Aliança entre a grandeza terrena e o serviço de
Deus
São Leão IX nasceu no ano de 1002, nos confins de Alsácia. Seu pai era
Conde de Ingersheim e primo-irmão do Imperador Conrado, o Sálico. Sua mãe lhe
deu o nome de Bruno. Ao atingir a idade de 5 anos, foi confiado, por seus pais,
à educação de Bertoldo, o venerável Bispo de Toul, o qual dirigia então uma
escola no próprio palácio episcopal.
Como vemos por esses dados, São
Leão viveu em plena Idade Média. Neste trecho já se encontra uma nota interessante
e peculiarmente medieval, ou seja, o fato de haver uma escola dirigida pelo
bispo e que funcionava no próprio palácio episcopal.
No colégio, Bruno foi confiado
particularmente a um primo seu, chamado Aderico, filho do Príncipe de
Luxemburgo; os dois se tomaram de uma íntima amizade. Seu primo foi-lhe modelo
de todas as virtudes e serviu extraordinariamente para sua formação.
Havia na Idade Média, pessoas
pertencentes à mais alta categoria social e que se destacavam, sobretudo, por
sua extraordinária virtude. Formava-se assim uma aliança entre a grandeza
terrena e o serviço de Deus.
A Igreja Católica como centro de tudo
Tendo recebido do Bispo de Toul as sagradas ordens, foi nomeado clérigo
da Capela do palácio do Imperador Conrado, o Sálico.
Todos os Imperadores tinham sua
própria capela, na qual um conjunto de capelães mantinha o culto. O fato de ser
clérigo na capela imperial era, portanto, uma situação de alta confiança, pois
conferia a oportunidade de estar em contato direto com o Imperador.
Por outro lado, é digno de nota
o fato de o Imperador ter sua capela própria, donde decorre que o elemento
central de sua vida de corte era a recitação do Ofício Divino, a Santa Missa e
outras práticas de culto católicas.
Esse piedoso costume, por sua
vez, provinha da convicção profunda e verdadeira que estava radicada na sociedade
daquele tempo: a Igreja Católica deve estar no centro de todas as coisas. E,
portanto, na Corte imperial o elemento central devia ser a capela, onde estava
presente o Santíssimo Sacramento, ou seja, Nosso Senhor Jesus Cristo, o Rei dos
Reis. Também ali devia estar a imagem de Nossa Senhora Rainha e Mãe. Como isso
é diferente dos costumes laicos e divorciados da verdadeira posição católica!
A virtude outrora era um título de ascensão
Bruno foi imediatamente bem visto pelo Imperador, que impressionado com
suas virtudes passou a tratá-lo de “meu sobrinho”.
Ser tratado de primo e sobrinho
do Rei era considerado pelas cortes daquele tempo uma honra extraordinária. Ele
realmente era parente do Imperador, mas não em grau tão próximo; era filho de
primos e não de irmãos do Imperador, portanto não era de fato seu sobrinho.
Mas, o Imperador o tratava como sobrinho, elevando-o assim à categoria de
Príncipe da Casa Imperial. A principal razão dessa honraria era a alta
consideração do Imperador pelas virtudes de Bruno.
Como na Idade Média a maior
parte das pessoas procurava a todo custo manter a posse do estado de graça,
criava-se um ambiente onde a virtude era bem vista, e constituía um título de
ascensão e não um título de perseguição como cada vez mais vem se tornando nos
dias atuais.
Algum tempo depois, no ano de 1026, o Imperador recebeu a visita de
clérigos da Diocese de Toul, que lhe anunciavam a morte do Bispo e o desejo de
toda a população que Bruno fosse designado para a diocese vaga. Conrado acedeu,
apesar de Bruno não ter ainda a idade canônica.
Aqui vemos um costume medieval
que como outros é preciso ser bem entendido. É preciso levar em conta que a
nomeação de um Bispo sempre foi privilégio papal. Porém, para isso o Papa pode
receber indicações, as quais ele é livre de aceitar ou recusar. Ora, na Idade
Média mantinha-se o costume proveniente dos primeiros tempos da Cristandade,
pelo qual o povo da diocese podia aclamar ou propor um nome, mas cabia ao Papa
ratificar ou não a proposta.
Com a implantação do Sacro
Império, os Imperadores também tomaram o hábito de propor candidatos ao
episcopado. Então se formava uma corrente de mediações, onde o povo propunha ao
Imperador um nome e este, por sua vez, estando de acordo, propunha ao Papa.
Mas, a palavra final sempre cabia ao Sumo Pontífice.
Apesar da pouca idade, Bruno imediatamente se destacou entre os Bispos
da região por sua capacidade e pela virtude com que dirigia a diocese.
Note-se, portanto, a rapidez
dessa ascensão, a qual se deve, acima de tudo, às suas notáveis virtudes.
Quem se humilhar será exaltado!
Durante 22 anos Bruno governou pacificamente e com brilho a Diocese de
Toul. Com a morte do Papa Dâmaso II no ano de 1048, os romanos mandaram uma
deputação ao Imperador Henrique III para pedir-lhe que designasse um novo Papa.
O Imperador Henrique III reuniu, para esse efeito, uma Dieta em Worms, da qual
participavam todos os Bispos do Império. Logo, todas as vozes designaram Bruno,
Bispo de Toul, como futuro Papa. Tendo sido consultado, Bruno, por humildade,
de nenhum modo queria aceitar o cargo; pediu então que lhe dessem alguns dias
para refletir.
Pediu tempo para refletir, mas
de fato, o que ele queria era escapar do encargo de ser Papa.
Terminado o prazo, apresentou-se diante de toda a Dieta de Worms
reunida e disse que ele iria fazer uma confissão pública de todos os seus
pecados, para fazer notar quanto ele era pecador e de nenhum modo digno do
papado. Ajoelhou-se e fez sua confissão pública.
A confissão constava de matérias tão leves, que o fato que ele
considerava mais grave e pavoroso, mal dava matéria de um pecado venial. Tendo
terminado, todos se levantaram e o aclamaram.
Só um Bispo com tal limpeza de consciência poderia ser o Papa.
Como última tentativa, ele levantou um sério problema: o Imperador não
tinha direito de nomeá-lo Papa. O Papa só pode ser eleito pelo clero de Roma,
na forma canônica, ouvindo, quando queira, o povo de Roma.
Então ele iria a Roma a fim de lá consultar se o clero e o povo o
queriam como Papa.
Retirou-se e, tomando o traje de peregrino, saiu a pé de Worms em
direção a Roma.
Que extraordinária firmeza
possuía esse homem, para tomar tal decisão, pois viajar a Roma supunha, entre
outras dificuldades, a travessia dos Alpes, com suas neves eternas, montanhas
escarpadíssimas e caminhos de cabras para transpor, pelo que essa viagem sempre
foi considerada perigosa.
Ele poderia ter ido andando até
o mar Adriático e lá tomar um barco. Mas ele quis, como um penitente, ir a pé
até Roma, onde esperava ser recebido como um mero peregrino.
Ao chegar às cercanias de Roma, encontrou a população da cidade à sua
espera.
A cidade de Roma naquele tempo
deveria somar entre duzentos a trezentos mil habitantes.
Vestido como peregrino, com as vistas baixas e sem olhar nem dar
atenção para ninguém, entrou em Roma, dirigindo-se diretamente ao túmulo de São
Pedro para rezar.
É possível a abundância do estado de graça numa
época
Este é realmente um homem reto,
que faz as coisas como devem ser feitas.
O povo de Roma, aclamando-o, quis naquele mesmo dia entronizá-lo. Mas
ele disse que esperassem até o dia seguinte, para ainda poderem pensar. Mas,
por fim, chegou o dia seguinte e o povo estava de tal maneira decidido de que
ele deveria ser o Pontífice, que ele acabou por aceitar, sendo então
entronizado na Sé Romana.
Este apreço geral pela virtude
daquele homem dá uma ideia do espírito que vigorava naquele tempo, e faz ver
como é possível o estado de graça ser tão abundante em determinada época. Pois,
sem ele, esses atos e gestos verdadeiramente extraordinários não se realizariam
desta forma.
Por inspiração divina, tomou o título de Leão, considerando que devia,
à testa da Igreja, lutar como verdadeiro leão. De fato, não tardou em começar a
luta contra os verdadeiros inimigos da Igreja.
Um “Leão” em defesa da Igreja
Quais eram os verdadeiros
inimigos da Igreja?
Naquele tempo, havia se
difundido um abuso péssimo chamado simonia. Que consistia no seguinte: como a
indicação dos cargos clericais era frequentemente feita pelo Imperador e pelo
povo, acontecia que muitos homens vorazes, querendo ter cargos lucrativos,
pagavam ao povo ou ao Imperador para serem indicados para o episcopado, ou
então para que um parente ou alguém ligado a ele fosse nomeado Bispo, Abade e
até mesmo Cardeal. Chegava-se até o absurdo de subornar os Cardeais e o povo de
Roma, para elegerem determinado Papa, comprando assim até a Tiara romana.
Esse processo de escolha não
podia deixar de trazer os piores inconvenientes. Através dele, muitas vezes,
eram os mais ordinários que assumiam cargos eclesiásticos, dentre os quais
estavam pessoas de costumes inteiramente desregrados, que por um lado constituíam
um escândalo geral na Cristandade, e por outro um perigoso amolecimento ante as
investidas de pagãos.
Estes vinham de todos os lados:
os normandos vinham através do mar do Norte, penetravam pelo estreito de
Gibraltar e atacavam o Sul da Itália; havia ainda restos de bárbaros que vinham
dos países eslavos; e também os maometanos que atacavam por todas as partes.
Neste momento em que a
Cristandade precisava lutar especialmente para defender-se, ela se apresentava
extraordinariamente debilitada, pela decadência espiritual causada pela
simonia.
Por isso, tendo assumido o
papado, Leão IX começou a reunir diversos Sínodos e outros tipos de reuniões
eclesiásticas, a fim de imediatamente punir e depor os Bispos que tinham tomado
o cargo indignamente, nomeando bons para subsituí-los. Isso causava, como é de
se esperar, as mais acirradas indignações.
Zelo na defesa dos súditos
Ocupava-se ele com esse árduo
trabalho, quando recebeu o aviso de que os normandos estavam por invadir a
Apúlia, território do qual o Papa era Rei. Portanto, competia a ele defender
seus súditos. Sem hesitação, foi a toda pressa à Alemanha a fim de pedir ao
Imperador, seu parente, que mandasse um exército para defendê-lo.
Tendo o Imperador prometido
enviar-lhe auxílio, o Papa desceu até a famosa Abadia beneditina de Monte
Cassino, uma das mais célebres do mundo, a qual não ficava a muita distância de
Roma, e lá permaneceu à espera da chegada do exército imperial. De fato, algum
tempo depois chega o exército, porém, para sua surpresa, este era constituído
por apenas 500 lorenos. Isto porque o exército imperial, quando chegou próximo
aos Alpes, desistiu de descer.
A este punhado de combatentes
tinham se incorporado pelo caminho alguns contingentes italianos, aos quais se
somaram ainda alguns romanos, que eram senhores feudais da região. Assim
constituiu-se o parco exército de resistência. Chegaram, por fim, os normandos,
aos quais, apesar da desvantagem numérica, o exército do Papa ofereceu dura
resistência que resultou numa tremenda carnificina.
Contudo, os normandos acabaram
por vencer a batalha e levaram cativo o Papa, ao qual, devido à dignidade e
respeitabilidade de sua pessoa, dispensaram toda forma de honras e cuidados.
Mas de todos os fatos da vida
de Leão IX, nenhum me parece tão marcante da aprovação divina ao seu modo
enérgico de agir, quanto às circunstâncias de sua morte.
A doce mensageira da felicidade eterna
A doença, doce mensageira da felicidade eterna…
Como é linda esta expressão e
contrária ao horror à doença que se tem em nossos dias. Claro que se deve
combater a doença, mas com essa resignação deve-se aceitá-la.
…a doença veio anunciar-lhe que sua hora tinha chegado. No dia 12 de
fevereiro de 1054, ele celebrou por última vez o Santo Sacrifício da Missa onde
dirigiu à multidão uma exortação comovedora.
No dia seguinte, sabendo que sua hora estava próxima, ele quis ser
transportado da cidade de Benevento para Roma. Foram os próprios normandos que
reivindicaram a honra de levá-lo numa liteira.
Que esplêndida glória ser
carregado numa liteira pelo próprio “inimigo”!
Desta forma o Papa voltou ao Palácio de Latrão no mês de abril de 1054,
época na qual habitualmente ele reunia o Sínodo dos Bispos das províncias
eclesiásticas circunvizinhas de Roma. Ele então as convocou para o dia 17 de
abril. Reunidos os Bispos, ele lhes disse: “Eu me recomendo à vossa
fraternidade porque o tempo de minha dissolução chegou.”
Esta frase proferida pelo Papa
é a reminiscência de uma citação de São Paulo, que manifestava o desejo de ser
dissolvido, quer dizer, ter separada a alma do corpo, para subir a Jesus
Cristo.
“Na última noite, em visão, a glória da Pátria celeste me foi
manifestada. Eu reconheci entre os grupos de mártires aqueles que morreram na
Apúlia, para defesa da Igreja.”
Aqueles valentes lorenos que
morreram na Apúlia, em defesa da Igreja, os quais eram mártires, estavam à
espera que Leão IX fosse juntar-se a eles no Céu.
“Vem, nos disseram eles, e permanece entre nós, porque foi por teu
intermédio que nós conseguimos as eternas felicidades. Mas uma voz, ao mesmo
tempo, se fez ouvir, dizendo: ‘Não já, mas daqui a três dias somente.’”
No dia seguinte, ele reuniu de novo os Bispos, e sendo posto numa
liteira foi conduzido pelos seus fiéis normandos em procissão até à Basílica de
São Pedro, onde ele desejava morrer.
Hoje, carne e sangue; amanhã, poeira e cinza
Que lindo cortejo deve ter sido
aquele! O Papa carregado numa liteira, os Bispos a seu lado, certamente
cantando e portando círios, seguidos por um tropel de normandos armados, todos
caminhando rumo à Basílica de São Pedro. Creio que não houve desfile militar
que tenha superado em beleza aquela cena.
Prosternado diante da sepultura do Príncipe dos Apóstolos, Leão IX
rezou pela Igreja e pela conversão dos pecadores. Assim que terminou, um
delicioso aroma, superior ao perfume mais puro, se exalava da sepultura de São
Pedro. Era o primeiro Papa manifestando seu agrado diante desse seu digno sucessor.
Permaneceu então durante cerca de uma hora em silenciosa contemplação. Bispos,
normandos e o povo em grande número estavam a sua volta.
Em certo momento ele mandou
trazer pão e vinho. Os abençoou, comeu três pedaços de pão, bebeu um pouco de
vinho e distribuiu o resto entre os assistentes. Ninguém comeu. Todo mundo
guardou como relíquia os pedaços de pão que ele distribuiu.
Levantando-se então, dirigiu-se para o túmulo que ele mesmo tinha
mandado preparar para si na Basílica. Lá, dirigindo-se aos Bispos, disse:
“Vede, meus irmãos, como é miserável, frágil e efêmera a glória humana. Que
esse exemplo jamais saia de vossa memória. Do nada eu fui um dia elevado ao que
há de mais alto; e agora vou ser reduzido novamente a nada. Eu terei como
moradia esse cárcere escuro e estreito. Hoje ainda convosco sou carne e sangue.
Amanhã serei poeira e cinza.”
Que linda pregação! Qual terá
sido a reação dos Bispos e mesmo dos normandos que estavam ao seu redor, vendo
aquela cena grandiosa de um homem anunciando sua morte?
Adormeceu com uma calma indizível e acordou no
Céu
Todos os assistentes se puseram aos prantos… O Papa então os despediu
dizendo: Venham amanhã assistir a meu último suspiro.
São Leão retirou-se ao palácio próximo onde passou toda a noite em
oração. Na manhã seguinte, sustentado por dois assistentes, voltou para a
Basílica e veio prosternar-se diante do altar-mor. Estendeu-se sobre uma cama
que tinham preparado junto ao altar, fez sinal com a mão para impor silêncio e
dirigiu ao povo uma última exortação.
Depois, chamou para junto de si os Bispos e fez a confissão de seus
pecados. Mediante uma ordem dele, um deles celebrou a Missa e deu a ele a
Comunhão. Depois de ter comungado, o Papa disse: “Fazei silêncio, porque parece
que eu vou dormir.” Inclinando a cabeça, adormeceu, com uma calma
indescritível, para acordar no Céu.
Assim, diante do altar de São Pedro, no dia 19 de abril do ano da graça
de 1054, faleceu o Santo Pontífice Leão IX.
Entre aqueles que o assistiam
na hora de sua morte estava Hildebrando, que era a uma vez seu inspirador e
secretário, e mais tarde viria a ser seu sucessor com o nome de São Gregório
VII. Imagine ter como secretário um santo, o qual, a meu ver, foi “o Papa”, não
comparando a santidade, mas sim a missão, e o papel na História da Igreja.
Que sublimidade, maravilha e
grandeza devia ter aquela cena na qual um santo contempla outro expirar, onde
São Gregório VII, ainda moço, permanece ao lado de São Leão IX, rezando até a
hora em que a alma dele se desprende do corpo e sobe ao Céu! A contemplação de
fatos como este, e o deliciar-se com o perfume das virtudes de um tal santo,
constitui um descanso da vida de todos os dias. Assim sendo, resta-nos pedir a
São Leão IX que, do alto do Céu, reze e interceda por nós.
Plinio Correa de Oliveira - Extraído
de conferência de 29/10/1974
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