Mártir do sigilo
sacramental
Ao
comentar a vida de São João Nepomuceno, que exprobou do púlpito a heresia dos
hussitas, Plinio Correa de Oliveira explica que João Huss e Wycliffe prepararam o campo para Lutero,
o qual promoveu a I Revolução e arrastou um terço da população da Europa,
devido à tibieza dos católicos.
Comentarei hoje uma
ficha sobre a vida de São João Nepomuceno, presbítero e mártir.
São João nasceu em
Nepomuk, Boêmia, em 1340. Quando ele nasceu, viram-se luzes extraordinárias
sobre sua casa. Quando era criança, a Santíssima Virgem curou-o de uma grave
moléstia.
Ordenado sacerdote,
dedicou-se à pregação com grande êxito. A cidade de Praga mudou com seus
sermões, que eram ouvidos por uma imensa multidão.
Venceslau IV Rei da
Boêmia e Imperador da Alemanha, , nomeou-o Preboste de Witchad e deu-lhe o
título de Chanceler do Reino.
Mas São João tudo
recusou, continuando simples cônego regular. Entretanto, a Imperatriz
escolheu-o para seu confessor, e Venceslau o encarregou da distribuição de suas
esmolas.
Mas este jovem príncipe
perverteu-se, tornando-se tirano de seu povo. E como sua esposa passasse horas
na igreja rezando por sua conversão, foi tomado por violento ciúme, chamando
São João para que lhe relatasse as confissões da Imperatriz. E assim começou o
longo calvário desse santo.
Foi mais de uma vez
preso e submetido a tremendas torturas. Era sempre libertado, pois o Imperador
temia uma revolta popular a favor do sacerdote.
Ameaçado de morte, nada
o demovia. Finalmente, numa ocasião percebeu que seu fim estava próximo.
Subindo ao púlpito, começou seu discurso pelas palavras do Evangelho: “Ainda um
pouco de tempo e já não mais me vereis”. E predisse, então, claramente as
devastações que a heresia de João Huss faria na Boêmia.
Depois quis rezar ainda
uma vez aos pés de Nossa Senhora, cuja imagem, juntamente com a Fé cristã, fora
trazida para a região por São Cirilo e São Metódio.
Nesse mesmo dia,
voltando a Praga, foi preso e ameaçado. Como sua constância fosse a mesma,
Venceslau esperou o cair da noite e mandou que o lançassem às águas do Rio
Moldava.
Imediatamente, chamas
apareceram sobre o rio e rodearam seu corpo. O povo acorreu para ver a
maravilha e a Imperatriz mostrou-o ao Imperador que, apavorado, fechou-se em
seus aposentos por vários dias.
São João Nepomuceno foi
o especialíssimo protetor das mais ilustres famílias da Alemanha. São
extraordinárias as graças obtidas por seu intermédio. Em agradecimento, os
príncipes da Casa d’Áustria tudo fizeram para sua canonização, que foi obtida
em 1729.
Em 1719 seu corpo fora
encontrado intacto, como se tivesse sido lançado às águas naquela hora. Sua
língua, sem corrupção alguma, era como de um homem vivo, atestando seu martírio
como defensor do sigilo sacramental.
A heresia se propaga nos ambientes a ela receptivos
É uma lindíssima
biografia. Para nos situarmos bem, temos que recordar um pouco as condições da
Europa naquele tempo.
Aquelas paragens da
Europa central foram sempre meio rebeldes à influência católica. A Boêmia, a
Morávia, etc., eram terras onde a bruxaria, o ocultismo, as heresias de toda
sorte nasciam a todo momento.
E exatamente nessa
época, em que a Idade Média estava chegando ao seu apogeu — segundo alguns, até
já havia iniciado seu declínio —, começou naquela zona a heresia de João Huss e
Wycliffe, dois heresiarcas reputados precursores de Lutero.
Com efeito, as doutrinas
deles apresentam uma semelhança extraordinária com as de Lutero. Explica-se
essa semelhança por dois lados: em primeiro lugar, porque uma doutrina herética
nunca é a pura criação do cérebro de um indivíduo. Mas sim, em grande parte —
ao menos as doutrinas heréticas que alcançam êxito —, produto da elaboração de
um ambiente.
O heresiarca produz uma
doutrina da qual o ambiente está ávido. E é exatamente porque essa doutrina
encontra ambiente receptivo, que ela consegue espalhar-se. O herege tonto elabora
uma doutrina que o próprio ambiente não aceita; naturalmente é rejeitado, e ele
não faz parte da História. Mas o herege esperto, que pretende levar muitas
almas para o Inferno, prepara uma doutrina que ele percebe corresponder às más
inclinações do ambiente onde ele vive; ao menos das pessoas más desse ambiente.
Então, essa doutrina tem possibilidade de se propagar.
João Huss percebeu que o
orgulho e a sensualidade inclinavam as almas naquelas zonas para uma
determinada doutrina. Lutero, mais tarde, retomou as doutrinas de João Huss, já
então na Alemanha — porque a situação de deterioração que se tinha produzido na
Boêmia repetiu-se na Alemanha.
Mártir do sigilo da Confissão
São João Nepomuceno
viveu exatamente nessa época em que a região dele estava passando do
Catolicismo para a heresia de João Huss.
No começo, ele era muito
bem visto pelo Rei da Boêmia que o apoiava, mas depois se deixou influenciar
pelo ambiente mau e se deteriorou, se perverteu, passou a ser um mau homem.
A Rainha, que era uma
boa pessoa e de quem São João era confessor por encargo do Rei, passava largas
horas na igreja. E o Rei não queria acreditar que a piedade de sua esposa fosse
a razão de suas longas ausências; ficou desconfiado de algum pecado, de algum
adultério. Então, quis que o santo lhe contasse as confissões dela.
Ora, o sigilo do
confessionário é sagrado, e nunca, por nenhum pretexto, um padre pode contar
qualquer coisa ouvida em confissão.
Começa então a
perseguição. O Rei tortura várias vezes o santo, que se recusa a contar
qualquer coisa da confissão da Rainha. Então, o monarca resolve matar São João
Nepomuceno.
O santo sente isso e,
então, com uma premonição divina, um aviso de Deus, se prepara para a morte de
modo tocante. Ele vai ao púlpito e emprega aquelas palavras de Nosso Senhor:
“Ainda um pouco de tempo e o mundo não mais me verá; mas vós Me vereis, porque
Eu vivo, e vós vivereis.”1 Quer dizer, Nosso Senhor falava da Morte e da
Ressurreição d’Ele. Dessa maneira São João Nepomuceno anunciou sua morte ao
povo.
Depois, como todos os
santos são grandes devotos de Nossa Senhora, ele foi a um lugar onde havia um
santuário, para venerar a primeira imagem trazida para aquelas regiões por São
Cirilo e São Metódio, que evangelizaram o mundo eslavo.
Ao retornar para sua
cidade, o Imperador mandou capturá-lo e jogá-lo no rio Moldava. Produziu-se,
então, um milagre: saíram chamas de dentro da água. Chamas belíssimas! E a
Imperatriz chamou o esposo para ver aquele milagre, e reconhecer o crime que
ele tinha cometido. O homem ficou muito perturbado, trancou-se dentro do quarto
durante vários dias, não quis sair, mas o crime estava praticado.
Começou então a
veneração pelo mártir João Nepomuceno. Naquela região seu nome ficou célebre,
todo mundo começou a rezar a ele e os príncipes da Casa d’Áustria conseguiram
da Santa Sé, mediante provas, que ele fosse canonizado alguns séculos depois,
quando já era tido como santo por toda a região.
A heresia de João Huss e a de Lutero
Se compararmos essa
história com a do protestantismo, veremos como as coisas se passaram de modo
diferente.
Em regiões da Europa
central, começa um movimento de deterioração. São João Nepomuceno é atingido
por um soberano que é marcado por essa deterioração, a qual haveria de
degenerar na heresia de João Huss. Mas que coisas diferentes se passaram por
ocasião do protestantismo!
Na Boêmia há um santo
que resiste; depois, esse santo é morto e faz um milagre. Existe um Rei, um
Imperador, que fica comovido e até se recolhe no seu quarto durante alguns
dias, abalado, portanto, com a orientação má que vinha seguindo. E há um povo
que se entusiasma tanto com esse santo que, durante muito tempo, o soberano não
pode assassiná-lo de medo da revolta popular. Para matá-lo, atiram-no dentro
d’água durante a noite, temendo que o povo evitasse o assassinato. Cometido o
crime, aparece um milagre.
Notamos o sentido
contrário, na época do protestantismo. Não aparece o grande santo, a indignação
popular não se produz, os mártires que a certa altura surgem não dão origem a
milagres dessa natureza. Tudo ocorre de um modo menos brilhante, em que o
sobrenatural aparece menos.
Como podemos explicar
essa diferença? Dir-se-ia que era muito mais razoável que a Providência
dispusesse favores extraordinários, quando a Cristandade estava mais
necessitada. A heresia de Lutero tinha uma capacidade de expansão muito maior
do que a heresia hussita, ao menos tudo leva a crer, porque a de João Huss foi
esmagada e a de Lutero não foi.
Era o início da maior
tragédia na História da Igreja, a expansão da Revolução religiosa pelo mundo.
Por que Deus parece abandonar sua Igreja?
Por que nessa ocasião
Nossa Senhora não assistiu a Igreja com iguais milagres, com iguais maravilhas?
Por que faltaram os homens providenciais? Por que, a partir do momento em que a
Revolução eclodiu, os milagres e as manifestações do sobrenatural foram
diminuindo? De outro lado, os grandes santos que aparecem vão rareando, e
tem-se a impressão de um crepúsculo, de uma perda de força da Igreja, de uma
potência em face da qual o inimigo faz o papel de um jovem, e a Igreja, que é
eterna, divina, indestrutível, faz quase o papel de uma anciã.
Dir-se-ia que a Providência
já não ama tanto a Igreja e não odeia tanto os maus. Qual é o fundo da
explicação desses fatos?
Para quem considera as
coisas à luz da Teologia da História, a explicação é muito simples: se os
católicos daquele tempo fossem verdadeiramente católicos, se os que
permaneceram fiéis à Fé católica a amassem como deveriam amar, essas coisas não
aconteceriam.
Dois terços da Europa
continuaram católicos, um terço ficou protestante. Se esses dois terços fossem
constituídos de católicos fervorosos, o terço que ficou protestante não teria
alcançado as vitórias que alcançou. E o protestantismo não poderia depois ter
irradiado, se não os seus erros teológicos, pelo menos o seu espírito, sobre
dois terços da Europa católica.
E como os católicos não
reagiram contra as heresias como deveriam reagir, houve uma retração de graças
da parte da Providência. E chegamos a esse paradoxo de que um erro parece tão
forte e uma verdade parece tão débil.
A tibieza fecha as portas ao milagre
Mas é só isso?
A maldade dos inimigos
da Igreja tem algo de comum com a tibieza dos filhos d’Ela. É a mesma raiz.
Muitos católicos cedem habitualmente à mesma tentação. Cedem em graus diversos,
de maneira diversa, mas a tentação é a mesma. E quando os filhos da Igreja são
muito tíbios diante de um erro, os líderes desse erro em geral são péssimos.
Por isso aquela época deu àquele erro uma adesão horrorosa.
Razão pela qual nós
também nos encontramos numa situação em que o mal toma um vigor, uma pujança extraordinária.
E a Providência não opera milagres, em parte para não jogar pérolas aos porcos,
mas também porque o milagre não adiantaria.
Há muita gente que
diante de um milagre não se converteria, absolutamente. Eles têm o estado de
espírito que Nosso Senhor menciona naquela parábola do rico Epulão, o qual pede
para voltar à Terra a fim de explicar a seus irmãos que eles não deveriam levar
a má vida que ele levou, pois podiam ir para o Inferno; Deus, então, lhe diz:
“Não adianta! Eles têm a Lei e os profetas e não se emendam.” E quem não se
corrige com a Lei e os profetas, não se emenda com milagres também. Milagres não
adiantariam.
Consideremos uma grande cidade
de nossos dias, com uma população na qual a Fé já perdeu de tal maneira o
terreno, que as pessoas verdadeiramente católicas constituem uma minoria. Se
todos os habitantes dessa suposta cidade vissem o cadáver de um santo flutuando
sobre as águas, das quais saíssem chamas, será que essa cidade fecharia seus
lugares de perdição e faria penitência? Eu não acredito.
Um número muito pequeno
de pessoas se impressionaria com isso, mas diria: “Ah, que curioso! Deve haver alguma
explicação.” Mais nada!
No dia seguinte, por
meio de um comunicado, os cientistas dão uma explicação, dizendo que foi jogada
tal substância no rio, que formou um bolsão, etc. Pode sair qualquer coisa,
porque quando querem negar o milagre, há explicação para tudo.
São esses estados de fechamento
em que se põem certas civilizações, certos povos e que não têm solução.
Temos assim uma perspectiva
na qual podemos encontrar a justificação para possíveis castigos que a
Providência envie sobre a humanidade.
Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 17/5/1971
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