Foi dentro das fronteiras do
Império Romano que, por desígnio do Altíssimo, nasceu a Santa Igreja Católica.
No entanto, esse imenso poder temporal, vendo o poder espiritual nascer
misteriosamente e florescer com rapidez desconcertante, mostrou-se de início
intrigado e receoso, e, por fim, hostil a ponto de chegar às violências mais
extremas.
Os sublimes ensinamentos
cristãos contradiziam frontalmente os costumes vigentes entre aqueles homens de
coração duro. Vítima de toda sorte de calúnias, a Igreja nascente viu-se alvo
de sangrentas perseguições desencadeadas pelas autoridades romanas com o
objetivo de sufocá-la de modo inexorável.
No entanto, era o próprio Deus
quem permitia que sua Igreja passasse pela longa prova da dor e do sacrifício.
Com efeito, após cada perseguição, o Cristianismo ressurgia mais numeroso,
brilhante e cheio de fé!
No reinado de Diocleciano (284-
305), esse clima de horror chegou ao auge. Por um edito deste imperador, todas
as igrejas deveriam ser demolidas e todos os cristãos que exerciam cargos
públicos seriam obrigados a abjurar a fé em Cristo.
É nesta última fase do período
das grandes perseguições que surge uma alma de rara virtude: a jovem Luzia.
Voto de virgindade
O nome Luzia tem sua origem na
palavra latina "lux", e ressoa em nossos ouvidos carregado de
conotações heróicas, trazendo-nos à memória uma vida cheia de luz e de glória,
porque feita de sangue e dor.
Nascida em Siracusa, e oriunda
de uma família nobre e cristã, logo no desabrochar da adolescência consagrou-
se a Jesus, oferecendo-Lhe a flor da sua virgindade.
Esta promessa de castidade
perfeita não era incomum nos primórdios do Cristianismo, pois o próprio
Salvador chamava grande número de almas à pratica desta angélica virtude. Um
dia, respondendo a uma pergunta dos discípulos sobre os pesados encargos do
casamento, disse- lhes o Mestre: "Nem todos são capazes de compreender esta
doutrina, mas somente aqueles a quem foi concedido do alto" (Mt 19-11). Há
homens, prosseguiu Ele, que são inaptos para a vida conjugal, e outros, pelo
contrário, que de livre e espontânea vontade renunciaram ao matrimônio
"por amor ao Reino dos Céus" (Mt 19,12). Pela primeira vez ressoava
na História o chamado cristão à virgindade, e seu eco repercutiria em almas
como as de Cecília, Ágata, Inês, e tantas outras que, sobrepondo- se às leis da
carne e da matéria, se lançariam alegres em vôos admiráveis de perfeição
espiritual.
Intercessão de Santa Ágata
Seu pai faleceu quando ela era
ainda muito menina. Sua mãe, Eutícia, embora cristã, não tinha se despojado
totalmente das glórias e atrações deste mundo. Assim, desejosa de proporcionar
à sua filha um futuro cheio de fama e de honra, a exortava a casar-se com um
jovem rico e bem colocado, mas pagão.
A casta Luzia - que mantinha
seu voto em segredo - procurava sempre se esquivar desse assunto. Punha toda a
sua confiança em Deus e aguardava uma oportunidade providencial para revelar à
mãe sua resolução firme e decidida de pertencer somente a Cristo. As fervorosas
orações feitas por ela nessa intenção foram prontamente atendidas: logo se
apresentou uma boa ocasião.
Apesar das atrozes perseguições
aos cristãos, celebrava-se todo ano na própria Sicília a festa de Santa Ágata,
a virgem da cidade de Catânia, martirizada por volta do ano 250. Os prodígios
por ela operados tornaram-na tão conhecida que acorria gente de todas as partes
para implorar sua intercessão. Ora, havia já alguns anos, Eutícia sofria muito
de um fluxo de sangue. Por isso Luzia, que tinha grande devoção a essa virgem
mártir, sua conterrânea, persuadiu a mãe a ir em peregrinação até seu túmulo
para implorar a cura de tal enfermidade.
Quando entraram na igreja, o
assombro tomou conta das duas. Transcorria uma solene Celebração e naquele exato momento proclamava-se a
Palavra do Santo Evangelho: "Então, uma mulher que havia doze anos padecia
um fluxo de sangue, e gastara tudo quanto possuía sem ter sentido melhoras,
tendo ouvido falar de Jesus, foi por detrás entre a multidão e tocou o seu
manto. Imediatamente parou o fluxo de sangue e sentiu no seu corpo estar curada
do mal. Jesus, conhecendo logo em Si mesmo a força que saíra d'Ele, voltado
para a multidão, disse: ‘Quem tocou os meus vestidos?'. Os seus discípulos
responderam: ‘Tu vês que a multidão Te comprime, e perguntas: Quem Me tocou?' E
Jesus olhava em volta para ver quem tinha feito aquilo. Então a mulher, que
sabia o que se tinha passado nela, foi prostrar- se diante d'Ele, e disse-Lhe
toda a verdade. Jesus disse-lhe: ‘Filha, a tua fé te salvou; vai em paz e fica
curada do teu mal'" (Mc 5, 25-34).
Estupefatas e em extremo
comovidas ao ouvirem essa passagem do Evangelho, caíram de joelhos e começaram
a rezar. Assim ficaram durante muito tempo. Terminou a cerimônia, todos se
retiraram, e elas, dando-se conta de que estavam sós, prostraram-se diante do
sepulcro de Santa Ágata para implorar a bondade de Deus, pela intercessão da
tão poderosa advogada.
Quis, porém, o Senhor
manifestar- Se a Luzia por meio de um sonho profético. Cansada pela fadiga da
viagem, acabou a jovem caindo num sono profundo. Enquanto dormia, apareceulhe
Santa Ágata, rodeada de um coro de anjos. Seu vestido era de uma beleza sem
par, adornado de safiras e pérolas finas. Seu rosto, alegre e sereno,
resplandecia como o sol enquanto ela dizia: "Minha queridíssima irmã e
virgem consagrada a Deus, por que pedes pela intercessão de outrem o que tu
mesma podes obter para tua mãe? Eis que ela se encontra já curada pela fé que
tu tens em Jesus Cristo! Assim como Ele tornou célebre a cidade de Catânia por
minha causa, tornará também gloriosa a cidade de Siracusa pela tua mediação,
pois soubeste preparar no teu puro coração uma agradável morada para teu
Criador".
Ao ouvir estas palavras,
levantou- se Luzia ainda mais convicta de sua consagração a Deus. Contou então
à sua mãe a reconfortante visão e acrescentou que, pela graça de Deus, ela
estava totalmente curada de sua enfermidade. E a jovem aproveitou a
oportunidade para dizer-lhe confiante:
- Agora, minha mãe, uma só
coisa te peço: em nome d'Aquele mesmo que te devolveu a saúde, deixa-me
conservar minha virgindade, pertencendo somente ao nosso Criador. Repartamos
entre os pobres os bens que preparaste para o meu casamento, e teremos grande
tesouro no Céu!
Eutícia se deixou convencer e,
voltando a Siracusa, ambas distribuíram suas riquezas entre os mais
necessitados, segundo as instruções da comunidade cristã à qual pertenciam.
Ora, isto chegou aos ouvidos do
jovem pretendente. Cheio de fúria, este foi ter com Eutícia e testemunhou, com
seus próprios olhos, mãe e filha dando aos pobres suas jóias e objetos
preciosos. Fora de si, correu até Pascásio, então prefeito da cidade, para
acusar Luzia de praticar a religião cristã. Assim iniciou-se o processo que
levaria esta Santa a brilhar no mais alto dos Céus, junto à nobre multidão dos
gloriosos mártires!
Santa Luzia diante do tribunal
Edificante e arrebatador foi o
julgamento da corajosa jovem. Refutou todos os argumentos e ameaças de
Pascásio, e seu simples olhar impunha respeito. Vendo o juiz a serena segurança
da prisioneira, tentou primeiramente persuadi-la com suaves palavras a oferecer
sacrifícios aos deuses pagãos. Depois, ante a irredutível fé de Luzia, passou
das adulações para a mais terrível ferocidade. Impávida, ela respondeu- lhe sem
hesitar:
- Tu te preocupas em seguir as
leis dos príncipes desta terra, enquanto eu procuro meditar dia e noite os
mandamentos do Senhor. Tu te preocupas em comprazer o imperador, eu tudo faço
para agradar a meu Deus, a quem consagrei minha própria virgindade.
- Pois bem - disse Pascásio -
eu te farei conduzir a um lugar onde perderás tua castidade, assim o Espírito
Santo te abandonará e deixarás de ser seu templo!
- A violência feita ao corpo
não arranca a pureza da alma, se minha vontade não consente. Ao contrário, esta
violência me proporcionará duas coroas: a da virgindade e a do martírio -
respondeu a virgem.
Imediatamente Pascásio deu aos
carrascos ordem de amarrar a inocente vítima e arrastá-la até uma casa de
infâmia, para ela perder a honra da virgindade antes de ser decapitada.
Ora, o que podem todas as
forças humanas contra a onipotência de Deus? Os olhos do Bom Pastor pousavam
sobre sua serva fiel e por isso impediu que os verdugos conseguissem tirá-la do
lugar onde se encontrava. Tentavam em vão empurrá- la: Luzia permanecia imóvel,
detida por uma mão invisível. Nem mesmo várias juntas de bois, aos quais a
amarraram, conseguiram removê-la.
Obstinado no mal, Pascácio
mandou levantar em volta da Santa uma enorme fogueira. Ela fitava sem medo o
tirânico juiz, dizendo: "Pedirei ao Senhor que este fogo não me atinja,
para que os fiéis reconheçam o poder de Deus e os infiéis fiquem ainda mais
confundidos". E efetivamente as chamas também fracassaram: a jovem ficou
incólume em meio às labaredas.
Derrotado, Pascásio ordenou
finalmente que a cabeça da virgem fosse cortada à espada. Uma celestial alegria
transpareceu em seu semblante, ao ver que tinha chegado a hora do supremo
encontro com seu Redentor. Entretanto, não morreu naquele instante. Caindo de
joelhos, foi acolhida nos braços de alguns cristãos que assistiam ao seu
martírio.
Antes de falecer, a virgem
mártir prognosticou o fim das perseguições de Diocleciano e Maximiano, e o
início de uma era de grande paz para a Santa Igreja. Esta profecia não tardou a
tornar-se realidade: apenas dois anos após sua morte, subiu ao trono
Constantino o Grande, que promulgou em 313 o Edito de Milão, concedendo
liberdade ao culto Cristão, em toda a vastidão do Império. Estavam, assim,
largamente abertas as portas para a Igreja desenvolver-se triunfante, ao longo
dos séculos.
*
*
*
A gloriosa Santa Luzia entregou
sua alma a Deus no ano 304 da era do Senhor. Um raio da Graça tinha pousado
sobre ela. Na Igreja de Cristo luzia mais uma mártir, no Céu mais uma santa! Tu
vincis inter martyres! - Tu vences, ó Cristo, pelas provas dos mártires!
Revista
Arautos do Evangelho, Dez - 2006
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