Observando atentamente a História com os olhos da Fé,
contemplamos os “passos de Deus” conduzindo os acontecimentos, segundo seus
desígnios. Para tal, não é incomum a escolha do Altíssimo recair sobre os mais
débeis e simples de coração, para maior confusão dos soberbos. Várias figuras
do Antigo Testamento dão testemunho disso, como Gedeão, Davi, Judith, Ester e
muitos outros. E se avançarmos Novo Testamento adentro, encontraremos ainda,
entre tantos, Santa Joana d’Arc, São João Bosco, Santa Bernadette ou os
pastorinhos de Fátima.
Assim o afirma São Paulo: “O que é fraco no mundo,
Deus o escolheu para confundir os fortes” (I Cor 1, 27). Sendo Ele mesmo a
Humildade, Se esconde atrás dos humildes para tornar evidente sua ação. E para
as dificuldades de cada época histórica Ele dá a solução, a resposta e o
remédio certo, segundo as exigências do momento.
Para fazer face à irreligião e ateísmo crescentes nos
fins do século XVII, suscitou Deus, de diversos modos e em lugares distintos,
almas de escol, a fim de reconduzir a humanidade que se perdia no pecado e na
incredulidade. Entre estas houve uma que foi, sem dúvida, nas palavras de Louis
Veuillot, a “resposta divina a todos os vitoriosos do campo de batalha, da
política e das academias”1, e cujas orações, conforme afirmação do Cardeal
Salotti, “tinham diante de Deus mais poder que os exércitos napoleônicos”: a
Beata Anna Maria Taigi.
Infância no
seio da honrada burguesia de Sena
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDzybvXq51Ddaen1ZtwvOlI6ssu920eWmupgEZa_l0ZKxE3hOkRGmFW5GFV9ON1CshgQ_aEQXcnJjyeKBcEl4FK8uRDHy0AiFDFk4DR3Tdcc16SDD1vNA7jPTz701JbIZCiQkwOXPa_odF/s320/Beata+Ana+Maria+Taigi.jpg)
Entretanto, os anos de alegria duraram pouco, pois
Luigi, de espírito imprevidente e extravagante, não tardou em ter de vender
tudo a fim de pagar suas dívidas e abandonar a cidade. Na completa ruína, todavia
com a honra salva, decidiu recomeçar a vida bem longe. E para tal escolheu a
Cidade Eterna.
Os primeiros
anos em Roma
A vida em Roma trouxe uma mudança radical nos hábitos
da família, que passou a morar em uma pobre e pequena casa no bairro Monti. Os
pais de Anna viram-se obrigados a trabalhar como empregados em casas de
família, ganhando tão somente o necessário para garantir parca alimentação.
Nesse período, a pequena Anna foi matriculada na
escola gratuita da Via Graziosa, sob os cuidados do Instituto Maestre Pie Filippine. Por suas maneiras
distintas, espírito afetuoso e verdadeira piedade, a menina tornou-se a alegria
das irmãs encarregadas da escola. Ali aprendeu lições de religião, leitura,
cálculo e trabalhos domésticos, mas da arte da escrita só soube grafar o
próprio nome, pois foi obrigada a interromper seus estudos devido a uma
epidemia de varíola.
Não mais frequentando os bancos escolares, viu-se na
contingência de trabalhar a fim de ajudar nas despesas familiares. Empregou-se
em um pequeno ateliê, onde cardava a seda e cosia. Regressando do trabalho,
dedicava-se às prendas domésticas. Ao contrário dos pais, mesmo na adversidade,
a jovem mantinha um constante sorriso.
Vida
de vaidades mundanas
Com o passar dos anos, Anna tornou-se uma bela e
vaidosa moça, sonhando em constituir um feliz e próspero lar. Interessava-se
muito pela literatura romântica da época e era assídua na participação de
festas e bailes.
Em 1787, abandonou o trabalho no ateliê para
empregar-se como doméstica no Palácio Maccarani, onde trabalhava o pai. A
patroa, a senhora Maria Serra Marini, satisfeita com a nova empregada, ofereceu
ofício também à mãe, bem como alguns cômodos no palácio, e para lá se trasladou
a família Giannetti.
A senhora Serra Marini, encantada com a jovem, não
cessava de elogiá-la, deixando-a cada vez mais vaidosa. Presenteava-a com os
vestidos que não mais queria usar, e Anna os aceitava comprazida. A influência
desta vida mundana, aliada a seu temperamento amável e extrovertido, ameaçavam
sua honestidade, e só não caiu nos abismos do mal graças a seus bons princípios.
Em 1790, se casou com Domenico Taigi, um servidor do vizinho Palácio do
Príncipe Chigi. Fixaram residência em um pequeno apartamento na ala de serviço
do Palácio Chigi, oferta do generoso Príncipe aos novos cônjuges.
Domenico se orgulhava da bela esposa, que se adornava
elegantemente, fazendo-a ser admirada por todos nos bailes, teatros de
marionetes e passeios. Ela levava a fidelidade matrimonial muito a sério,
cumprindo todas as suas obrigações de esposa e tomando o marido como seu
senhor, tendo-lhe uma inteira submissão afetuosa, suavizando aos poucos seu
difícil caráter. Aos vinte e um anos nasceu-lhe o primeiro filho.
Uma conversão
plena e completa
Até então, nada fazia entrever o especial chamado a
que fora predestinada pela Providência. Pouco a pouco, contudo, a graça foi se
fazendo sentir em sua alma. Sem explicação aparente, uma angústia e uma
inquietação começaram a tomar conta do coração da jovem mãe, mostrando-lhe o
vazio daquela vida.
Em um domingo, passeando com o esposo pela colunata de
Bernini, na Praça de São Pedro, cruzou ela com um religioso Servita de Maria, o
padre Angelo Verardi, a quem nunca tinha visto. Os dois se entreolharam e o
sacerdote ouviu uma voz sobrenatural advertindo-o: “Preste atenção nesta
mulher, ela lhe será confiada um dia e tu trabalharás por sua conversão. Ela se
santificará, porque Eu a escolhi para ser uma santa”.
Anna percebeu aquele olhar fitando-a com profundidade,
porém não o entendeu. Mas, desde então, começou a perder o gosto pelas coisas
do mundo. Tentou aquietar a ansiedade falando com seu confessor, mas este se
limitou aos conselhos habituais para as senhoras casadas: seja fiel e obediente
a seu marido...
Buscou, então, outros confessores. No entanto, nenhum
conseguiu devolver-lhe a paz de alma. Por fim, decidiu visitar a Igreja de São
Marcelo, onde se casara, e encontrou um sacerdote no confessionário. Era o
padre Angelo Verardi! Ao ajoelhar Anna para confessar-se, o sacerdote ouviu de
novo a mesma voz: “Olhe-a... Eu a chamo à santidade”. Cheio de alegria e satisfação,
disse-lhe ele: “Afinal viestes, minha filha. O Senhor vos chama à perfeição e
vós não podeis recusar o seu chamado”.2 Contou-lhe, então, a mensagem recebida
na Praça de São Pedro.
Finalmente Deus concedera àquela alma escolhida a
graça da conversão. A partir daí, renunciou a todas as vaidades do mundo e não
participou mais de diversões fúteis, encontrando o maior consolo e alegria na
oração.
Início de uma
nova vida
Começava para esta bem-aventurada, de condição simples
e desconhecida, uma vida de oração, penitência e austeridade. Visões,
revelações, sofrimentos, curas e milagres serão agora o seu cotidiano, sem
nunca deixar de cumprir seus deveres de esposa e mãe. Sete crianças abençoaram
aquele lar, sendo três meninos e quatro meninas. Entretanto, quis a Providência
levar três deles ainda pequenos. Como mãe extremosa, velava pela educação dos
pequenos, transformando a casa em um verdadeiro santuário. A ordem reinava em
cada canto. Nas paredes, símbolos religiosos dispostos com gosto e piedade. Uma
lamparina se mantinha acesa continuamente em honra de Maria Santíssima e nunca
se secava a pia de água-benta, reabastecida todos os dias para afugentar os
demônios.
A rotina seguia uma disciplina quase monacal, com
horários de orações, de refeições, de conversa e lazer, sempre na harmonia e
paz características de uma família católica. Nunca discutiu com o marido,
conseguindo mediar as dificuldades entre ambos, e jamais deixou de corrigir as
crianças, velando por sua inocência e pela salvação de suas almas.
Com o consentimento de Domenico, depois da conversão,
decidira ela entrar para a Ordem Terceira Trinitária, considerando uma glória portar
como insígnia seu escapulário branco com a cruz azul e vermelha. Porém, teve de
esperar ainda vários anos para receber o santo hábito trinitário, o que se deu
somente em 1808.
Neste dia tão esperado, ouviu a voz do Salvador a lhe
dizer: “Eu te destino para converter as almas pecadoras, para consolar as
pessoas de todas as condições: padres, prelados e até mesmo meu Vigário. A todos
que escutarem tuas palavras, Eu os cumularei com graças especiais... Contudo,
tu encontrarás também inúmeras almas falsas e pérfidas, e te tornarás motivo de
escárnio, desprezo e calúnias. Mas tudo suportarás por meu amor”. Anna
respondeu um tanto atemorizada: “Meu Deus, quem escolhestes para esta obra? Sou
uma indigna criatura”. A mesma voz lhe replicou: “Assim o quero. Sou Eu que te
guiarei pela mão, como um cordeiro levado por seu pastor ao altar do
sacrifício”.
Graças
místicas extraordinárias
As graças dispensadas a ela foram singulares e
especialíssimas. Algum tempo depois de haver sido chamada à via da perfeição,
começou a ver junto a si um globo de luz sobrenatural, um “sol místico”, como o
designava, no qual tinha longos colóquios com o Divino Criador, via os
acontecimentos presentes e previa os futuros, perscrutava o segredo das almas e
dos corações, como se vê num filme ou se lê num livro. Tal fenômeno a
acompanhou até o fim de sua vida.3
Em suas primeiras aparições, a luz deste “sol” tinha a
cor de chama, e o disco era como de ouro. No entanto, à medida que a
bem-aventurada progredia na virtude, ele se tornava mais brilhante e se
revestia de uma luz mais intensa que sete sóis juntos. Tal resplendor ficava
diante dela a uma distância de um metro e a uns vinte centímetros acima da sua
cabeça. Havia uma coroa de espinhos circundando, horizontalmente, todo o
diâmetro do globo, e desta desciam dois espinhos compridos, um à direita, outro
à esquerda do círculo, cruzando-se com as pontas arqueadas para baixo. No
centro da esfera havia uma mulher sentada, majestosa e com a fronte erguida em
direção ao Céu, contemplativa, brilhando com a mais viva luz.
A respeito deste fenômeno sobrenatural, testemunhou o
Cardeal Pedicini, que conviveu com Anna e foi seu confidente por 30 anos:
“Durante 47 anos, dia e noite, em seu lar, na igreja ou na rua, ela via, em seu
‘sol’, cada vez mais brilhante, todas as coisas físicas e morais desta Terra;
ela penetrava nos abismos e se elevava ao Céu [...]. Ela via os lugares, as
pessoas tratando de negócios, suas vias políticas, a sinceridade ou duplicidade
dos ministros, toda a política subterrânea de nosso século, assim como os
decretos de Deus para confundir os grandes personagens. [...] Ademais, ela
exercia um apostolado sem limites, conquistando as almas, em todos os pontos do
globo, preparando o terreno para os missionários; o mundo inteiro foi o teatro
de seus trabalhos”.
Via ainda, em seu globo de luz, as almas que se
salvavam ou se perdiam para sempre. Se alguém se aproximava dela em estado de
graça, a luz ficava mais intensa e ela sentia o perfume da virtude. Se, ao
contrário, era uma alma pervertida, o globo ficava em trevas e ela sentia o mau
odor do pecado.
Era procurada por gente do povo, nobres, diplomatas e
eclesiásticos, que lhe pediam conselhos para os mais variados campos da
espiritualidade e da vida humana. Por mais que lhe oferecessem algo em troca de
sua ajuda, recusava com total despretensão e humildade, dizendo: “Não sirvo a
Deus por interesse. [...] Eu me confio a Ele, que provê, a cada dia, minhas
necessidades”. Todos a respeitavam e a temiam, pois refletia em seu próprio
físico a nobreza de sua alma: uma simples doméstica com porte de rainha.
Dons
especiais: curas e milagres, visões e previsões
Arrebatada em êxtase a qualquer momento ou lugar, também
padeceu toda espécie de enfermidades, ficando acamada por longos períodos, sem
poder ir à igreja. Recebeu, por isso, autorização do Papa Gregório XVI para ter
um oratório privado na própria casa.
Inúmeros foram, também, os fatos da vida comum de
todos os dias a atestar seus dons especiais, sobretudo os de cura e milagre. Um
dia, por exemplo, sua neta colocou um caroço de ameixa num olho, perdendo
praticamente esta vista. A Beata, fazendo o sinal da cruz no olho da menina,
com o óleo da lamparina que mantinha acesa em casa, curou-a a ponto desta já
poder ir à escola no dia seguinte. Seu esposo também foi objeto de sua ação
miraculosa, quando em uma manhã de inverno teve um ataque apoplético, estando
na Igreja de São Marcelo. Com suas orações, Anna lhe obteve a cura prodigiosa e
instantânea.
Em seu misterioso “sol”, ela previu vários fatos,
entre eles a eleição de muitos Papas, posteriores a Pio VII, e predisse com
antecedência acontecimentos que teriam lugar sob seus pontificados.
Um deles, digno de nota, foi quando, ao rezar na
Basílica de São Paulo Extramuros, tomada por um êxtase viu o Cardeal
Cappellari, ali presente, como futuro Papa com o nome de Gregório XVI. E assim
se cumpriu. Do mesmo modo anunciou a eleição do padre Mastai-Ferretti, como Pio
IX, em um rápido conclave de apenas 48 horas, e previu todas as tribulações
daquele pontificado, quando este sacerdote ainda estava na nunciatura do Chile.
Apesar de sua pouca instrução, falava dos mistérios de
nossa Religião com a profundidade de um teólogo. Deixava os mais doutos
surpreendidos, dando respostas precisas e com justeza teológica. Por ela não
saber escrever, era Mons. Raffaeli Natali — principal postulador de sua causa
de beatificação e que vivia junto à família Taigi — quem anotava as alocuções e
mensagens divinas recebidas pela Beata.
Vítima de
amor pela Igreja até o fim
A bem-aventurada foi “a vítima da Igreja e de Roma”,
atestam aqueles que com ela conviveram de perto: o confessor, frei Filippo di
San Nicola, seu confidente e diretor espiritual, o Cardeal Pedicini, e o
próprio Mons. Raffaeli Natali.
Seu amor à Igreja a consumia. E muitas vezes a
Providência lhe pedia sofrimentos pelo bem do Corpo Místico de Cristo sem lhe
revelar exatamente os seus fins.
Em um de seus êxtases, Maria Santíssima lhe ditou uma
oração que ela tornou conhecida por meio do Cardeal Pedicini, o qual a
apresentou a Pio VII, que a aprovou e enriqueceu com indulgências. Esta oração
pede pela Igreja, terminando com as seguintes palavras: “Obtende-me este grande
dom, que o mundo inteiro não seja senão um só povo e uma só Igreja”.
Em sua última enfermidade, quis Nosso Senhor fazê-la
partícipe de suas dores nas últimas horas da Cruz, sofrendo o abandono total.
Havendo recebido o Santo Viático numa quarta-feira e a Extrema Unção no dia
seguinte, sentia as dores da morte. Porém, todos pensavam não haver ainda
chegado seu fim, deixando-a tranquila e só. Na madrugada da sexta-feira, dia 9
de junho de 1837, Mons. Natali teve a premonição de seu passamento para a
eternidade e foi até a casa da doente, encontrando-a sozinha, em seus últimos
momentos. Rezou as orações da Igreja para esta hora extrema, deu-lhe a
derradeira absolvição, e a bem-aventurada partiu para a Mansão Celestial.
A vida de Anna Maria Taigi foi uma resposta divina ao
racionalismo e ceticismo então triunfantes, ao orgulho dos poderosos e ao materialismo
do século: “Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes” (Pr 3,
34).
Seu corpo permanece incorrupto na Igreja de São
Crisógono, dos Trinitários de Roma, como a atestar a vitória da Igreja, vista
em seu “sol” luminoso: “O Senhor quer purificar o mundo e sua Igreja, para a
qual prepara um renascimento milagroso, triunfo de sua misericórdia”. Peçamos
que este triunfo venha o quanto antes e se faça ouvir, em nosso mundo
secularizado e esquecido das coisas do Alto, a mensagem que sua vida encerra:
“Deus existe, o sobrenatural existe”!
Nenhum comentário:
Postar um comentário