A boa
formação de uma criança e de um adolescente deve proporcionar-lhes um
equilibrado e sadio impulso para a maturidade. Sobretudo, para alcançarem o
ideal de perfeição moral a que todo homem é chamado. Como a seguir veremos,
luminoso exemplo dessa educação bem assimilada encontramos em São Domingos
Sávio, discípulo predileto do grande São João Bosco.
Comentários de Plinio
Correa de Oliveira a respeito de São Domingos Sávio, discípulo de São João Bosco, evocando não tanto seus traços
biográficos, quanto ressaltando sua fisionomia
moral.
Obra-prima da educação salesiana
Faleceu ele antes de
seu mestre, aos 11 anos de idade, e foi
considerado a obra-prima da educação dada pelo
célebre apóstolo da juventude. Menino eminentemente piedoso, exímio cumpridor dos seus deveres,
conservou sempre uma castidade exemplar,
tendo sido proclamado pelo Papa Pio XI
como o padroeiro da pureza, depois de
São Luís Gonzaga.
Essas reflexões se
prendem a uma recordação pessoal, que me
parece oportuno registrar.
Há alguns anos, a
convite do Arcebispo de Mariana, Dom
Helvécio Gomes de Oliveira, desloquei-me até essa histórica cidade de Minas para fazer uma
conferência sobre São Domingos Sávio. Após o almoço, disse ao reitor do Colégio salesiano onde a sessão se realizaria
à tarde: — Peço que o senhor me consiga uma biografia de São Domingos, pois apesar de sabê-lo canonizado,
ignoro os pormenores de sua vida.
Com muita solicitude
ele me procurou uma biografia do Santo,
porém bastante resumida. Comecei a lê-la e me lembro que o biógrafo acentuava
diversas qualidades comuns aos bons meninos. Assim, São Domingos Sávio era muito devoto, obediente aos seus superiores,
de modo especial a São João Bosco, além de fazer apostolado junto a seus colegas, sendo um exemplo de zelo pelas
almas.
Os birichini de São João Bosco
Contudo, pensei:
“Infelizmente, com esses dados, não me é possível proferir uma conferência que
não seja uma repetição de tantas outras realizadas ou preparadas, a respeito de vários bem-aventurados...”. Com
efeito, naquela época encontrava-se certos formulários para sermão ou exposição
de vidas de santos, que diziam: “São
tal, mudando a data e o nome, serve para tais e tais santos”.
Ora, ao ler o opúsculo
que o reitor me conseguira, percebi que
escapara ao biógrafo o traço mais marcante
e acentuadamente contra-revolucionário da vida de São Domingos Sávio, que, creio eu, indicava o
“segredo” de sua santidade.
Para que esse traço
fique bem explicitado, importa considerarmos o fato de que nosso santo viveu em
meados do século XIX, um período em que a Revolução atingia um auge, e o
espírito revolucionário, portanto, lograva grande concessão da parte dos adolescentes
que principiavam a frequentar escolas.
De um lado. De outro,
temos que São João Bosco lecionava para os birichini, apelativo dado na região
de Turim aos meninos de famílias modestas. Nesse sentido, é esplêndida a
vocação dos salesianos: ensinar sobretudo para as classes populares,
instruindo-lhes nos misteres profissionais em estabelecimentos para essa
finalidade. Eram meninos com grande vitalidade e efervescência, mas tendentes a
travessuras e à falta de seriedade (a qual, aliás, se alastrara por todas as camadas sociais).
Admirável apóstolo da seriedade
Nesses ambientes São
Domingos Sávio mostrou-se um admirável apóstolo
da seriedade, manifestando uma sabedoria superior à existente em meninos
de sua geração. E na medida própria à
mentalidade de uma criança, possuía uma compreensão invulgar de tudo quanto
deveria fazer. De maneira que não
praticava uma ação nem dizia uma palavra
que não revelassem uma reflexão séria — nas proporções de um menino, insisto —
baseada na fé e profundamente
sobrenatural. Por isso ele difundia em torno de si uma atmosfera de compostura, de seriedade, de
calma, sem fazer
com que os
meninos deixassem de ser autênticas crianças. De outro lado, proporcionava-lhes
assim um meio eficaz de se oporem à mania do brinca-brinca, da falta de
educação, da ausência de cerimônia e
boas maneiras.
“Morte ao pecado mortal”
Essa característica de
São Domingos Sávio se faz notar num episódio de sua vida, do qual tomei
conhecimento quando li outra biografia dele, escrita pelo próprio São João
Bosco. Este escreveu:
Domingos veio ver-me no
dia anterior ao início da novena da Imaculada Conceição, em 1854, e teve comigo
o seguinte diálogo. Disse ele:
— Eu sei que a Virgem
concede grande número de graças a quem faz bem suas novenas.
— E tu o que queres
fazer nesta novena, em honra da Virgem?
— Quisera pedir muitas
coisas.
— Quais, por exemplo?
— Antes de tudo quero
fazer uma confissão geral de minha vida, para ter bem preparada a minha alma.
Depois procurarei cumprir exatamente as florzinhas que cada dia da novena se
darão nas boas noites.
“Florzinhas” (fioretti em italiano) significavam
pequenos propósitos a praticar, recomendados na “boa noite”, gênero de alocução famosa que Dom Bosco
dirigia aos seus alunos. Consistia
geralmente de breves comentários de
algum fato do dia, ocorrido no interior ou fora do colégio. Continua a
narração, com a pergunta de São João
Bosco:
— E não tens mais nada?
— Sim, eu tenho uma
coisa: quero declarar morte ao pecado mortal.
— E o que mais?
— Quero pedir muito,
muito à Santíssima Virgem e ao Senhor que me mandem antes a morte do que
deixar-me cair no pecado venial contra a modéstia.
Ou seja, contra a
virtude da castidade. E São João Bosco
acrescenta:
“Deu-me então um
papelzinho em que ele tinha escrito esse propósito e manteve suas promessas
porque a Santíssima Virgem o ajudava. São Domingos Sávio tinha, nessa ocasião,
doze anos de idade.
Ressalta-se, assim, na
estrutura de alma de uma criança, o traço distintivo de São Domingos: extraordinariamente
sério, consequente, lógico em tudo. Ao mesmo
tempo, alegre, de espírito sadio e maduro.
Reflexão ratificada pelos devotos de São Domingos
Dando-me conta
desse cunho característico de
São Domingos Sávio, comecei a
minha conferência em Mariana dizendo que me achava diante de todo o corpo
docente de um colégio salesiano, numa sessão que se realizava sob a presidência
de um Arcebispo também salesiano e, portanto, exporia minha impressão pessoal,
submetendo-a ao juízo deles. Acrescentei que a leitura de uma vida de São
Domingos Sávio deixara em meu espírito essa
idéia: merecia ele ser chamado perfeitamente de apóstolo da pureza das
crianças, mas deveria também ser denominado seu apóstolo da seriedade.
Desenvolvi o tema, mostrando
a importância do papel da seriedade para se alcançar a perfeição espiritual:
não basta ser sério para ser santo, porém não se pode ser santo sem ser sério.
Tão logo enunciei a tese
de que São Domingos era o modelo da seriedade entre as crianças, houve um
aplauso geral iniciado pelo Arcebispo e todos os professores, seguido
naturalmente pelo público. Naquela época, São Domingos Sávio estava sob o foco
das atenções, pois era recém-canonizado e os salesianos difundiam muito a
devoção a ele. Sua vida, portanto, era bem conhecida de seus irmãos de vocação e devotos. A ratificação
daquela tese concedida por esse corpo docente salesiano, com tal ênfase,
demonstrava-me a veracidade da minha observação.
Como vivemos num tempo
em que a falta de seriedade se torna cada vez mais aguda e crítica, parece-me
de importância capital rogarmos a São Domingos Sávio que seja nosso padroeiro
para a seriedade, e nos alcance do Sagrado Coração de Jesus, pelas mãos de
Maria Santíssima, uma perfeita prática dessa virtude da qual ele é um excelso
modelo.
Plinio Correa de Oliveira Extraído de conferências
em 9/3/1971 e 9/3/1973
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