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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Santa Juliana Falconieri


Pressa é uma palavra que a cada dia está mais presente na vida de todos. Quanto mais se acelera o ritmo de vida, menos se tem tempo para fazer as coisas. Ver pessoas apressadas é o comum em nosso cotidiano. Tem-se pressa para chegar ao trabalho, pressa para retornar a casa, pressa para não faltar a um compromisso, pressa, pressa, pressa… Sem dúvida, sempre atrás dos interesses pessoais!
Pressa é o que se encontra também na vida de uma dama oriunda de ilustre família da república florentina: Juliana Falconieri. No entanto, desta vez, os interesses são outros…
Uma nobre e piedosa família de Florença
Naqueles idos anos do século XIII, Florença tornara-se uma das maiores maravilhas da Itália, pela beleza de sua arquitetura, o rico comércio nela desenvolvido e o valor dos tecidos, pinturas e demais obras de arte ali produzidas.
Tais maravilhas, porém, não conseguiam satisfazer os anseios de sete prósperos comerciantes da cidade, que buscavam um tesouro muito mais precioso. Para obtê-lo, decidiram dedicar-se ao serviço da mais alta das soberanas: Maria Santíssima. E tanto os uniu e elevou este sublime exercício que, deixando na penumbra seus respectivos nomes de família, passaram eles para a História como os Sete Santos Fundadores da Ordem dos Servos de Maria, os servitas.
Caríssimo Falconieri, pai de Juliana, conhecia-os de perto, pois um deles era seu irmão Aleixo. Abastado e bem-sucedido, aquele não era indiferente à exemplar piedade deste. Passou Caríssimo por um estado de conversão e teve escrúpulos de haver sido desonesto em algum de seus negócios, pelo que, como eventual reparação, deu muitas esmolas. Financiou também a construção de uma igreja em louvor de Nossa Senhora da Anunciação, em cujo interior haveriam de repousar seus restos, sob o epitáfio: “Sepulcro do próvido varão, o senhor Caríssimo de Falconieri, que para remédio de sua alma fez alicerçar, edificar e concluir esta Igreja em louvor de Deus e da Bem-Aventurada e gloriosa Virgem”.
A atitude modelar do aristocrata florentino marcou de forma decisiva outro membro desta abençoada família: a própria filha, que lhe fora concedida pela Providência em 1270, quando ele e sua esposa estavam já em idade avançada.

Alma cheia de grandes e pressurosos desejos
Havendo perdido o piedoso pai quando muito pequena, Juliana sujeitou-se com agrado à influência de seu tio religioso, cuja longa vida de humildade, dedicação e entrega a tocavam mais a fundo do que a caritativa generosidade do progenitor. Aleixo, por sua parte, reconhecendo a bênção incomum que pairava sobre sua sobrinha, fazia notar à cunhada que não havia dado à luz uma menina, mas um “anjo”…
Com a alma sempre voltada para as realidades superiores, a pequena progredia com rapidez nas vias da virtude. Desprezava os prazeres fúteis, os adornos extravagantes, os trajes da moda e os vistosos penteados. Não perdia um instante sequer de seu tempo contemplando-se no espelho; empregava-o em práticas mais valiosas, como orações, leituras espirituais e cânticos de salmos em louvor a Deus e sua Mãe Santíssima.
Aos 14 anos, seus muitos dotes naturais e espirituais levaram os familiares a lhe procurarem um futuro brilhante. Dentre os muitos moços de sua geração desejosos de desposá-la, os olhos de sua progenitora fixaram-se em Falco, um cavaleiro de boas posses e distinta família. Vendo a afeição do rapaz por ela, a mãe tentava persuadi-la a aceitar tão bom partido, almejando concluir logo aquela aliança.
Contudo, Juliana também tinha pressa de ver realizadas suas aspirações. Quais eram elas? Estudos? Fama? Matrimônio?
Não, em sua alma ardia outro anelo: o de entregar-se, dar-se, custasse o que custasse. Tinha pressa de retribuir a Deus tudo quanto havia recebido, de consagrar-se a Ele, de meditar em suas dores e de sofrer por Ele! Sofrer? Sim, porque para as almas retas a oblação é uma bela maneira de manifestar a gratidão a Deus e retribuir-Lhe seu amor. Quem tem pânico de imolar-se está num estado de alma incompatível com o amor.
Consagrada a Deus com apenas 14 anos
Em 1284, resistindo aos insistentes pedidos e às lágrimas maternas, fez o voto de virgindade. Dócil aos conselhos do tio e admirada por sua conduta, pedia ela para também fazer parte dos servitas. 
À época, já era São Filipe Benício o superior geral da ordem. Sob sua direção, ela se havia propagado por toda a península italiana e para além de suas fronteiras. Havia-se criado, ademais, debaixo de sua influência, um grupo de damas que daria origem às religiosas terciárias da Ordem dos Servitas. Entre elas contava-se uma prima de Juliana, chamada Joana, e uma irmã do próprio São Filipe. Elas se tornaram conhecidas pelo nome de mantellate, devido ao amplo véu negro – em italiano, mantello – que lhes cobria o hábito e descia quase até os joelhos.
Não tardou o superior em discernir nas súplicas daquela adolescente um especial desígnio da Providência. A pressa de entregar-se a Deus com tão pouca idade era sinal de grande vocação e São Filipe acedeu a seu pedido, concedendo-lhe o mantello.
Estar revestida de um tecido de lã rústica, símbolo dos tormentos padecidos por Cristo e sua Mãe Santíssima, constituiu um imenso gáudio para Juliana. Não obstante, maior foi sua compenetração da necessidade de levar uma vida quase monástica, apesar de ainda seguir morando em sua residência.
Penitências e jejuns passaram a ser um meio de sofrer por Cristo e com Cristo: às quartas e sextas-feiras não se alimentava a não ser da Sagrada Eucaristia; aos sábados, apesar de consentir em tomar um pouco de pão e água, castigava seu corpo com cilícios, cadeias de ferros e outros instrumentos usados para este fim, os quais só foram encontrados após sua morte.
Aumentando cada vez mais suas orações, permanecia pouco tempo em casa e muito na igreja, absorta em contemplação, junto à imagem da Virgem com seu Filho crucificado.
Configurar-se com o espírito de São Filipe Benício
Depois de admitir Juliana na ordem, São Filipe Benício permaneceu mais um tempo em Florença, confirmando quanto a pressa dela de entregar-se tão jovem correspondia ao que parecia ser uma pressa de Deus por cumulá-la de graças. Pôde o Santo comprovar pessoalmente, então, as maravilhas de virtude que o Altíssimo colocava naquela alma privilegiada, e Juliana via nele o caminho que a conduzia a Deus, constituindo-o seu modelo e seu guia. Entre a discípula e o mestre criou-se um relacionamento repleto de admiração, numa inteira confiança recíproca.
Após a partida de São Filipe para o Céu, ela se propôs a imitá-lo com todas as forças de sua alma, seguindo com empenho os conselhos que dele recebera, guardados como um tesouro em seu coração. O mesmo fervor que a levara a pedir o hábito, a impulsionava agora a configurar-se com o espírito e a mentalidade do Santo. Na alma deste varão, ela via representado todo o ideal da instituição dos servitas.
Não tardaram a juntar-se a ela várias outras mantellate que, progredindo muito na vida espiritual, desejavam abraçar uma via de maior perfeição. Algumas delas – Beata Joana Soderini, Beata Subilia Palmieri, Beata Francisca Cammilli, Beatas Agnesa e Angela Uguccioni, Beata Rosa de Siena – seriam elevadas à honra dos altares. Até a própria mãe de Juliana se sentiu entusiasmada a seguir seus passos.
Estruturação de um ramo feminino servita
Em nada Juliana decepcionava suas discípulas. A pressa em praticar atos de amor crescia dia a dia em sua alma, dando azo a novas mortificações: flagelava-se com frequência, concedia ao descanso brevíssimo tempo e dormia sobre o chão duro.
Quando sua mãe entregou a alma a Deus, nossa Santa resolveu – com o consentimento do segundo sucessor de São Filipe Benício, André del Borgo do Santo Sepulcro – passar a viver em regime conventual, com suas seguidoras. Começava a se constituir por suas mãos um novo gênero de vida religiosa, que teria sua aprovação definitiva, enquanto congregação, no século seguinte, com uma bula do Papa Martinho V. E em 1718 a Sagrada Congregação dos Ritos, no decreto de autorização do Ofício de Santa Juliana, a declara fundadora deste ramo feminino: “Fundatricis Sororum B. M. V.”.2
Suas irmãs de vocação a tinham, de fato, como superiora, tanto por ter sido uma das primeiras a receber o hábito como por suas virtudes. Considerando-se, todavia, a última entre todas, a Santa surpreendeu-se ao ouvir a unânime voz das religiosas: “Juliana seja a nossa guia, Juliana, a nossa mestra; a Juliana, a quem obedecemos até agora com tácito consenso, desejamos doravante obedecer expressamente como nossa priora”.3 Prostrada em terra e com lágrimas, tentava ela ver-se livre da nomeação, lembrando a todas as suas insuficiências. Mas o superior geral, sem dar-lhe ouvidos, a incitou a aceitar o cargo e ela se submeteu, vendo na vontade dele, a de Deus.
Apesar de não faltar ardor e zelo na comunidade nascente, era necessário preparar uma regra que ajudasse as religiosas a estruturar suas vidas em função do ideal da fundação. Julgando ter chegado o momento oportuno para redigir o regulamento das novas irmãs, Juliana pôs mãos à obra, aconselhando-se com seu santo tio, Aleixo Falconieri, que ainda vivia.
Amor primaveril intensificado pela observância da regra
Uma vez tendo entrado em vigor a regra, ela mesma pôs-se a observá-la com a maior exatidão, governando a comunidade com singular prudência. Sabia que a dupla condição de fundadora e superiora em nada a isentava desta observância. ­Pelo contrário, dela exigia um exemplo de maior fidelidade. Movida por tão poderoso estímulo, toda a comunidade tornou-se um modelo de retidão de costumes para toda a cidade de Florença.
O amor primaveril de Juliana em nada diminuíra com a regra, inclusive se intensificara com o cumprimento dela. Tornou-se frequente que de seus lábios saísse esta exclamação: “ninguém tira de meu coração o meu amor Crucificado!”.4 Fruto deste amor era um vivíssimo ódio ao pecado. Só com ouvir pronunciar esta palavra sentia um enorme horror; certa vez chegou a cair sem sentidos ao ser-lhe narrado o relato de uma ofensa feita a Deus.
E não faltaram em sua vida as obras de caridade: empregava muito tempo em cuidar dos doentes nos hospitais e distribuiu entre os pobres, com alegria, as muitas riquezas de sua família.
Amor em resposta ao amor
Uma existência inteira consumida na pressa de sofrer para dar provas de amor não podia ficar sem resposta da parte de Deus, e Ele reservou para o fim de seu percurso terreno a maior demonstração do divino amor.
No ano de 1341, encontrava-se Juliana em grave estado de saúde. Seu estômago, debilitado por tantas penitências, já não retinha os alimentos. Os médicos declararam-se impotentes ante o avanço da enfermidade e anunciaram estar próxima sua partida deste mundo. Sem interromper o colóquio com o Anjo da Guarda e a meditação acerca das dores da Virgem Santíssima, em cuja honra tomara o hábito, Juliana permanecia com os olhos fixos no Crucificado. As horas que ainda lhe restavam pareciam longas, por sua enorme ânsia de estar definitivamente com Ele.
Algo, entretanto, a fazia sofrer sobremaneira: já não podia receber o Pão Sagrado, o qual fora o principal sustento de sua vida e havia sido praticamente seu único alimento naqueles últimos dias. Desconsolada, durante a Unção dos Enfermos, Juliana pedia ao sacerdote que pelo menos lhe permitisse oscular a Sagrada Hóstia. Não sendo atendida, rogou com lágrimas que, então, ele consentisse em aproximá-la ao máximo e a depositasse em seu peito.
Vendo a caridade ardente com que aquela súplica era feita, o ministro de Deus decidiu conceder-lhe esta derradeira graça. Estendeu-lhe no peito virginal um véu e sobre ele o corporal, e neste depositou a Forma Consagrada. Tomando um pouco de fôlego, conseguiu ela dizer: “Ó meu doce Jesus”. E expirou! Para a admiração de todos que a rodeavam, a Sagrada Hóstia desaparecera.
As religiosas, porém, logo viram esclarecido o maravilhoso fenômeno. Ao prepararem para o sepultamento o castíssimo corpo de sua fundadora, constataram, cheias de enlevo, a marca da Sagrada Hóstia impressa em seu peito: penetrando os tecidos e até as carnes de Juliana, Jesus entrara em seu coração para atender as últimas aspirações de quem tanto O amara. Deixava patente, assim, o quanto a plenitude do amor divino ultrapassava a pressa de amá-Lo que abrasara o coração da Santa durante toda a sua vida.

Revista Arautos do Evangelho, Julho-2016

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