Com as aventuras além-mar
empreendidas pelos portugueses e espanhóis, a Fé Católica expandia-se dia a
dia. Entusiasmado pela conquista de novas almas, Inácio de Azevedo empenhou-se
na conversão dos indígenas brasileiros. Porém, mais do que seu labor de
evangelização, Deus queria dele um sacrifício total: o derramamento de seu
sangue em favor da nação que viria a ter a maior população católica da Terra.
Baseando no livro “Inácio de
Azevedo, o homem e sua época”, de Gonçalves Costa1, faremos comentários sobre
alguns aspectos puramente sociológicos, e outros hagiográficos, que dizem
respeito ao Bem-aventurado Inácio de Azevedo.
Nome tão belo quanto a prataria portuguesa
Ele era membro de uma família
muito distinta. E, em todos os lugares onde há certa estratificação social, os
nomes das famílias mais tradicionais acabam tomando uma certa sonoridade, em que
se tem a impressão de ver a pessoa portadora de um desses nomes, com o estilo
da nação a que pertence.
Este é o caso do Bem-aventurado
Inácio. Ele se chamava Inácio de Azevedo de Atayde de Abreu e Malafaia. É um
nome tradicional, bonito e muito português; sua sonoridade é linda, e dá a
impressão da prataria portuguesa, cujos objetos são tendentes ao nobremente
bojudo e seguro de si. De fato, esse nome é um pouco de prataria.
Sociedade impregnada pela Igreja
Ingressou
na Companhia de Jesus em 1548, sendo anotado a seu respeito no livro da Ordem
os seguintes dizeres: “Tem pais vivos. O pai possui benefícios eclesiásticos e
suficiência de bens. A mãe é freira num convento do Porto.”
Estamos no século XVI; a Renascença
já arrebentou, a Revolução está em curso. Mas como a Igreja ainda estava
entranhada na sociedade! É uma família nobre, não de grande nobreza: o pai vivia
de rendas eclesiásticas e tinha dado licença à sua esposa para ser freira, e o
filho fez-se membro da Companhia de Jesus, a qual, naquele tempo, era a ponta
de lança da Contra-Revolução; e tornou-se Bem-aventurado, hoje um dos
padroeiros do Brasil.
Como é bonito ver a impregnação
da vida eclesiástica na sociedade dessa época.
Desejo de ser herói
O
Bem-aventurado Inácio de Azevedo havia sido pajem do Rei D. João III; e, pelo
lado materno, descendia de Santa Isabel, Rainha de Portugal.
É bonito haver nele a
descendência de Santa Isabel, Rainha de Portugal. Sendo pajem do Rei, ele
frequentou o que a corte tinha de melhor.
Em
carta ao Padre Geral, Inácio pediu para ser enviado a pontos remotos, pois não
queria ficar no mesmo ambiente onde viviam seus pais.
Esse homem foi mandado da corte
do Rei de Portugal – naquele tempo marcadamente um potentado, pelo tamanho do
império colonial português – para o Brasil, onde havia índios com argolas
atravessadas no nariz, canibais, com hálito cheirando a álcool mascado de cana
fermentada, uma coisa horrorosa. Podemos imaginar a diferença! Era o que ele
queria. Vemos o heroísmo que está presente em seu pedido.
Zelo da Companhia de Jesus pelos novos missionários
Do
Brasil chegavam cartas dos Padres Nóbrega e Anchieta, relatando as esperanças e
as dificuldades das missões. Dois noviços jesuítas haviam sido repatriados para
Portugal, por não se adaptarem às novas terras.
Vê-se como era duro aguentar...
São
Francisco de Borja, recém-eleito Geral da Companhia, conhecia as especiais
virtudes do Padre Inácio e o indicou para visitador apostólico nas terras do
Brasil.
Quão cuidadosa era a Companhia
de Jesus. Mesmo sendo poucos os jesuítas no Brasil, mandava-se um visitador
apostólico incumbido de visitar a nascente Igreja daquelas terras. Percebemos o
rigor da ortodoxia, da disciplina e do método.
Por outro lado, vemos como os
santos se encontram nessa história: São Francisco de Borja – Geral da Companhia
de Jesus, portanto, o homem que tem nas mãos o leme da Contra-Revolução –
escolhe um futuro mártir para vir ao Brasil, o qual, por sua vez, descende da
Rainha Santa Isabel. Que beleza!
Ao percorrer o litoral do País, acompanhou a expulsão dos
calvinistas do Rio de Janeiro
Em
julho de 1566, o colégio jesuíta de Salvador na Bahia, tendo à frente o Padre
José de Anchieta e o Padre Manoel da Nóbrega, recebeu festivamente o emissário
de São Francisco de Borja, numa visita que se estenderia por dois anos, e ao
longo da qual o Bem-aventurado Inácio de Azevedo percorreria as principais
vilas nascentes do litoral brasileiro.
Dois anos visitando o Brasil! É
preciso dizer que as distâncias enormes se percorriam devagar.
Em 1567, acompanhou no Rio de
Janeiro a expulsão dos calvinistas.
Que bonita nota deveria ser
acrescentada nas narrações dessas nossas Histórias do Brasil, nesses
manuaizinhos, quando tratam da expulsão dos franceses: Nesta verdadeira vitória
de Cruzada, esteve presente, com seu ardor, um futuro mártir, o Bem-aventurado
Inácio de Azevedo. Daria outro conteúdo à narração.
Pelas mãos dos jesuítas o Brasil vai sendo modelado
Em
carta que dirigiu de Salvador ao Geral da Companhia, ele pondera: “Também
servirão, além dos padres solicitados, os irmãos oficiais, como pedreiros e
todos os demais, porque há na terra muita falta deles, e custa muito fazer as
coisas. Por esse motivo, em todas as partes onde residem os homens, ouço dizer
que há falta de edifícios e abundância de materiais com que se pode
construí-los.”
É dessas frases do Português
antigo que tem um especial sabor: “há falta de edifícios, mas abundância de
material”. Quase dá para ver as pequeninas cidades implorando que as florestas
e as pedras sejam utilizadas para serem transformadas em edifícios. É uma coisa
épica.
“Muito
me consolo nestas partes, e consolar-me-ia nelas toda a minha vida, ainda que
importasse ir a Portugal para ajudá-la mais, trazendo gente e oficiais.”
Ir
a Portugal buscar gente e oficiais, eis o plano do Padre Inácio de Azevedo.
Quer dizer, ele esteve no
Brasil e viu que era preciso trazer para cá padres, irmãos coadjutores,
pedreiros, carpinteiros, etc.
É muito bonito ver a Igreja
Católica, por mãos dos jesuítas, tomando a primeira argamassa da sociedade
temporal e modelando-a. Quase como Deus que fez primeiro o boneco de barro,
para depois criar o homem.
Assim, para poder fundar aqui
uma realidade eclesiástica grande, a Igreja ia modelando a realidade civil na
qual ela deveria ser insuflada. Ou seja, cuidando das construções e do
progresso temporal, a Igreja empreenderia também o progresso espiritual.
O Bem-aventurado Inácio de
Azevedo não sabia disso, mas trabalhava com ânimo.
A fim de recrutar novos missionários, o Bem-aventurado Inácio de
Azevedo volta a Portugal
Ele então viajou para Portugal
a fim de pedir, pessoalmente, que fossem mandados jesuítas para o Brasil.
Compreende-se bem sua atitude.
Certamente todos tinham medo de vir ao Brasil, tão distante, remoto, vago e
ameaçador. Afinal, deixar o aconchegado, bonito e saboroso Portugal, a duras
penas conquistado aos árabes, e vir para o Brasil misterioso... Que diferença!
Ademais, sabe-se como o
temperamento português é cauto. Ele é capaz de dar passos arriscados, mas
depois de saber bem como são as coisas. Por isso eles queriam conversar com a
pessoa que vinha do lugar, para depois resolver se viajariam ou não.
Então se entende o passo do
Padre Inácio de Azevedo, chegando a Portugal e procurando pessoas a fim de
convidá-las para vir ao Brasil.
O encontro com o Rei
De
volta a Portugal, em 1568, Padre Inácio dirigiu-se para Almeirim, a fim de
encontrar-se com o Rei D. Sebastião. Este ouviu com interesse as notícias que o
missionário trazia do Brasil, dando todo o apoio à campanha de recrutamento
proposta.
Vemos que ele ia direto ao
ponto fundamental. Foi falar com o Rei porque de um impulso do monarca dependia
o andamento das coisas.
Por sua vez, os reis eram muito
desejosos de receberem notícias diretas das pessoas que tinham estado nas
terras recém-descobertas, porque não havia os meios de comunicação que existem
hoje.
O
Padre Inácio deu logo início à empresa, através de sermões e visitas, exímio
como era na arte de conversar.
Aqui fica consignado um traço
curioso. Eu o imagino procurando as pessoas e dizendo:
– Homem, fui eu que estive lá, é assim...
– Mas deveras, estivestes lá?
Contai-me...
Padre Inácio fazia a narração e
pegava a ganchos os que deveriam vir. Parece-me que tudo isso faz sentir a
respiração da antiga História do Brasil, de um modo pitoresco e muito honroso
para a Igreja.
Dois personagens tecem a grandeza de Portugal
Seu
contemporâneo, Padre Maurício Cerpe, contou a esse respeito: “Tanto que chegou
a este reino, foi coisa para dar graças a Deus ver quanta gente se mover para
ir ao Brasil. Não falo já de nós da Companhia, porque esses todos queriam ir
com ele, mas os de fora. Onde quer que chegasse, logo se moviam de maneira que
se alvoroçava a terra e uns se moviam a ir com ele, outros falavam isso como
grande novidade muito para ser desejada.”
Quer dizer, ele produzia um
alvoroço geral. Vejamos o que custa a grandeza de um povo. Dom Sebastião e o
Bem-aventurado Inácio de Azevedo conversam; o futuro de um era morrer no
mistério e na tragédia da África, e do outro, morrer na tragédia e no martírio em
pleno mar. Conversando, os dois estão tecendo a grandeza de Portugal.
Mas com que homens essa
grandeza se tece! Eles tinham conhecimento dos riscos que a vida quotidiana
traz. Eram membros de uma nação que estava no seu apogeu.
São Pio V abençoa o apostolado no Brasil
De
Portugal seguiu para Roma, a fim de pedir ao Papa São Pio V sua bênção para a
empresa do Brasil. O Pontífice quis ouvir uma descrição minuciosa desse novo
mundo, onde a Fé cristã começava a iluminar a noite indefinida do paganismo. E,
além dos privilégios pontifícios para o Brasil, e mão livre para arregimentar
pessoal seleto, o santo Pontífice concedeu indulgência plenária a todos os que acompanhassem,
e muitas relíquias, terços, Agnus Dei, e outros objetos devotos.
Não consta que ele tenha ido
visitar banqueiros; visitou o Pontífice e o Rei. Não consta que tenha trazido
dinheiro; trouxe Agnus Dei, bênçãos, relíquias, e com isso esperava fazer o seu
caminho.
Trajetória de preparativos para a viagem
São
Francisco de Borja, entrementes, desejava agradecer a Dona Catarina, Rainha de
Portugal, a valiosa ajuda que ela concedera ao Colégio Romano, e quis
enviar-lhe uma reprodução da célebre imagem de Nossa Senhora, conhecida como
pintada por São Lucas, venerada na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, e
incumbiu o Padre Inácio de ser o portador do quadro.
Como
Geral da Companhia, São Francisco de Borja morava em Roma. Sabendo que o
Bem-aventurado Inácio ia para Portugal, quis que este fosse portador do quadro.
A
partir de então, a devoção ao quadro de Nossa Senhora, de São Lucas, ficaria
intimamente associada ao missionário.
Em
julho de 1569, o Padre Inácio partiu para Portugal, passando por Madri. Em
Madri, João de Mayorca foi um dos primeiros espanhóis a aderir. E, como era
pintor, esse novo missionário aproveitou para fazer várias reproduções do
quadro da Virgem, destinando um deles ao Colégio da Bahia.
Quer dizer, esse pintor tirou
várias cópias do quadro que era para a Rainha. E uma dessas cópias vai ter
importante papel na vida do Bem-aventurado Inácio de Azevedo.
Afonso
Fernandes Cançado associou-se à empresa em Portugal, e fez questão de
substituir o sobrenome, pois, segundo explicava, para tal tarefa o nome Cançado
não lhe caía bem.
Francisco
Perez de Godói, canonista formado em Salamanca, também se juntou ao Padre
Inácio. Perez de Godói era primo de Santa Teresa de Jesus que, ao tomar
conhecimento de sua adesão, ficou muito alegre.
Santa Teresa, a Grande, soube,
portanto, que havia um Brasil! E que um primo dela vinha para esse país, tendo
ficado muito alegre com isso. Veremos daqui a pouco o papel de Santa Teresa
nessa história.
Ferreiros,
marceneiros, pedreiros e tecelões também acertavam detalhes para sua viagem ao
Brasil. No total, entre religiosos e artesãos, haviam sido reunidos noventa
elementos, que foram conduzidos para uma chácara da Companhia no Vale do Rosal
a fim de aguardar a partida dos navios para a América. Porém, foram cinco meses
de espera.
É preciso recordar que não
havia ainda companhia de navegação regular para o Brasil. Isso apareceu apenas
no século XIX. De vez em quando havia um navio que vinha para o Brasil: o Rei,
a Companhia das Índias mandavam levar alguma coisa; mas era raro. Por isso
transcorreram cinco meses de espera.
Durante esse período, é claro
que foi feito um vasto simpósio, à la
Companhia de Jesus, preparando a ida para o Brasil: direção espiritual,
trabalhos, enfim, uma adaptação completa, muito bem feita!
Tendo sido o navio assaltado por calvinistas, o Bem-aventurado
Inácio cai no mar agarrado ao quadro de Nossa Senhora
Em
maio de 1570, partiram os religiosos na esquadra do Governador Geral, D. Luiz
de Vasconcelos. O Bem-aventurado Inácio de Azevedo, com mais 39 companheiros,
viajava na nau Santiago. Fizeram escala na Ilha da Madeira, onde o Governador,
muito vagaroso, quis prolongar a estadia, enquanto o Comandante da nau Santiago
trazia a bordo mercadorias, cuja entrega nas ilhas de Las Palmas era urgente.
Esse homem tem responsabilidade
no martírio que se seguiu, porque foi por causa desse atraso que eles cruzaram
no caminho com a nau calvinista francesa, que agrediu o navio português e
causou as mortes.
Sujeitando-se ao risco de ficar
à mercê dos ataques dos piratas, esta nau poderia partir sozinha até Las
Palmas, aguardando ali o restante da esquadra. A proposta foi levada a D. Luiz,
tendo a ela dado seu assentimento o Padre Inácio de Azevedo.
A nau Santiago seguia avante.
Em 15 de julho, já próxima da ilha de Las Palmas, defrontou-se com navio dos
terríveis calvinistas franceses.
Efetivamente, esses abalroaram
a nau Santiago com forte impacto. Os atacantes atingem a corveia, há tinir de
espadas, brados de fidelidade a Cristo e à Igreja, mesclados aos berros e
blasfêmias dos hereges; as primeiras gotas de sangue começam a tingir o chão.
O Bem-aventurado Inácio de
Azevedo, que se encontrava junto ao mastro central, segurando nas mãos o quadro
da Virgem de São Lucas, recebeu na cabeça o primeiro golpe, sendo jogado no
mar, agonizante e segurando o quadro que ninguém lhe conseguira tirar das mãos.
Por isso ele é representado,
habitualmente, flutuando já meio agonizante nas águas, mas segurando o quadro.
É muito digno de nota que, estando agonizante e com a gesticulação de quem
naufraga e procura mover os braços para não afundar, já não tendo provavelmente
consciência de si, apesar disso ele segurasse o quadro.
É claro que a quem de tal
maneira segura uma imagem de Maria Santíssima, Nossa Senhora, do Céu, está
segurando a alma dele.
O sangue dos mártires foi derramado para que o Brasil viesse a ser
católico
O
olhar marcado dos tripulantes portugueses continuava a fixar-se nos vultos, e
eles foram em seguida jogados também ao mar, entre os quais, sobressaía a
figura imóvel de Azevedo.
Na
Espanha, Santa Teresa de Jesus teve revelação do fato, e afirmou que vira os
quarenta mártires, de coroas na cabeça, subindo triunfantes ao Céu.
Vemos que lindo fato da
História do Brasil. É evidente que esse sangue foi derramado para que o Brasil
fosse católico; era a razão pela qual eles estavam dando as suas vidas.
Somente
o irmão João Sanchez não foi morto pelos piratas. Era cozinheiro, e esses
resolveram tirar proveito de seus serviços. Foi ele que, retornando depois à
Espanha, contou com pormenores todo o ocorrido. Infelizmente, abandonou a
Companhia de Jesus.
Essa é a criatura humana! Esse
homem tinha obrigação de ser bem-aventurado também. Depois se desligou da
Companhia de Jesus e voltou ao estado original.
O
culto dos quarenta mártires foi autorizado em 1854, pelo Papa Pio IX.
Na atual Catedral de Salvador,
na Bahia, conserva-se um quadro pintado, que se diz ter sido do Beato Inácio.
Não há nenhuma prova de que o
quadro tenha escapado das mãos do Bem-aventurado Inácio de Azevedo e chegado à
Bahia.
Na previsão do muito batalhar a
favor da ortodoxia, que haveria numa nação a qual, em certo momento da História
da Igreja, seria a de maior população católica do mundo, logo no início, para
irrigar isso, a Providência dispôs que houvesse quarenta mártires que nem
conseguiram chegar até o Brasil – Inácio de Azevedo esteve durante dois anos
aqui. O sangue deles não foi vertido no Brasil, o mar dispersou; mas foi derramado
com a intenção de servir à causa católica no Brasil.
Esse sangue subiu ao Céu como
suave odor, e eles rezam continuamente por nós. No Brasil ficava o
Bem-aventurado Anchieta, esperando, rezando e realizando seus feitos para que
algum dia o Brasil fosse uma grande nação católica.
Plinio
Correa de Oliveira - Extraído de conferência de 3/4/1981
1) Costa, Manuel Gonçalvez da.
Inácio de Azevedo, o homem e sua época. Braga: Livraria Cruz, 1957.
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