Pressa
é uma palavra que a cada dia está mais presente na vida de todos. Quanto mais
se acelera o ritmo de vida, menos se tem tempo para fazer as coisas. Ver
pessoas apressadas é o comum em nosso cotidiano. Tem-se pressa para chegar ao
trabalho, pressa para retornar a casa, pressa para não faltar a um compromisso,
pressa, pressa, pressa… Sem dúvida, sempre atrás dos interesses pessoais!
Pressa
é o que se encontra também na vida de uma dama oriunda de ilustre família da
república florentina: Juliana Falconieri. No entanto, desta vez, os interesses
são outros…
Uma nobre e
piedosa família de Florença
Naqueles
idos anos do século XIII, Florença tornara-se uma das maiores maravilhas da
Itália, pela beleza de sua arquitetura, o rico comércio nela desenvolvido e o
valor dos tecidos, pinturas e demais obras de arte ali produzidas.
Tais
maravilhas, porém, não conseguiam satisfazer os anseios de sete prósperos
comerciantes da cidade, que buscavam um tesouro muito mais precioso. Para
obtê-lo, decidiram dedicar-se ao serviço da mais alta das soberanas: Maria
Santíssima. E tanto os uniu e elevou este sublime exercício que, deixando na
penumbra seus respectivos nomes de família, passaram eles para a História como
os Sete Santos Fundadores da Ordem dos Servos de Maria, os servitas.
Caríssimo
Falconieri, pai de Juliana, conhecia-os de perto, pois um deles era seu irmão
Aleixo. Abastado e bem-sucedido, aquele não era indiferente à exemplar piedade
deste. Passou Caríssimo por um estado de conversão e teve escrúpulos de haver
sido desonesto em algum de seus negócios, pelo que, como eventual reparação,
deu muitas esmolas. Financiou também a construção de uma igreja em louvor de
Nossa Senhora da Anunciação, em cujo interior haveriam de repousar seus restos,
sob o epitáfio: “Sepulcro do próvido varão, o senhor Caríssimo de Falconieri,
que para remédio de sua alma fez alicerçar, edificar e concluir esta Igreja em
louvor de Deus e da Bem-Aventurada e gloriosa Virgem”.
A
atitude modelar do aristocrata florentino marcou de forma decisiva outro membro
desta abençoada família: a própria filha, que lhe fora concedida pela
Providência em 1270, quando ele e sua esposa estavam já em idade avançada.
Alma cheia de
grandes e pressurosos desejos
Havendo
perdido o piedoso pai quando muito pequena, Juliana sujeitou-se com agrado à
influência de seu tio religioso, cuja longa vida de humildade, dedicação e
entrega a tocavam mais a fundo do que a caritativa generosidade do progenitor.
Aleixo, por sua parte, reconhecendo a bênção incomum que pairava sobre sua
sobrinha, fazia notar à cunhada que não havia dado à luz uma menina, mas um
“anjo”…
Com
a alma sempre voltada para as realidades superiores, a pequena progredia com
rapidez nas vias da virtude. Desprezava os prazeres fúteis, os adornos
extravagantes, os trajes da moda e os vistosos penteados. Não perdia um
instante sequer de seu tempo contemplando-se no espelho; empregava-o em
práticas mais valiosas, como orações, leituras espirituais e cânticos de salmos
em louvor a Deus e sua Mãe Santíssima.
Aos
14 anos, seus muitos dotes naturais e espirituais levaram os familiares a lhe
procurarem um futuro brilhante. Dentre os muitos moços de sua geração desejosos
de desposá-la, os olhos de sua progenitora fixaram-se em Falco, um cavaleiro de
boas posses e distinta família. Vendo a afeição do rapaz por ela, a mãe tentava
persuadi-la a aceitar tão bom partido, almejando concluir logo aquela aliança.
Contudo,
Juliana também tinha pressa de ver realizadas suas aspirações. Quais eram elas?
Estudos? Fama? Matrimônio?
Não,
em sua alma ardia outro anelo: o de entregar-se, dar-se, custasse o que
custasse. Tinha pressa de retribuir a Deus tudo quanto havia recebido, de
consagrar-se a Ele, de meditar em suas dores e de sofrer por Ele! Sofrer? Sim,
porque para as almas retas a oblação é uma bela maneira de manifestar a
gratidão a Deus e retribuir-Lhe seu amor. Quem tem pânico de imolar-se está num
estado de alma incompatível com o amor.
Consagrada a Deus
com apenas 14 anos
Em
1284, resistindo aos insistentes pedidos e às lágrimas maternas, fez o voto de
virgindade. Dócil aos conselhos do tio e admirada por sua conduta, pedia ela
para também fazer parte dos servitas.
À
época, já era São Filipe Benício o superior geral da ordem. Sob sua direção,
ela se havia propagado por toda a península italiana e para além de suas
fronteiras. Havia-se criado, ademais, debaixo de sua influência, um grupo de
damas que daria origem às religiosas terciárias da Ordem dos Servitas. Entre
elas contava-se uma prima de Juliana, chamada Joana, e uma irmã do próprio São
Filipe. Elas se tornaram conhecidas pelo nome de mantellate, devido ao amplo
véu negro – em italiano, mantello – que lhes cobria o hábito e descia quase até
os joelhos.
Não
tardou o superior em discernir nas súplicas daquela adolescente um especial
desígnio da Providência. A pressa de entregar-se a Deus com tão pouca idade era
sinal de grande vocação e São Filipe acedeu a seu pedido, concedendo-lhe o
mantello.
Estar
revestida de um tecido de lã rústica, símbolo dos tormentos padecidos por
Cristo e sua Mãe Santíssima, constituiu um imenso gáudio para Juliana. Não
obstante, maior foi sua compenetração da necessidade de levar uma vida quase
monástica, apesar de ainda seguir morando em sua residência.
Penitências
e jejuns passaram a ser um meio de sofrer por Cristo e com Cristo: às quartas e
sextas-feiras não se alimentava a não ser da Sagrada Eucaristia; aos sábados,
apesar de consentir em tomar um pouco de pão e água, castigava seu corpo com
cilícios, cadeias de ferros e outros instrumentos usados para este fim, os
quais só foram encontrados após sua morte.
Aumentando
cada vez mais suas orações, permanecia pouco tempo em casa e muito na igreja,
absorta em contemplação, junto à imagem da Virgem com seu Filho crucificado.
Configurar-se com
o espírito de São Filipe Benício
Depois
de admitir Juliana na ordem, São Filipe Benício permaneceu mais um tempo em
Florença, confirmando quanto a pressa dela de entregar-se tão jovem correspondia
ao que parecia ser uma pressa de Deus por cumulá-la de graças. Pôde o Santo
comprovar pessoalmente, então, as maravilhas de virtude que o Altíssimo
colocava naquela alma privilegiada, e Juliana via nele o caminho que a conduzia
a Deus, constituindo-o seu modelo e seu guia. Entre a discípula e o mestre
criou-se um relacionamento repleto de admiração, numa inteira confiança
recíproca.
Após
a partida de São Filipe para o Céu, ela se propôs a imitá-lo com todas as
forças de sua alma, seguindo com empenho os conselhos que dele recebera,
guardados como um tesouro em seu coração. O mesmo fervor que a levara a pedir o
hábito, a impulsionava agora a configurar-se com o espírito e a mentalidade do
Santo. Na alma deste varão, ela via representado todo o ideal da instituição
dos servitas.
Não
tardaram a juntar-se a ela várias outras mantellate que, progredindo muito na
vida espiritual, desejavam abraçar uma via de maior perfeição. Algumas delas –
Beata Joana Soderini, Beata Subilia Palmieri, Beata Francisca Cammilli, Beatas
Agnesa e Angela Uguccioni, Beata Rosa de Siena – seriam elevadas à honra dos
altares. Até a própria mãe de Juliana se sentiu entusiasmada a seguir seus
passos.
Estruturação de
um ramo feminino servita
Em
nada Juliana decepcionava suas discípulas. A pressa em praticar atos de amor
crescia dia a dia em sua alma, dando azo a novas mortificações: flagelava-se
com frequência, concedia ao descanso brevíssimo tempo e dormia sobre o chão
duro.
Quando
sua mãe entregou a alma a Deus, nossa Santa resolveu – com o consentimento do
segundo sucessor de São Filipe Benício, André del Borgo do Santo Sepulcro –
passar a viver em regime conventual, com suas seguidoras. Começava a se
constituir por suas mãos um novo gênero de vida religiosa, que teria sua aprovação
definitiva, enquanto congregação, no século seguinte, com uma bula do Papa
Martinho V. E em 1718 a Sagrada Congregação dos Ritos, no decreto de
autorização do Ofício de Santa Juliana, a declara fundadora deste ramo
feminino: “Fundatricis Sororum B. M. V.”.2
Suas
irmãs de vocação a tinham, de fato, como superiora, tanto por ter sido uma das
primeiras a receber o hábito como por suas virtudes. Considerando-se, todavia,
a última entre todas, a Santa surpreendeu-se ao ouvir a unânime voz das
religiosas: “Juliana seja a nossa guia, Juliana, a nossa mestra; a Juliana, a
quem obedecemos até agora com tácito consenso, desejamos doravante obedecer
expressamente como nossa priora”.3 Prostrada em terra e com lágrimas, tentava
ela ver-se livre da nomeação, lembrando a todas as suas insuficiências. Mas o
superior geral, sem dar-lhe ouvidos, a incitou a aceitar o cargo e ela se
submeteu, vendo na vontade dele, a de Deus.
Apesar
de não faltar ardor e zelo na comunidade nascente, era necessário preparar uma
regra que ajudasse as religiosas a estruturar suas vidas em função do ideal da
fundação. Julgando ter chegado o momento oportuno para redigir o regulamento
das novas irmãs, Juliana pôs mãos à obra, aconselhando-se com seu santo tio,
Aleixo Falconieri, que ainda vivia.
Amor primaveril
intensificado pela observância da regra
Uma
vez tendo entrado em vigor a regra, ela mesma pôs-se a observá-la com a maior
exatidão, governando a comunidade com singular prudência. Sabia que a dupla
condição de fundadora e superiora em nada a isentava desta observância. Pelo
contrário, dela exigia um exemplo de maior fidelidade. Movida por tão poderoso
estímulo, toda a comunidade tornou-se um modelo de retidão de costumes para
toda a cidade de Florença.
O
amor primaveril de Juliana em nada diminuíra com a regra, inclusive se
intensificara com o cumprimento dela. Tornou-se frequente que de seus lábios
saísse esta exclamação: “ninguém tira de meu coração o meu amor Crucificado!”.4
Fruto deste amor era um vivíssimo ódio ao pecado. Só com ouvir pronunciar esta
palavra sentia um enorme horror; certa vez chegou a cair sem sentidos ao
ser-lhe narrado o relato de uma ofensa feita a Deus.
E
não faltaram em sua vida as obras de caridade: empregava muito tempo em cuidar
dos doentes nos hospitais e distribuiu entre os pobres, com alegria, as muitas
riquezas de sua família.
Amor em resposta
ao amor
Uma
existência inteira consumida na pressa de sofrer para dar provas de amor não
podia ficar sem resposta da parte de Deus, e Ele reservou para o fim de seu
percurso terreno a maior demonstração do divino amor.
No
ano de 1341, encontrava-se Juliana em grave estado de saúde. Seu estômago,
debilitado por tantas penitências, já não retinha os alimentos. Os médicos
declararam-se impotentes ante o avanço da enfermidade e anunciaram estar
próxima sua partida deste mundo. Sem interromper o colóquio com o Anjo da
Guarda e a meditação acerca das dores da Virgem Santíssima, em cuja honra
tomara o hábito, Juliana permanecia com os olhos fixos no Crucificado. As horas
que ainda lhe restavam pareciam longas, por sua enorme ânsia de estar
definitivamente com Ele.
Algo,
entretanto, a fazia sofrer sobremaneira: já não podia receber o Pão Sagrado, o
qual fora o principal sustento de sua vida e havia sido praticamente seu único
alimento naqueles últimos dias. Desconsolada, durante a Unção dos Enfermos,
Juliana pedia ao sacerdote que pelo menos lhe permitisse oscular a Sagrada
Hóstia. Não sendo atendida, rogou com lágrimas que, então, ele consentisse em
aproximá-la ao máximo e a depositasse em seu peito.
Vendo
a caridade ardente com que aquela súplica era feita, o ministro de Deus decidiu
conceder-lhe esta derradeira graça. Estendeu-lhe no peito virginal um véu e
sobre ele o corporal, e neste depositou a Forma Consagrada. Tomando um pouco de
fôlego, conseguiu ela dizer: “Ó meu doce Jesus”. E expirou! Para a admiração de
todos que a rodeavam, a Sagrada Hóstia desaparecera.
As
religiosas, porém, logo viram esclarecido o maravilhoso fenômeno. Ao prepararem
para o sepultamento o castíssimo corpo de sua fundadora, constataram, cheias de
enlevo, a marca da Sagrada Hóstia impressa em seu peito: penetrando os tecidos
e até as carnes de Juliana, Jesus entrara em seu coração para atender as
últimas aspirações de quem tanto O amara. Deixava patente, assim, o quanto a
plenitude do amor divino ultrapassava a pressa de amá-Lo que abrasara o coração
da Santa durante toda a sua vida.
Revista
Arautos do Evangelho, Julho-2016
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