesa Margarida, irmã de Filipe de
Valois.
Recebeu educação
esmerada e foi muito adestrado militarmente. Casando-se com Joana, filha de Guy
de Penthièvre e sobrinha de João III da Bretanha, por morte deste último,
Carlos de Blois recebeu, com sua esposa, o ducado como herança, no ano de 1341.
Assumiu o governo dessa província com grande entusiasmo dos nobres e dos seus
vassalos mais humildes.
Entretanto, o Conde
de Montfort, irmão do Duque falecido, reclamou o direito à sucessão e pegou em
armas para reivindicá-lo. Foi apoiado pelos ingleses, enquanto a França tomava
o partido de Carlos.
O jovem Conde de
Blois fez frente ao seu contendor. 23 anos durou essa luta que os ingleses
sustentavam de fora.
Em 1346, no combate
de La Roche-Derrien, Carlos sofreu um revés e caiu prisioneiro. Encerraram-no
na Torre de Londres, onde permaneceu encarcerado durante nove anos. As orações
que rezou neste cativeiro foram de molde a assegurar a continuidade do governo
da Bretanha.
Nunca afrouxou seus exercícios de piedade
A Princesa Joana,
sua enérgica esposa, assumiu a direção dos negócios públicos e da guerra e
manteve atitude de energia pela libertação do marido.
Livre, Carlos
prosseguiu com maior denodo as operações militares. Sucederam-se reveses e
vantagens de parte a parte, até que por fim, em 1364, aos 29 de setembro, festa
do Arcanjo São Miguel, o santo e bravo duque caiu morto na Batalha de Auray.
Esta jornada heroica, última de sua vida, iniciou-a Carlos com a recepção dos
Sacramentos da Confissão e da Eucaristia.
Morreu como vivera,
pois, em meio a todas as lutas que enfrentava, nunca afrouxou seus exercícios
de piedade e austeridade, assim como nunca deixou de empreender obras de
interesse para a Religião e para seus súditos.
Tão evidentes foram
as suas virtudes, que logo após sua morte, em 1368, deram início ao processo de
beatificação.
São Pio X confirmou
o seu culto em 14 de dezembro de 1904. É venerado no dia de sua morte, 29 de
setembro.
Luta contra um vassalo infiel e revoltado
Trata-se de um Santo
que é, de um modo especial, o patrono dos guerreiros. Há dois modos de ser
patrono dos guerreiros: um, considerando o guerreiro enquanto guerreiro da Fé,
lutador pela Doutrina e pela Igreja Católica. Mas neste caso é a função do
guerreiro com um acréscimo que lhe é extrínseco e não necessário à condição do
guerreiro. Quer dizer, o guerreiro realiza a maior sublimidade de sua vocação
quando ele luta pela Fé, mas nem todo guerreiro luta necessariamente pela Fé.
O próprio do
guerreiro é lutar, e o normal dele não é lutar apenas pela Fé. Mas o guerreiro
pura e simplesmente, que não acrescenta a seu título essa auréola de cruzado, é
aquele que luta na guerra justa pelo seu país, para defender o bem comum, ainda
que seja o bem comum temporal daqueles que estão confiados à sua direção.
Temos aqui o exemplo
do Bem-aventurado Carlos de Blois. Como vimos, ele era Duque da Bretanha, em
virtude de uma herança recebida de sua esposa. Mas o tio desta, contestando a
legitimidade desse título, revoltou-se e moveu uma guerra contra ele. Ele era,
portanto, a legítima autoridade em luta contra um vassalo infiel e revoltado.
Além disso,
tratava-se da integridade do reino da França, porque o tio da Princesa de Blois
era ligado aos ingleses, que queriam dominar a França. E ele lutava então pela
integridade do território francês, batalhando pela independência da Bretanha em
relação à Inglaterra.
Combate com um remoto significado religioso
Essa luta pela
França, por sua vez, tinha um remoto significado religioso, mas que ele não
podia prever, não estava nas suas intenções. A França era a nação predileta de
Deus, a filha primogênita da Igreja. A Inglaterra era nesse tempo uma nação
católica, mas futuramente haveria de tornar-se protestante. E se ela tivesse
domínio numa parte do território francês, daí a alguns séculos isso seria muito
nocivo para a causa católica.
Entretanto, esta
consideração de ordem religiosa, que nos faz ver o caráter providencial da
luta, não estava na mente desse Beato. Ele tinha em vista, como Duque, lutar
pela integridade do território de sua pátria próxima, que era a Bretanha, e de
sua pátria mais genérica que era a França.
Ele levou nesta luta
uma vida inteira. Foram perto de 30 anos de reveses, nove dos quais ele esteve
preso. Mas o Beato soube comunicar o seu ardor guerreiro à sua esposa que,
durante os nove anos em que ele ficou encarcerado na Torre de Londres, também
lutou valentemente para conservar o ducado.
Ao beatificá-lo, a
Igreja quis elevar à honra dos altares o senhor feudal perfeito, governador e
patriarca de suas terras, aristocrata e, além disso, batalhador que sabia
derramar o sangue pelos seus. Esta é a síntese do senhor feudal.
Para determinados
revolucionários que vivem falando contra o feudalismo, e apresentam o cargo e a
dignidade de senhor feudal como intrinsecamente má, o exemplo do Beato Carlos
de Blois e o gesto da Igreja beatificando-o constituem um desmentido rotundo,
porque mostram bem que o cargo pode e deve ser exercido digna e santamente, e
que através dele se pode chegar à honra dos altares.
Mostra-nos, com mais
um exemplo, quantas pessoas de alta categoria da hierarquia feudal se tornaram
santas. Vemos também por este exemplo a índole das instituições. As
instituições têm uma índole, uma psicologia, uma mentalidade como os
indivíduos. A índole das instituições feudais levava à santidade, enquanto que,
de outro lado, as instituições que pressupõem uma igualdade completa levam ao
contrário da santidade, que é o espírito da Revolução.
Acabando com as desigualdades, se elimina a ideia de Deus
Algum tempo atrás,
tive a oportunidade de ler um livro de um dos chefes do Partido Comunista
Francês, chamado Roger Garaudy, que sustentava a seguinte tese: É ridículo nós
querermos fazer suprimir no povo, por meio das perseguições, a ideia de Deus. A
ideia de Deus, o povo a tem por causa das desigualdades. É considerando pessoas
desiguais que o homem inferior pensa, concebe a ideia de um Deus, o qual é a
perfeição daquilo de que o seu superior lhe dá certa noção. Por causa disso —
diz ele — nós não devemos primeiro exterminar a Religião, para depois acabar
com a hierarquia política e social. Precisamos eliminar as desigualdades
políticas, sociais e econômicas, para depois então exterminarmos a Religião. E
afirma ele que, implantada por toda parte a igualdade, os símbolos de Deus
desaparecem, e a ideia de Deus morre na alma dos povos.
O exemplo do Beato
Carlos de Blois nos faz pensar nisto. O povo do seu ducado da Bretanha, olhando
para ele, pensando nele, admirando-o, venerando-o, tinha nele um reflexo de
Deus na Terra. A duplo título, porque o santo é um reflexo do Criador na Terra,
e o general, o governador, o chefe, o mestre é um superior que representa a
Deus. Assim, olhando para ele, a ideia de Deus se tornava mais clara na mente
de seus súditos.
São Tomás abençoa a desigualdade, Garaudy blasfema contra ela
Aliás, é
precisamente o que ensina São Tomás de Aquino quando trata da desigualdade. Ele
diz que deve haver desiguais, para que os maiores façam às vezes de Deus em
relação aos menores, e guiem os menores para o Criador. É o pensamento do
Garaudy, a mesma concepção a respeito da relação entre a desigualdade e a ideia
de Deus. Entretanto, enquanto São Tomás de Aquino abençoa essa desigualdade,
porque ela conduz a Deus, Garaudy blasfema contra ela, por esta mesma razão.
Assim, nós vemos bem
como a hierarquia feudal encaminhava as almas para Deus, e como este Santo
brilhou como a luz colocada no lampadário, iluminando a França e a Europa do
seu tempo com sua santidade.
Essas considerações
conduzem a uma oração especial para ele.
Nós estamos numa
profunda orfandade! Neste mundo de ateísmo, nesta época em que o igualitarismo
fez por toda parte devastações tão tremendas, podemos olhar para o
Bem-aventurado Carlos de Blois como verdadeiros órfãos que não têm o que ele
representou para os homens do seu tempo.
Então, podemos pedir
a ele que se apiede de nós nesta situação em que estamos, e que pelas suas
orações faça suprir em nossas almas essa deficiência. Que o amor à
desigualdade, à sacralidade, à autoridade, o gosto de venerar, a necessidade de
alma de obedecer, de se dar, de ser humilde brilhem em nossas almas de maneira
tal que possamos dizer que verdadeiramente é a Contra-Revolução que vive em
nós.
Beato Carlos de
Blois, rogai por nós!
Plinio
Corrêa de Oliveira – Extraído de conferência de 28/9/1968
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