“Exultai no Senhor,
ó justos” (Sl 32, 1); “Felizes aqueles cuja vida é pura, e seguem a Lei do
Senhor” (Sl 118, 1). Estes e muitos outros ensinamentos dos Salmos poderiam ser
citados, para mostrar o quanto a virtude e a verdadeira alegria andam sempre de
mãos dadas.
O íntimo
relacionamento entre ambas aparece especialmente visível no Santo cuja vida
contemplaremos aqui: São Crispim de Viterbo. Com propriedade realçou São João
Paulo II em sua homilia, ao canonizar este irmão leigo capuchinho do século
XVII: “O primeiro aspecto de santidade que desejo fazer notar em São Crispim é
o da alegria”.1
Consagrado desde criança a sua “Mãe e Senhora”
Ele veio ao mundo a
13 de novembro de 1668, em Viterbo, cidade então pertencente aos Estados
Pontifícios, e dois dias depois foi batizado na Igreja de São João Batista,
recebendo o nome do avô: Pedro. Seus pais, Ubaldo e Marzia Fioretti, eram de
condição humilde, porém muito respeitados por sua conduta digna e piedosa.
Sendo Pedro ainda
muito criança, o pai veio falecer, mas não sem antes confiar ao seu irmão
Francisco a formação do pequeno. Marzia, por seu lado, empenhava-se em dar-lhe
esmerada educação religiosa e moral.
Quando contava cinco
anos de idade, ela o levou em peregrinação ao Santuário de Santa Maria della
Quercia, a fim de consagrá-lo a Nossa Senhora. Lá chegando, ambos se ajoelharam
diante da bela imagem e a mãe disse ao filho: “Estás vendo? Esta é a tua Mãe, e
eu agora te entrego a Ela. Procura amá-La sempre de todo o coração e honrá-La
como tua Senhora”.2 Tais palavras calaram tão fundo na alma do menino que, até
o fim da vida, jamais deixou de dirigir-se à Virgem Santíssima sem chamá-la de
“Mãe e Senhora”.
Melhor um santo magro, que um pecador forte
Desde a mais terna
infância, comenta um de seus biógrafos, Pedro manifestou ter um temperamento
extremamente dócil e agradável, acompanhado por uma alegria contagiante,
qualidades estas que “demonstravam as mais vantajosas predisposições para
avançar nas vias da virtude e pressagiavam sua futura santidade”.3
Com um pouco mais de
idade, adquiriu o costume de fazer sacrifícios e penitências. Jejuava a pão e
água nos sábados e nas vigílias das festas de Nossa Senhora — e assim continuou
a fazer quando adulto —, mesmo se estava doente. Vendo a criança sempre
franzina e com a saúde debilitada, o tio Francisco dizia com rude franqueza a
Marzia que ela servia “para criar frangos, e não filhos, pois Pedro não crescia
porque não comia”.4 A boa mãe, entretanto, nada contestava, pois conhecia bem
as causas da fraqueza do menino...
Preocupado, o tio
passou a vigiar pessoalmente a alimentação de Pedro. E logo descobriu que o
problema estava no espírito de sacrifício do jovenzinho, e não na falta de
alimentos. Desculpou-se, então, junto à cunhada, dizendo-lhe: “Deixa-o fazer o
que quer, afinal é melhor ter em casa um magro santo, que um pecador forte”.5
Aos dez anos, já
ajudava como coroinha nas Santas Missas e demais tarefas de sacristão. Nessa
época foi estudar gramática com os padres jesuítas e trabalhava como sapateiro
junto com seu tio Francisco, ofício que exerceu até os 25 anos. Com o dinheiro
obtido costumava comprar no mercado da cidade as melhores e mais belas flores
para depositá-las aos pés de sua “Mãe e Senhora”.
“Por que choras, minha mãe?”
Em 1693 uma terrível
seca assolou grande parte da Itália. Os habitantes de Viterbo fizeram uma procissão
penitencial para implorar a Deus misericórdia e o jovem sapateiro fez questão
dela participar. No trajeto, tomou contato com alguns frades de hábito marrom,
que caminhavam e rezavam com modéstia e compenetração angélica. Eram filhos de
São Francisco de Assis, e seu virtuoso aspecto despertou na alma do rapaz o
desejo de seguir a vida religiosa.
Seguro de haver
encontrado sua vocação, pediu ao padre provincial para ser aceito numa das
comunidades da ordem. Depois de examiná-lo bem, o superior entregou-lhe uma
carta de admissão e encaminhou-o ao noviciado de Palanzana. Pedro a mostrava
aos conhecidos e familiares, dizendo: “Adeus pátria, adeus parentes, adeus
amigos, adeus a todos. Agora já sou filho do Seráfico Patriarca e meu lugar é
entre os irmãos leigos capuchinhos”.6 Tal era sua alegria que ninguém ousava
dissuadi-lo de ser religioso. Sem embargo, sugeriam-lhe, em vão, ingressar em
outra ordem menos austera, na qual pudesse seguir a via sacerdotal.
Vendo sua mãe
chorar, angustiada por sua partida, disse-lhe com muito respeito: “Por que
choras, minha mãe? Não me consagraste a Deus e à Santíssima Virgem quando eu
tinha apenas cinco anos? Como agora queres reter contigo aquilo que doastes? A
doação foi feita de livre e espontânea vontade, e com minha anuência. Portanto,
é preciso cumpri-la e resignar-se”.7
Um jovem franzino na austera vida capuchinha
Cheio de alegria
juntou seus pertences e partiu para o noviciado, em companhia de outros quatro
jovens aparentados com ele. No caminho, o demônio tentou atrapalhá-lo de
diversos modos. Em determinado ponto do percurso, surgiu um feroz mastim
avançando certeiro em sua direção. Sem vacilar, ele recorreu ao auxílio da
Santíssima Virgem e o animal estancou como impedido por uma mão potente, e
embrenhou-se numa vinha, desaparecendo dos seus olhares.
No dia 4 de julho
daquele ano de 1693, chegaram ao convento de Palanzana. O mestre de noviços,
vendo a mirrada compleição física de Pedro, concluiu que não estava em
condições de suportar as austeridades da regra capuchinha, e decidiu
rejeitá-lo. Pedro lançou-se a seus pés e suplicou que o recebesse. Afinal,
depois de passar por diversas provas, o jovem conseguiu ser admitido.
Na festa de Santa
Maria Madalena, 22 de julho, revestiu-se do hábito de São Francisco e, conforme
o costume das ordens religiosas, adotou um novo nome: frei Crispim, em
homenagem ao mártir São Crispim, padroeiro dos sapateiros.
Sua primeira
ocupação foi cuidar da horta do convento, junto com outros irmãos leigos.
Aceitando a incumbência com prontidão, trabalhava durante quatro ou cinco horas
debaixo do Sol, com maior empenho e força que os demais, apesar de sua frágil
compleição física. Para todos era edificante vê-lo executar suas tarefas, por
mais árduas que fossem, não só sem reclamar, senão até com alegria.
“Frei Andorinha do Senhor”
Vendo-o mais maduro
na vocação, o mestre de noviços deu-lhe novo encargo: acompanhar o irmão
esmoler. No exercício da função, frei Crispim deu mostras de virtudes incomuns
e de notável espírito evangelizador.
Antes de sair do
convento, cantava o hino Ave Maris Stella e partia de rosário em punho. No
caminho, catequizava a quem encontrava, obtendo de muitas pessoas uma
verdadeira mudança de vida.
Em pouco tempo, o
jovem religioso ficou conhecido pelas redondezas. Muitas pessoas acorriam a ele
para entregar suas doações, pedindo em troca outra “esmola” ainda mais valiosa:
a de suas palavras e orações. A cada um ele respondia com uma inocência ímpar;
por vezes, dizia ao interessado para voltar daí a pouco, pois precisava antes
conversar com sua “Mãe e Senhora”.
A confiança por ele
despertada nos seus interlocutores era tal, que muitos saíam de sua presença
com a certeza de já terem alcançado a graça almejada. Tanto que a piedade dos
que eram beneficiados levava-os a cortarem pedaços de seu manto para guardá-los
como relíquia.
Certa vez um irmão professo,
de grande bondade e simplicidade, notou num recanto do convento um ninho de
andorinhas e observou, admirado, com quanta alegria o casal se esforçava para
alimentar seus filhotes. Associando aquela imagem à alegria com a qual frei
Crispim se fatigava para suprir as necessidades dos seus irmãos de hábito,
apelidou-o de “frei Andorinha do Senhor”.8
Provações e trabalhos durante o noviciado
Em meio às suas
obrigações, nosso Santo não abandonava as penitências corporais e as
mortificações, nas quais encontrava força sobrenatural para superar as
insuficiências da humana natureza. Ora, como sói acontecer, o demônio
aproveitou-se disso para tentá-lo a perder o ânimo.
Instilou-lhe o
inimigo infernal pensamentos de que ele se penitenciava por amor-próprio e para
não ser expulso da ordem e, portanto, não era o amor a Deus que o movia, mas o
egoísmo. Tão grandes foram as provas que, apesar de nunca cair em má tristeza,
sua fisionomia mudou: refletia a preocupação por pensar estar desagradando a
Nosso Senhor e sua Santíssima Mãe.
Percebendo a trama
diabólica, o mestre de noviços e seu confessor deram-lhe ordem formal, em nome
da santa obediência, de recusar imediatamente tais escrúpulos provenientes do
demônio. Frei Crispim obedeceu e logo recuperou a paz de alma, recobrando a
serenidade de seu semblante.
Todos os noviços o
tinham como modelo de perfeição religiosa e de caridade fraterna. A tal ponto
que o próprio mestre de noviços dizia a seus subalternos: “Fazei como frei
Crispim”.9
Em uma ocasião, um
frade foi acometido de tuberculose. Temendo o contágio dos demais irmãos,
decidiram os superiores mantê-lo separado da comunidade. Necessário era
designar-lhe um bom enfermeiro. Conhecedores da caridade e presteza de frei
Crispim, confiaram-lhe tal responsabilidade. O jovem dedicou-se com tanto amor
e cuidado ao irmão doente, que arrancou deste a seguinte exclamação: “Este frei
Crispim não é um noviço, mas sim um Anjo!”.10
Desempenhando os mais humildes ofícios
Tendo feito sua
profissão perpétua, frei Crispim foi designado como cozinheiro
do convento de Tolfa e para lá se dirigiu. Com sua chegada, mudou radicalmente
o ambiente da cozinha. Erigiu ali um pequeno altar com uma imagem da Santíssima
Virgem, à qual dirigia contínuas orações, e aplicou às coisas práticas a máxima
de São Bernardo: a pobreza nunca deve excluir a limpeza. Todos os que entravam
naquelas dependências ficavam edificados com a ordem e boa disposição que
reinavam numa parte tão prosaica do convento.
Vários foram os
outros conventos pelos quais o Santo passou nos seus cinquenta anos de vida
religiosa: Monterotondo, Roma, Albano e Orvieto. Em cada um desempenhou os
ofícios mais simples, com humildade e despretensão singulares.
Qualquer que fosse a função recebida, a alegria e o espírito sobrenatural nunca
o abandonavam. E não poucos foram os milagres operados por ele ainda em vida,
como a cura de diversos doentes durante uma epidemia que grassou pela Itália,
apenas tocando-os ou traçando sobre eles o sinal da Cruz com sua medalha de
Nossa Senhora.
Prelados, nobres e
sábios iam à sua procura para suplicar-lhe a cura da peste ou tão só para
sentir o bom odor da santidade exalado por sua pessoa. O Cardeal de Tremoglie,
Ministro da França, foi curado de grave doença ao comer um
funghi especial que o Santo lhe dera, depois de apresentá-lo a Maria Santíssima
com este fim. Até o próprio Papa Clemente XI deleitava-se em conversar com ele
e o ia buscar em Albano, quando ali residia.
A paz e alegria da boa consciência
Em 1750, mesmo
estando com a saúde muito debilitada e já acamado, sua habitual alegria não o
abandonou. Havia regressado ao convento de Roma e não querendo atrapalhar a
celebração da memória de São Félix de Cantalice, um capuchinho de sua devoção
canonizado havia poucas décadas, frei Crispim declarou ao enfermeiro que só
morreria depois dos dois dias dedicados à sua memória na época: 17 e 18 de
maio. E, efetivamente, assim aconteceu: o Senhor o levou no dia 19, aos 82
anos.
Uma verdadeira
multidão acorreu aos seus funerais. Todos imploravam graças ou procuravam obter
alguma relíquia. Os milagres não tardaram em multiplicar-se. No coração de
muitos de seus devotos, decerto, ressoava uma frase que ele repetia, quando lhe
pediam para definir a santidade: “Quem ama a Deus com pureza de coração, vive
feliz e morre contente”.11
Esta frase bem
resume toda a sua vida!
De fato, só aquele
que cumpre a própria missão é capaz de ter genuína alegria, pois está em paz
com Deus. Leva na alma, ensina Mons. João Scognamiglio Clá Dias, “a paz
verdadeira, a da boa consciência de quem pratica a virtude e dá as costas ao
pecado”.12
1 SÃO
JOÃO PAULO II. Homilia na canonização de São Crispim de Viterbo, 20/6/1982.
2 NIZZA,
Bonifazio da. Vita del B. Crispino da Viterbo. Roma: Salomoni, 1806, p.2.
3 Idem,
p.1.
4 Idem,
p.7.
5 Idem,
ibidem.
6 Idem,
p.9.
7 Idem,
ibidem.
8 BASSANO,
Alessandro da. Vita del Servo di Dio F. Crispino da Viterbo: religioso laico
professo dell’Ordine de’Frati Minori di S. Francesco Cappuccini. Venezia:
Giovanni Tevernin, 1752, p.19.
9 CORDOVANI,
Rinaldo. Crispino da Viterbo. Cenni biografici. In: Biblioteca Società.
Viterbo. Vol. XXVII. Fasc. 4 (2008); p.5.
10 BASSANO,
op. cit., p.21.
11 LANGA,
OSA, Pedro. San Crispín de Viterbo. In: ECHEVERRÍA, Lamberto de; LLORCA, SJ,
Bernardino; REPETTO BETES, José Luis (Org.). Año Cristiano. Madrid: BAC, 2004,
v.V, p.428.
12 CLÁ
DIAS, EP, João Scognamiglio. A santa alegria dos humildes. In: O inédito sobre
os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2013, v.II,
p.188-189.
Nenhum comentário:
Postar um comentário