Em todas as perseguições
sofridas pela Igreja, existiram duas correntes entre os católicos: a do
heroísmo e da acomodação. Santo Eulógio, mártir, lutou valentemente contra os
acomodatícios, tendo uma forma de coragem mais meritória do que a própria
coragem do martírio.
A respeito de Santo
Eulógio, diz o Martirológio Romano: Santo Eulógio foi presbítero e mártir, e na
perseguição dos sarracenos foi açoitado, esbofeteado e degolado à espada, em
consequência de sua intrépida e gloriosa confissão de Cristo. Foi quem
descreveu o martírio de vários santos de Córdoba, durante esta cruel
perseguição. Século IX.
Perseguido pelos muçulmanos e pelos cristãos acomodados
Em Rohrbacher 1
encontram-se os seguintes dados biográficos sobre este Santo:
No ano de 850,
desencadeou-se em Córdoba violenta perseguição muçulmana contra os cristãos.
Dentre as várias vítimas destaca-se o sacerdote Eulógio, pertencente a uma das
famílias mais consideradas da cidade, e que escreveu os combates gloriosos
daqueles que morreram pela fé. Será o defensor de vários cristãos que se
apresentaram voluntariamente ao martírio, e por isto foram criticados como
temerários.
Os muçulmanos,
espantados de ver tantos cristãos correr ao martírio, temeram uma revolta e o
fim de seu domínio. O califa Abdéramo reuniu os conselheiros e ficou resolvido
que prenderiam ou matariam quem quer que falasse contra o profeta.
Os cristãos então se
esconderam e vários fugiram, durante a noite, disfarçados e mudando, muitas
vezes, de esconderijo. Outros, não querendo fugir nem esconder-se, renunciaram
a Jesus Cristo e perverteram os outros.
Vários, tanto sacerdotes
como leigos, que antes louvavam a constância dos mártires, mudaram de opinião e
passaram a tratá-los de indiscretos, alegando mesmo a autoridade da Escritura
para sustentar suas opiniões.
Estes, que desde o
começo desaprovaram o comportamento dos mártires, queixavam-se amargamente de
Santo Eulógio e de outros sacerdotes, os quais, encorajando-os, haviam atraído
a perseguição.
O califa fez reunir em
Córdoba os metropolitanos de diversas províncias e estabeleceu-se um concílio
para acharem um meio de apaziguarem os infiéis. Na presença dos bispos, um
escrivão riquíssimo, cristão, mas que tinha medo de perder o que possuía,
atacou rijamente o sacerdote Eulógio. Ele havia sempre censurado tais mártires
e pressionava os bispos a pronunciarem um anátema contra os que quisessem
imitá-los.
Por fim, o concílio
publicou um decreto que proibia dali em diante que alguém se oferecesse ao
martírio. Mas em termos alegóricos e ambíguos, segundo o estilo da época, de
sorte que servia para contentar o califa e o povo mulçumano, sem todavia
censurar os mártires, quando se penetrava o sentido das palavras do decreto.
Santo Eulógio não
aprovava tal dissimulação. Lutou contra ela durante muito tempo, duramente
perseguido pelos muçulmanos, mas também pelos cristãos acomodados.
Finalmente, firme na
defesa dos mártires voluntários — no que teria um fiel aliado, séculos mais
tarde, na figura de São Francisco de Sales —, foi decapitado no ano de 859.
Um problema moral
Havia aí dois problemas:
o moral e o político .
Antes de considerar o
problema moral, analisemos uma situação psicológica .
Para muitas pessoas é um
tormento insuportável passar uma vida de corre-corre e de foge-foge . É-lhes
muito duro estar de um lado para outro, fugindo da morte que os espreita .
É-lhes mais suave — nas horas de maior dificuldade e quando têm coragem — se
apresentarem às autoridades e dizerem que são mesmo cristãos, e assim resolver
o caso .
Essa situação
psicológica, que em última análise é compreensível, traz consigo um problema
moral: ou a pessoa não se defende com todas as possibilidades que tem, ou até
se apresenta à autoridade que vai matá-la. Isso não constitui um suicídio?
É uma questão moral que
se compreende.
Santo Eulógio era de
opinião — assim como depois São Francisco de Sales — que isto não constitui
suicídio, e que o modo de proceder dos católicos que estavam neste caso era
correto.
Por causa disso, vários
católicos se apresentaram ao martírio e foram mortos. E isto induziu o sultão
de Córdoba a perceber que o número de católicos residentes nessa cidade ainda
era muito grande, e a desejar, portanto, exterminá-los.
Essa atitude feroz do
sultão teria sido então, em parte, desencadeada por causa do procedimento de
Santo Eulógio e dos católicos radicais.
E um problema político
Aparece, então, o
problema político. A Espanha fora, no tempo dos visigodos, uma nação católica,
e a massa da população espanhola continuava católica . Havia uma grande
quantidade de mouros ali residentes, mas também um número enorme de católicos,
e era até tolerada a Religião católica . Tolerada, naturalmente, com a condição
tácita que todas as tolerâncias impõem, e que é a seguinte: a não permissão de
que os católicos empreendessem uma ação muito vivaz. E como consequência, os
bispos seriam
acomodados, tolerantes e dispostos a aceitar tudo, de maneira tal que guiassem
os católicos numa política de submissão e de capitulação, a qual ao longo dos
decênios haveria de produzir uma debilitação, e quem sabe até um eventual
desaparecimento da Fé em terras de Córdoba.
À vista da multiplicação
dos católicos que se apresentavam para o martírio, as autoridades maometanas
resolveram convocar um concílio, para que este concílio de bispos acomodados
condenasse os católicos vigorosos e, pela voz dos bispos, os bons ficassem desmoralizados.
Santo Eulógio certamente
tinha muito maior facilidade em pregar contra Maomé do que contra os bispos acomodados,
que o desmoralizariam. Realizou-se o concílio, e um escrivão, que era muito
rico — em geral os homens muito ricos não querem ouvir falar em morrer e nem em
martírio —, fez um discurso em que acusava Santo Eulógio e seus companheiros.
Terminado o discurso, o concílio condenou os acusados. Mas esta condenação
evidentemente era falsa, não tinha fundamento, e Santo Eulógio continuou
valentemente a sustentar seu ponto de vista. Tal foi sua intrepidez, que acabou
ele sendo decapitado, morrendo mártir.
Duas correntes: a do heroísmo e a da acomodação
Qual a lição que devemos
tirar daí? Que em todas as épocas da Igreja, e em todas as perseguições que ela
sofreu, existem duas correntes: a que quer ser fiel, e a corrente acomodatícia,
daqueles que preferem um negócio qualquer com o qual a Fé sofra prejuízos, mas
que eles possam morrer tranquilamente nas suas camas, levando uma vida tanto
quanto possível agradável.
Existem, portanto, a
corrente do heroísmo e a corrente da acomodação, do pacto, da traição.
Há católicos, por
exemplo, que dentro do mundo revolucionário de hoje querem precisamente uma
acomodação, em vez da luta contra o espírito do mundo.
Santo Eulógio lutou como
um leão e passou pela dura provação de ser condenado pelo episcopado. Pode-se
imaginar quanto isto deve doer na alma de um Santo! Entretanto, ele soube
resistir também a isto, e nos deu um exemplo de que devemos amar tanto a Igreja
e as instituições eclesiásticas, que estejamos dispostos a sofrer, por amor e
fidelidade a elas, a pior das coisas, que é a oposição, e eventualmente até a
condenação de autoridades eclesiásticas acomodadas as quais combatem, dentro da
Igreja, o filão áureo do heroísmo e da dedicação total.
Devemos pedir a Santo
Eulógio esta forma especial de coragem, muito mais meritória do que a própria
coragem do martírio.
1) Cf . ROHRBACHER, René
François . Histoire Universelle de l’Église Catholique . 3ª ed . Vol . 12 .
Paris: Gaume Fréres, Libraires-éditeurs, 1857 . p . 40, 52, 53, 233 e 242 .
Plinio
Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 10/3/1967
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