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sexta-feira, 28 de março de 2014

PROFETA DANIEL

Profeta Daniel duas vezes lançado na cova dos leões

Devido a sua heroica fidelidade a Deus, por duas vezes Daniel foi perseguido por idólatras e lançado numa cova de leões. Em ambas as ocasiões, por sua inabalável confiança no Altíssimo, saiu miraculosamente ileso.
Da estirpe real de Davi, muito jovem ainda, Daniel foi levado para Babilônia por Nabucodonosor quando este conquistou Jerusalém, no século VI antes de Cristo.
Inteligente e bem-apessoado, destacava-se pelo porte e, sobretudo, pelas virtudes e dons sobrenaturais, entre os quais os de sabedoria, fortaleza e interpretação de visões e sonhos. Percebendo sua superioridade, Nabucodonosor nomeou-o governador de todas as províncias de Babilônia, presidente dos magistrados e dos sábios do império.
Deus enviou um anjo que fechou a boca dos leões
Algum tempo depois, subiu ao trono de Babilônia o rei Dario, que pretendia elevá-lo ao mais alto cargo do reino. Mas, movidos por inveja e ódio, vários ministros e sátrapas (governadores de províncias), tramaram a morte de Daniel, apresentando a Dario esta proposta:
Os ministros do reino, os prefeitos, os sátrapas, os conselheiros e os governadores estão todos de acordo em que seja publicado um edito real com uma interdição, estabelecendo que aquele que nesses trinta dias dirigir preces a um deus ou homem qualquer que seja, além de ti, ó rei, seja jogado na cova dos leões” (Dn 6, 8).
Embora admirasse o fiel israelita, o rei cedeu e fez publicar a infame lei.
Sabendo disso, “Daniel entrou em sua casa, a qual tinha no quarto de cima janelas que davam para o lado de Jerusalém. Três vezes ao dia, ajoelhado, como antes, continuou a orar e a louvar a Deus” (6, 11).
Os ministros e sátrapas o denunciaram ao rei, o qual se entristeceu e procurou salvá-lo da morte. Mas os iníquos adversários do profeta ameaçaram o monarca, frisando que, segundo a lei dos medos e persas, todo edito real era imutável. Este acabou fraquejando e ordenou que Daniel fosse lançado na cova dos leões.
Perturbado, Dario não conseguiu dormir naquela noite e, logo de manhã, foi à cova. Chamou Daniel, que lhe respondeu: “Meu Deus enviou seu anjo e fechou a boca dos leões; eles não me fizeram mal algum, porque a seus olhos eu era inocente e porque contra ti também, ó rei, não cometi falta alguma” (6, 23).
O rei mandou tirá-lo e jogar na cova os acusadores, com suas mulheres e filhos. “Não haviam tocado o fundo da cova, e já os leões os agarraram e lhes trituraram os ossos!” (6, 25).
Decretou, então, Dario: “Em toda a extensão de meu reino, se mantenha perante o Deus de Daniel temor e tremor. É o Deus vivo, que subsiste eternamente; seu reino é indestrutível e seu domínio é perpétuo” (6, 27).
O ídolo Bel
Babilônia foi depois conquistada pelo rei persa Ciro, o Grande, o qual manteve o profeta em proeminente cargo. “Daniel era conviva do rei e o mais honrado de todos os seus íntimos” (14, 1).
Entretanto, em Babilônia era adorado um ídolo denominado Bel. Diariamente eram-lhe oferecidas 40 ovelhas, além de vários quilos de farinha e seis ânforas de vinho. Tudo era “comido e bebido” por Bel.
Certo dia, o rei perguntou a Daniel por que não cultuava o ídolo. Respondeu ele: “Porque não venero ídolo feito pela mão do homem, mas sim o Deus vivo que criou o céu e a terra” (14, 5).
Argumentou o rei que Bel era vivo, pois comia e bebia diariamente. Rindo, retrucou Daniel: “Este deus é de barro por dentro e de bronze por fora, e ele nunca comeu coisa alguma” (14, 6).
Irritado, o monarca mandou chamar os sacerdotes de Bel e decretou: “Se não me disserdes quem come essas oferendas, morrereis. Mas se me provardes que é Bel quem as absorve, será Daniel quem morrerá” (14, 7-8).
No templo de Bel residiam os 70 sacerdotes, com suas mulheres e filhos, e para lá se dirigiram Daniel e o rei.
Astúcia de Daniel
Os sacerdotes mostravam-se seguros, porque haviam feito aberturas secretas pelas quais entravam à noite para comer as oferendas. Tendo eles se retirado, o rei depôs os alimentos diante do ídolo. Mas Daniel, na presença do rei, mandou seus criados espalharem cinza pelo templo todo. Em seguida, saíram, fecharam a porta, lacrando-a com o sinete real, e se retiraram.
Voltando ao raiar da aurora, e vendo a mesa do altar vazia, o rei entoou louvores a Bel. Mas Daniel, pondo-se a rir, apontou-lhe as pegadas de homens, mulheres e crianças no pavimento. Furioso, o soberano mandou prender os sacerdotes, os quais lhe mostraram as aberturas secretas por onde entravam todas as noites para comer o que havia sobre o altar. O rei, então, mandou matá-los e Daniel destruiu Bel e seu templo.
Fez estourar o dragão
Existia também em Babilônia um imenso dragão, adorado como deus.
O rei interpelou Daniel: “Pretenderás também dizer que aquele é de bronze? Vive, come, bebe. Tu não podes negar que seja um deus vivo. (...) Adora-o então” (14, 23-24).
Este replicou que, se o rei lhe permitisse, mataria o dragão sem mesmo usar espada ou bastão. Ele autorizou. Então Daniel cozinhou juntos breu, gordura e pêlos, fez bolotas e jogou-as na boca do monstro, o qual estourou e morreu. “Eis aí o que adoráveis!” — disse ao rei (14, 26).
Cheios de ódio, os babilônios exigiram do rei: “Entrega-nos Daniel; do contrário, nós te mataremos, bem como toda tua família” (14, 28). Este cedeu, e Daniel foi lançado numa cova onde havia sete leões famintos.
Deus não abandona os que O amam
Por milagre de Deus, Daniel não foi tocado pelas feras.
Enquanto isso se passava, o profeta Habacuc — na Judéia a muitos quilômetros de Babilônia — preparava a refeição para os ceifadores no campo. De repente, apareceu um anjo que lhe ordenou levar os alimentos a Daniel. “Senhor, disse Habacuc, nunca vi Babilônia, e não conheço essa cova” (14, 34).
O anjo, então, levou-o até a entrada da cova dos leões, em Babilônia, onde Habacuc bradou: “Daniel, toma a refeição que Deus te envia” (14, 36). Daniel exclamou: “Ó Deus, vós pensastes em mim! Vós não abandonastes os que vos amam!” (14, 37). Pôs-se a comer, e o anjo transportou Habacuc de volta à Judéia.
Transcorridos sete dias, o rei dirigiu-se à cova para chorar Daniel. Surpreso, viu-o ileso, sentado no meio dos leões.
Em alta voz, o monarca louvou o verdadeiro Deus, mandou imediatamente retirar Daniel da cova, e nela jogar seus inimigos. Todos foram devorados num instante.
Confiança
Nesses episódios, brilha de modo especial a confiança de Daniel. Mais do que nunca, essa virtude hoje nos é necessária.
Disse o Divino Mestre “Haveis de ter aflições no mundo; mas tende confiança, Eu venci o mundo” ( Jo 16, 33).
Peçamos ao profeta Daniel que nos obtenha de Nossa Senhora graças super-abundantes e eficazes de confiança.
Paulo Francisco Martos. Revista Arautos do Evangelho n.23. nov. 2003

sábado, 22 de março de 2014

Santo Inácio de Antioquia

Quem já teve a oportunidade de viajar para Roma e conhecer seus antiquíssimos monumentos — obras-primas da inteligência e da capacidade de nossos ancestrais — certamente terá experimentado uma forte atração ao deparar com o anfiteatro Flaviano, mais conhecido pelo nome de Coliseu.

Sólido e bem edificado, com suas galerias de arcos tipicamente romanos, ele atravessa os séculos, insensível ao tempo, como imagem de um passado que poucos sabem admirar. Com efeito, hoje em dia o Coliseu é objeto da incessante curiosidade dos turistas que o visitam durante todo o ano. Muitos formam intermináveis filas para nele ingressar, com o desejo de fotografá-lo e depois vangloriar-se de ter estado num dos locais mais famosos do mundo; outros percorrem-no com o mero intuito de constatar seu valor artístico e estrutural; poucos são, porém, os que para lá se dirigem na intenção de rezar.
O Coliseu, teatro de crueldades
O imperador Vespasiano, invejoso da afetuosa lembrança que o povo guardava a respeito de César Augusto e sabendo que este, antes da sua morte, prometera construir um imenso anfiteatro que excedesse em esplendor todos os edifícios do mundo, concebeu a ideia de realizar este plano e assim rivalizar em fama com aquele seu predecessor. No segundo ano após sua ascensão ao trono (72 d.C.), Vespasiano iniciou sua obra. Entretanto, também a ele não seria dado ver o objeto de suas ambições, e a morte colheu-o antes de ser completada a construção, que só seria dedicada no ano 80 d.C., por seu filho Tito. Este último teve grande parte na ereção do anfiteatro, empregando nos trabalhos aproximadamente 50 mil prisioneiros, trazidos de sua vitoriosa campanha na Judeia.
Construída especialmente para ser palco daqueles jogos de gladiadores que os romanos tanto apreciavam, a gigantesca mole estava, porém, reservada para servir de quadro a combates de fé e de heroísmo muito mais gloriosos do que desprezíveis eram aqueles espetáculos pagãos! Se os divertimentos do Coliseu deixaram uma mancha no passado por causa das horríveis cenas de crueldade ali representadas, outros fatos, sob o ponto de vista sobrenatural, constituem uma das mais belas páginas da história da Santa Igreja.
Pedestal de bem-aventurados
É com espírito de piedade que deve penetrar no Coliseu o verdadeiro peregrino católico. Bastará permanecer em silêncio por um curto tempo, para perceber os imponderáveis e inverossímeis de fé, força e coragem que habitam sob essas numerosas arcadas. É evocativo esse edifício, no qual cada pedra tem um belo fato para contar e até as gramas e os musgos mais recentes desejariam dizer uma palavra sobre aquele passado feito de sangue, dor e glória. Contemplando mais detidamente essa arena, outrora pedestal de tantos bem-aventurados, podemos ainda divisar os compartimentos onde as feras eram mantidas na fome. Vê-se também ao lado destes as celas que aprisionaram os que hoje constituem uma verdadeira legião, no gozo da visão beatífica. Essas veneráveis ruínas, nas quais refulge um misterioso brilho sobrenatural, parecem cantar, ao longo dos séculos, a célebre frase latina: sine sanguine non fit remissio; lembrando aos homens que, para ser verdadeiros discípulos de Jesus Cristo, é necessário primeiro segui-Lo até as ignomínias do Calvário para depois participar do triunfo da ressurreição. Sim, foi sobre essas pedras benditas, banhadas de sangue católico, que nasceram as raízes da era em que a filosofia do Evangelho dominou sobre todos os povos.
Ouçamos, pois, atentos, um dos emocionantes feitos que esses valos, essas muralhas e arcadas têm a nos narrar.
Inácio, o Teóforo
Corria o ano 106 da era cristã. O imperador Trajano festejava sua vitória sobre Decébalo, rei da Dácia. Querendo manifestar seu reconhecimento aos deuses, a quem atribuía seu recente sucesso, Trajano organizou uma perseguição contra os cristãos que negassem a existência dessas divindades. Entre os condenados estava um venerável ancião, presa de grande valor, — pois se tratava do bispo de uma das cidades de maior importância naquela época — varão que gozava de muita estima e autoridade entre os fiéis da Ásia Menor, por ter sido discípulo do evangelista São João e designado pelo próprio São Pedro para assumir o cargo naquela Igreja: Inácio de Antioquia.
Segundo uma antiga tradição, o primeiro encontro entre o imperador e Inácio dera-se quando este último, sabendo da passagem do césar por sua diocese, fora apresentar-se voluntariamente a ele. Submetido a um interrogatório no qual Trajano tratou-o de “espírito malvado”, respondeu o santo com majestade: “Ninguém pode chamar a Teóforo de espírito malvado”. “Quem é o Teóforo ou portador de Deus?” perguntaram-lhe. “É aquele que leva a Cristo em seu peito...” Instado pelo imperador para que se explicasse mais sobre essa afirmação, o homem de Deus declarou: “Está escrito: ‘Habitarei e andarei no meio deles’” (2 Cor 6, 16). Assim, por essas palavras, ele mesmo dava testemunho de um milagre que viria a ser confirmado após o seu martírio.
Trajano ordenou, pois, que Inácio fosse acorrentado e conduzido a Roma, sob a custódia de dez soldados, para ali ser lançado às feras no anfiteatro Flaviano.
Dolorosa viagem, desfile triunfal
Grande foi a consternação dos fiéis ao conhecerem a sentença que recaíra sobre seu amado pastor. Ele, pelo contrário, regozijava-se e não deixava de dar graças a Deus por ter sido achado digno de tão grande misericórdia. Já antes da partida, embarcando no porto de Selêucia, a notícia de sua detenção espalhara-se por aquelas regiões e de todas as partes acorriam os cristãos para vê-lo passar e dar um último adeus àquele que os precederia no Reino dos Céus. A dolorosa viagem viu-se, então, transformada em verdadeiro desfile triunfal. Em Esmirna, o bispo São Policarpo, acompanhado de seu rebanho, acolheu-o com manifestações de homenagem e respeito. Também as comunidades de Éfeso, Trales e Magnésia foram-lhe ao encontro em grande multidão, desejosas de pedir sua bênção e testemunhar os padecimentos daquele atleta de Cristo. Ele, de seu lado, não esquecera a missão que o Senhor lhe confiara e continuava a exercer seu ministério, apesar de ter as mãos apertadas por grilhões. A muitos batizou pelo caminho, a outros edificou pelas suas palavras cheias de unção, e a um número incontável inflamou na caridade, arrastando-os com seu exemplo a acompanhá-lo no martírio.
Seu zelo incansável levou-o a escrever sete cartas, dirigidas àquelas mesmas Igrejas que tão fervorosamente o haviam recebido. Seus escritos, verdadeiros tesouros de doutrina e espiritualidade, podem ser considerados como “a segunda formulação doutrinária cristã” 1.
Zeloso pregador da doutrina
Uma de suas principais preocupações estava na união que os fiéis deviam manter com Jesus Cristo, através da legítima hierarquia: bispos e presbíteros. Assim, exortava ele na carta aos magnésios: “Esforçai-vos por ficar firmes na doutrina do Senhor e dos apóstolos, para que tudo quanto fizerdes tenha bom êxito na carne e no espírito, pela fé e pela caridade, no Filho, no Pai e no Espírito, no princípio e no fim, com vosso digno bispo e a bem entretecida coroa espiritual de vosso presbitério, juntamente com os diáconos agradáveis a Deus. Sede submissos ao bispo e uns aos outros como, em sua humanidade, Jesus Cristo ao Pai, e os apóstolos a Cristo e ao Pai e ao Espírito, para que a união seja corporal e espiritual.” 2 Em outra passagem, aconselhava a seu amigo Policarpo: “Tem cuidado pela unidade, pois nada há de melhor.”3
Ao bispo de Antioquia é devida a honra de ter dado à Santa Igreja, por primeira vez, o glorioso título de católica: “Onde estiver o bispo, ali estarão também as multidões, da mesma forma que onde estiver Jesus Cristo, ali estará a Igreja Católica”.4
Também foi ele o defensor de um ponto que só viria a ser elevado à categoria de dogma séculos mais tarde: o parto virginal da Santa Mãe de Deus. Assim escreveu aos efésios: “ao príncipe deste mundo foi ocultada a virgindade de Maria, seu parto e também a morte do Senhor”.5 Aos seus caros esmirnenses também afirmava: “Crendo de igual modo que verdadeiramente nasceu da Virgem, foi batizado por João ‘para que nele se cumprisse toda a justiça.’” 6
A doutrina de Inácio era clara e segura; ele a haurira dos lábios daquele discípulo a quem tantos mistérios haviam sido revelados ao repousar a cabeça sobre o peito do Verbo Encarnado e nos longos anos de convivência com Maria Santíssima.
“Procuro aquele que morreu por nós!”
Entretanto, se as cartas deste insigne doutor manifestam toda a riqueza de seu ensinamento teológico, uma outra ainda, aquela enviada aos romanos, deixa entrever o sublime ardor de sua alma, elevada aos píncaros da mais pura mística. Tendo-lhe chegado a notícia de que os fiéis de Roma procuravam interpor toda sua influência para afastar dele a mortal condenação, apressou-se em dirigir-lhes, desde Esmirna, uma comovedora súplica: “Tenho escrito a todas as Igrejas e a todas elas faço saber que com alegria morro por Deus, contanto que vós não mo impeçais. Suplico-vos: não demonstreis por mim uma benevolência intempestiva. Deixai-me ser alimento das feras, porque, através delas, pode-se alcançar a Deus. Sou trigo de Deus: que seja eu triturado pelos dentes das feras para tornar-me puro pão de Cristo!
Instigai, ao contrário, os animais para que neles encontre o meu sepulcro e nada reste de meu corpo para não ser pesado a ninguém, depois de adormecer. Então serei verdadeiro discípulo de Cristo, quando o mundo não mais vir sequer o meu corpo. Suplicai a Deus por mim, que por este meio me torne uma hóstia para Deus. [...]
Que nada, tanto das coisas visíveis quanto das invisíveis, segure o meu espírito, a fim de que eu possa alcançar a Jesus Cristo. Que o fogo, a cruz, um bando de feras, as dilacerações, os cortes, a deslocação dos ossos, o esquartejamento, as feridas pelo corpo todo, os duros tormentos do diabo venham sobre mim para que eu ganhe unicamente a Jesus Cristo! [...]
Procuro aquele que morreu por nós: quero aquele que por nós ressuscitou. Meu nascimento está iminente. Perdoai-me, irmãos! Não me impeçais de viver, não desejeis que eu morra, pois desejo ser de Deus. [...]
Vivo, vos escrevo, desejando morrer. Meu amor está crucificado. Não há em mim um fogo que busque alimentar-se da matéria, apenas uma água viva e murmurante dentro de mim, dizendo-me em segredo: ‘Vem para o Pai!’ [...]
Se for martirizado, vós me quisestes bem. Se for rejeitado, vós me odiastes.”7
Expressões de tão heroica caridade só poderiam brotar de um coração tomado pela graça do martírio de maneira superabundante. Com efeito, assim nos explica São Tomás de Aquino: “Entre todos os atos de virtude, o martírio é aquele que manifesta no mais alto grau a perfeição da caridade. Porque tanto mais se manifesta que alguém ama alguma coisa, quanto por ela despreza uma coisa amada e abraça um sofrimento. É evidente que entre todos os bens da vida presente aquele que o homem mais preza é a vida e, ao contrário, aquilo que ele mais odeia é a morte, principalmente quando vem acompanhada de torturas e suplícios por medo dos quais ‘até os próprios animais ferozes se afastam dos prazeres mais desejáveis’, como diz Agostinho. Deste ponto de vista, é evidente que o martírio é, por natureza, o mais perfeito dos atos humanos, enquanto sinal do mais alto grau de amor, segundo a palavra da Escritura: ‘Não existe maior prova de amor do que dar a vida por seus amigos.’” 8.
Um lutador resignado só pode ser traidor
Esta excelência da caridade que pervadia o interior de nosso santo, só tendia a crescer à medida em que se sucediam as etapas da viagem que o aproximavam da tão almejada meta. Embarcando no porto de Dirraquio — sempre sob o olhar vigilante dos guardas, os quais ele mesmo chamava de “dez leopardos”, a causa dos maus tratos que lhe infligiam — enfrentou uma longa travessia, bordejando o sul da Itália e, por fim, desembarcou em Óstia, a 20 de dezembro do ano 107, último dia das festas públicas que se celebravam em Roma.
Na orgulhosa metrópole dos imperadores comemorava-se ainda o triunfo de Trajano sobre os dácios. Durante 123 dias haviam-se prolongado os espetáculos nos quais morreram 10.000 gladiadores e 12.000 feras. O bispo Inácio era esperado com ansiedade pela turba pagã, pois as vítimas ilustres e de aspecto venerável exerciam maior atração nos jogos circenses. Por isso, os soldados para lá conduziram-no sem demora. Os cristãos receberam-no às portas da cidade, com manifestações de sincera admiração e respeito. Alegravam-se ao vê-lo, mas lamentavam, ao mesmo tempo, que lhes fosse arrebatado tão cedo. Rogaram-lhe, então, que obtivesse de Deus o favor de que algumas relíquias suas lhes fossem deixadas após o martírio. Embora contra sua vontade — pois ele desejava ser devorado por inteiro — o santo varão acedeu bondosamente em fazer-se cargo de pedido tão filial.
Arrastando suas cadeias, Inácio atravessou as ruas pavimentadas da capital do império: ao longe podia divisar os imponentes muros do Coliseu dominando o vale, circundado pelos montes Palatino, Esquilino e Célio. Aquele edifício representava para ele o termo de seus anelos, a realização de suas esperanças mais íntimas, a consumação de seu holocausto. Caminhava apressadamente, não com a resignação de um condenado, mas impelido pelos ardores de entusiasmo que não mais cabiam dentro de sua alma, convicto de que o lutador resignado é traidor. Aquele edifício servir-lhe-ia de túmulo e de altar, ao passo que seria o pedestal de onde seu espírito voaria ao céu.
“Desejaria ser triturado como o trigo”
Uma numerosa multidão acorrera ao Coliseu para presenciar o sangrento espetáculo e se deliciar com o destroçamento do corpo do mártir. Este, sereno e alegre, não manifestou a menor vacilação quando as grades foram abertas e entrou no vasto anfiteatro, à espera do trágico momento em que as bestas ferozes fossem soltas. As vaias e os escárnios daqueles pagãos para ele nada significavam. Pelo contrário, eram-lhe uma razão a mais para crer na invisível coorte de bem-aventurados a esperá-lo com uma palma e uma coroa.
Ouve-se um hurra na turbamulta, sucedido por silêncio e um grande suspense: os famintos leões irromperam na arena e, impetuosos, avançaram sobre a pura e inocente vítima para devorá-la. Entretanto, com a majestade e império que possuem as almas tomadas pelo Espírito Santo, o mártir estancou-as a meio caminho, com um simples gesto de mão. Num movimento solene, ajoelhou-se e, elevando os braços ao céu, clamou em alta voz: “Senhor, aqueles que me acompanharam e que são também vossos filhos, pediram-me que rezasse a fim de que algo lhes sobre deste martírio, para estímulo de sua fé. Eu, porém, desejaria ser triturado como o trigo para vos ser oferecido como hóstia pura. Senhor, fazei a vontade deles e também a minha, eu vos peço”.
Após a oração, assistida com estupefação pela horda criminosa e pagã e pelas feras, com respeito, eis que ainda mais grandioso e nobre gesto permitiu a estas últimas sair de seu miraculoso encantamento e dar vazão aos instintos de sua voraz natureza.
Em poucos minutos, lá entravam os gladiadores a agrilhoar aqueles animais que acabavam de saciar seu bestial apetite com as carnes de um novo serafim. A arena vazia, o espetáculo terminado, retirou-se vagarosa e frustrada a assistência. Que demonstração de fé e de nobreza haviam presenciado!
“Põe-me como um selo em teu coração”
Os cristãos por ali ainda permaneceram à espera do cair do sol. E quando o manto da noite passou a cobrir a cidade de Roma, penetraram na arena à procura das poeiras tornadas relíquias ao serem embebidas pelo sangue daquele que agora os precedia na glória celeste.
Um milagre! Encontraram intactos um fêmur e o coração! Tomados de sobrenatural entusiasmo, caminharam sem medir distâncias, rumo às catacumbas e depois de algumas horas, constataram, à luz das lamparinas, outro milagre: num círculo, as veias e artérias do coração do santo mártir, constituíam as célebres palavras: Iesus Nazarenus, Rex iudeorum.
Inácio, o Teóforo, o portador de Deus, atestara seu nome com aquele comovedor prodígio. Seu coração amante fora subjugado e modelado pelo Amado, segundo aquele pedido do Cântico: “Põe-me como um selo em teu coração” (Ct 8, 6). Nem as tribulações, nem as correntes, nem os suplícios, nem a própria morte o haviam podido separar do amor de Cristo. Por sua santa vida, rica em pregações, em caridade e exemplos, assemelhara-se ao Divino Mestre, imitando-o enquanto verdadeiro Pastor das ovelhas. Por sua generosa entrega levada ao extremo da imolação, alcançara para sempre aquela “única coisa necessária” (Lc 10, 42): o convívio eterno com Aquele a quem só procurara na Terra, Jesus!
A este santo varão de Deus bem poderiam ser aplicadas as belas palavras de um autor medieval: “Forte é o amor, que tem poder para privar-nos do dom da vida. Forte é o amor, que tem poder para restituir-nos o gozo de uma vida melhor. Forte é a morte, poderosa para despojar-nos do revestimento deste corpo. Forte é o amor, poderoso para nos roubar os despojos da morte e no-los entregar de novo.
Forte é a morte, a ela o homem não pode resistir. Forte é o amor que pode vencê-la, embotar-lhe o aguilhão, travar-lhe o ímpeto, quebrantar-lhe a vitória.” 9
E uma vez mais caiu a noite sobre a grandiosa mole do Coliseu. As areias do circo pagão, regadas pelo sangue daquele que portara a seu Redentor no peito, transformaram-se de novo em campo arado e fértil, de onde germinariam muitos outros filhos da Esposa Mística de Cristo.
1) CRISTIANO, Año. BAC, Madrid, 2006, v. X, p. 426-434. 2 ) Carta aos Magnésios, in Liturgia das Horas. São Paulo: Paulus, 2000, v. III, p. 473. 3) Carta a São Policarpo, ibidem. São Paulo: Paulus, 2000, v. III, p. 510. 4 ) CRISTIANO, Año. Ibidem, p. 429. 5 ) BUTLER, Alban. Vidas de los Santos de Butler. México: John W. Clute S.A. 1968, v. I, p. 220-224. 6) Carta aos Esmirnenses, in Liturgia das Horas. São Paulo: Paulus, 2000, v. III, p. 122. 7) Carta aos Romanos, ibidem. São Paulo: Paulus, 2000, v. III, p. 289290,293-294.8 ) Suma Teológica II-II q.124 a.3 9 ) Tratados de Balduíno da Cantuária, in Liturgia das Horas. São Paulo: Paulus, 1999, v. IV, p. 59-60.

 Clara Isabel Morazzani - Arráiz Revista Arautos do Evangelho

sábado, 15 de março de 2014

BEATA ELISABETH DA TRINDADE

Do cerne do convívio celeste, esta mística carmelita parece sorrir para nós, convidando-nos a seguir suas pegadas na experiência trinitária, na Terra e na eternidade.
Criança inteligente e precocemente contemplativa, de espírito firme, com apenas sete anos de idade encontrava-se visitando o Cônego Isidoro Angles, muito amigo da família. Em certo momento, cansada de brincar e da infantil conversa com a irmã e as amigas, a menina aproximou-se do sacerdote e sussurrou-lhe ao ouvido:
― Monsieur Angles, eu serei freira. Quero ser freira!
― Que diz essa traquinas? ― perguntou sua mãe, sobressaltada.
Muito intuitiva, havia percebido ela terem essas palavras uma seriedade não condizente com a idade de sua filha. Conhecia bem Elisabeth e pressentia a realização desse desejo manifestado com tanta firmeza. Passou a noite atormentada e, no dia seguinte, procurou o cônego e perguntou-lhe, ansiosa, se acreditava seriamente naquela vocação. A resposta traspassou-a como uma espada o coração:
― Sim, creio.
Vitória sobre um temperamento irascível
  Nascida em 18 de julho de 1880, no acampamento militar de Avor, perto de Bourges, onde seu pai era capitão, Maria Elisabeth Catez foi batizada quatro dias depois. Menina de gênio forte e impetuoso, personalidade decidida, olhar chamejante, buliçosa, faladeira e muito carinhosa, Elisabeth uniu-se com enorme afeto à irmã, Margarida, três anos mais nova, que tinha uma índole oposta: era tranquila e até tímida.
Quando contava apenas sete anos, Elisabeth viu falecer o pai em seus braços, vítima de um ataque cardíaco. Esse fato marcou-a profundamente e deu-lhe uma sensível experiência da efemeridade das coisas terrenas. Poucos meses depois, a viúva mudou-se com suas duas filhas para um apartamento de onde se podia ver, a pequena distância, o Carmelo de Dijon.
Possuindo um caráter violento e irascível, desde a mais tenra idade, aquela criança batalhava por dominar-se, com uma vontade de ferro. Sua irmã testemunha a esse respeito: “à força de lutar consigo mesma, chegou a uma doçura angelical. Lembro-me dela bem pequena com verdadeiros acessos de cólera, gritando e batendo os pés... Esta menina tão difícil transformou-se numa jovem de grande serenidade”.
Numa carta dirigida à mãe, em 1º de janeiro de 1889, bem demonstra esse desejo de vencer o próprio temperamento: “Ao desejar-lhe um feliz Ano Novo, tenho a alegria de prometer-lhe que serei bem comportadinha e obediente; que não lhe darei mais oportunidade para que se zangue; que não chorarei mais e que serei uma mocinha exemplar para que a senhora sinta prazer em tudo”.
Meses depois, em nova carta à mãe, escreve: “Espero que bem em breve terei a felicidade de fazer a Primeira Comunhão; por isso, serei ainda mais bem comportada porque pedirei a Deus Nosso Senhor que me torne ainda melhor”.
De fato, em19 de abril de 1891, dia em que recebeu o anelado Pão dos Anjos, o temperamento da jovem Catez transformou-se de forma súbita e profunda. Depois da cerimônia, confidenciou a Maria Luiza Hallo, sua íntima amiga: “Não tenho fome; Jesus alimentou-me”.  Aquele primeiro contato com Jesus escondido na Sagrada Hóstia fora decisivo para seu itinerário espiritual. A partir de então, “o mestre tomou posse total do seu coração”,  afirma o Padre Philipon. 
No próprio dia em que recebeu a Eucaristia pela primeira vez, fez uma visita ao Carmelo e sentiu profunda emoção quando a priora, Madre Maria de Jesus, lhe explicou que o nome Elisabeth significa “Casa de Deus”. Tais palavras marcaram indelevelmente a menina, chamada a um convívio singular e profundo com a Santíssima Trindade — com os “meus Três”, como ela mesma diria mais tarde —, habitando com especial intensidade em sua alma.
Harmonia entre a vida mística e a vida social
Dotada de peculiares dons musicais, Elisabeth começou a estudar no Conservatório de Dijon, aos oito anos, onde foi várias vezes galardoada. Com apenas treze, recebeu o primeiro prêmio de piano, num concerto que repercutiu na imprensa local e a tornou conhecida na cidade como instrumentista de talento.
Além do Conservatório, não frequentou escola. Como era costume nesse tempo, as meninas recebiam educação em casa, com professoras contratadas pelas famílias. Ademais, o estudo do piano lhe tomava muito tempo e era constantemente convidada para concertos ou soirées musicais.
A senhora Catez e suas filhas mantinham um grande círculo de amizades. Na França do século XIX, ainda perfumada pela doceur de vivre, o relacionamento social proporcionava inúmeros prazeres inocentes, tais como sessões musicais, jogos de tênis, piqueniques e excursões às montanhas ou a encantadoras cidadezinhas francesas. Todas essas atividades mantinham Elizabeth e suas amigas constantemente ocupadas, dentro de um ambiente de uma alegria difícil de imaginar hoje em dia.
Assim, passeios, música e muitas outras diversões faziam parte do dia a dia de Elisabeth. Ela se encantava com as montanhas e bosques, com os jogos, as igrejas e as vilas francesas. Desfrutava também intensamente das frequentes viagens que a família fazia pelo sul da França. Era feliz no meio de uma sociedade que em nada impedia a prática da virtude nem criava dificuldades para a vida interior daquela contemplativa adolescente.
A própria Elisabeth narra um acontecimento decisivo para seu itinerário espiritual ocorrido nessa época, pouco antes de completar catorze anos: “Um dia, durante a ação de graças, senti-me irresistivelmente impelida a escolher Jesus como meu único esposo; e sem mais dilações, uni-me a Ele pelo voto de virgindade. [...] minha resolução de ser toda sua tornou-se mais definitiva ainda”.
Terminadas as viagens de férias, a primogênita dos Catez regressava a Dijon carregada de saudades do Carmelo, cujo carrilhão escutava com gosto, cujo jardim divisava de sua janela e para cuja capela dirigia seus pensamentos. Um impulso místico a transportava para aqueles muros benditos, tão próximos e ao mesmo tempo tão distantes.
Anseio pelo encontro com o Esposo
Depois do verão de 1898, cumpridos os 18 anos, Elizabeth tomou a firme determinação de entrar no Carmelo. Contudo, deparou-se com um obstáculo intransponível: a negativa peremptória da mãe, à qual, embora sofrendo enormemente, submeteu-se com resignação. Apenas quando completasse 21 anos, maioridade da época, seria autorizada a realizar seu anseio.
Os anos de espera não fizeram senão favorecer uma evolução espiritual em Elisabeth, apoiada nos grandes mestres do Carmelo, especialmente Santa Teresa de Jesus, São João da Cruz e Santa Teresa de Lisieux, falecida há pouco, em 1897. Com especial força ressoaria na alma da futura religiosa a leitura da História de uma alma, que já circulava por toda França.
Durante uma missão redentorista, realizada em Dijon em 1899, nasceu no coração de Elizabeth o desejo de ser vítima expiatória, de obter almas para seu Esposo, de ajudá-Lo a carregar a Cruz. Registrou esses propósitos em seu Diário Espiritual, no último dia da missão, concluindo nestes termos: “Oh! Meu Esposo, meu rei, minha vida, meu amor supremo, sustenta-me sempre neste caminho da cruz que escolhi para compartilhá-lo, pois sem Ti nada posso!”.  
Em junho desse ano, a senhora Catez autorizou a filha a visitar as carmelitas e Elizabeth apresentou à priora do Carmelo seu pedido de admissão. Daí em diante, foi se afastando cada vez mais da vida social. Ainda comparecia a algumas reuniões, mas seu espírito nelas estava ausente.
Em princípios de 1900, participou dos exercícios espirituais pregados por um jesuíta, o padre Hoppenot. No dia do encerramento, 27 de janeiro, anotou ela no mesmo Diário Espiritual: “Entreguei-me de tal modo ao bom Mestre, abandonei-me a Ele, confidenciando-lhe todos os meus desejos mais caros. Só quero o que Ele quer. Sou a sua vítima. Que faça de mim o que Lhe aprouver. Que me tome no momento que quiser, pois estou pronta e vivo na expectativa disso”.
Surgiram ainda vários empecilhos para retardar a entrada de Elisabeth no Carmelo, mas, por fim, seu anseio se tornou realidade em 2 de agosto de 1901. Simples postulante, sentia-se já carmelita e todas as coisas no convento a encantavam. O jardim, os claustros, a regra, o recolhimento, o silêncio... tudo de tal maneira lhe falava de Deus que ela chegou a afirmar: “Só um tênue véu parece separar-nos, Ele está a ponto de aparecer”. 
Na festa da Imaculada Conceição desse mesmo ano tomou o hábito de noviça, e menos de dois anos depois, em 11 de janeiro de 1903, fez a profissão religiosa.
Purificada pelo sofrimento
Ora, no noviciado retiraram-se essas graças primaveris. A alma da esposa de Cristo, a Ele oferecida como vítima por amor, começava a ser acrisolada na dor e na provação. “Às radiantes claridades de postulante sucederam-se, para Sóror Elisabeth da Trindade, as trevas de uma noite profunda”, atesta a priora da época, Madre Germana de Jesus. “É impossível dizer o que sofreu, então, esta inocente filha, pouco antes imersa numa paz que parecia inalterável”. 
 “A mão divina”, esclarece o padre Philipon, “não lhe poupará as purificações supremas pelas quais Deus costuma introduzir as almas heroicas na paz imutável da união transformante, e elevá-las acima de todo gozo e de toda dor”. 
Deste modo, a jovem risonha e buliçosa, acostumada a haurir com entusiasmo dos inocentes prazeres da vida, aprendia a aceitar com conaturalidade os mais terríveis sofrimentos.
O segredo mais íntimo
Analisando o itinerário espiritual de Elisabeth da Trindade, o teólogo dominicano já mencionado, Marie-Michel Philipon, descreve pormenorizadamente a atuação dos dons do Espírito Santo sobre ela e afirma ter sido o da sabedoria ― o mais divino de todos os dons ― que lhe permitiu participar, no mais alto grau possível nesta Terra, do conhecimento experimental que Deus tem de si mesmo no Verbo, dando origem ao Amor.
Elisabeth se sentia como filha adotiva da Trindade, em uma completa conaturalidade com Ela, de maneira a todos os seus atos provirem de sua alma e, ao mesmo tempo, de Deus. Vivia constantemente, por assim dizer, no próprio coração da Trindade e deste centro indivisível sua alma contemplava todas as coisas em suas razões mais elevadas, mais divinas.
Tudo nesta Terra — inclusive a dor e o sofrimento — ficava num segundo plano para ela. Possuía, “por instinto, o senso das coisas eternas e divinas, e precisaria violentar-se para descer ao nível das ninharias em que se arrastam numerosas almas, mesmo religiosas ― que se dizem contemplativas ― e que não sabem esquecer suas misérias e seu nada”. 
Tal era o segredo mais íntimo de Elisabeth, manifestado em sua vida e em seus escritos. Sua grande ambição era “dizer a todas as almas que fonte de força, de paz e de felicidade encontrariam se consentissem em viver nessa intimidade” das pessoas divinas.
“Laudem gloriæ”
A espiritualidade trinitária de Sóror Elisabeth fazia-lhe possuir, como vimos, uma como que visão antecipada dos hábitos da eternidade, enchendo-a de paz e tornando sua vida deiforme.
Ora, antes de chegar à visão beatífica, a alma dessa privilegiada carmelita precisava subir ainda mais um degrau rumo à perfeita união com o Amado. E esse processo iniciou-se, fortuitamente, durante uma conversa espiritual com outra religiosa a propósito de um curto trecho das epístolas de São Paulo: “ut simus in laudem gloriæ eius” ― “ser o louvor de sua glória” (Ef 1, 12).
Por uma graça toda especial, aquelas palavras do Apóstolo das Gentes desvendaram-lhe o cerne de sua espiritualidade e a essência de sua missão nesta Terra. Dera início a uma nova etapa em sua vida, na qual o lema Laudem gloriæ passou a ser seu antonomástico. Sóror Elizabeth vai usá-lo inclusive como assinatura, a fim de marcar esse rico período caracterizado por um completo abandono à Providencia Divina. “Para ser louvor de glória — dirá ela — é preciso morrer a tudo que não é Ele, a fim de só vibrar sob seu toque”.
Difícil é compreender, para quem está pouco acostumado aos arcanos da mística, toda a profundidade espiritual e teológica contida nesse brevíssimo lema. Ele reflete um elevadíssimo estágio de vida interior, no qual a alma transcende até à própria busca da santidade para se preocupar exclusivamente com a glória divina. Não se trata mais de ir em pós dos meios para alcançar o Céu, mas de iniciar já nesta Terra “o Sanctus na pátria dos bem-aventurados”. 
“Janua Cœli”
Dentro desta antecipada prelibação celeste, detinha-se com frequência a meditar nas relações de Maria com a Trindade. Imaginava o Pai inclinando-se sobre Ela, desejando que fosse Mãe no tempo d’Aquele de quem é Pai na eternidade. E vislumbrava o Espírito de Amor ― o qual preside todas as operações de Deus ― n’Ela engendrando o Verbo encarnado, a partir de seu Fiat.
O desejo de ser escrava do Senhor, a exemplo de Nossa Senhora, lhe encantava. Foi por sua íntima união com a Trindade que Maria abrira aos homens a “porta do Céu” ― Janua Cœli ―, trazendo ao mundo o Salvador.
Quando já estava muito doente, Sóror Elisabeth pedia à Virgem Santíssima que velasse por sua saída do Carmelo para o Céu, assim como a havia protegido em sua entrada ao convento. Maria ia ser a porta aberta propiciadora do seu encontro definitivo com a Santíssima Trindade. “Janua Cœli deixará passar Laudem gloriæ”, ouviram-na dizer nas últimas horas de sua agonia.
“Vou à vida, à luz, ao amor”
Na primavera de 1905, Elisabeth começou a sentir os primeiros sintomas de uma doença incurável na época: o mal de Addison.
Sabendo-se a caminho da morte, cresceu nela desejo de fazer o bem às almas, unindo-as à Trindade Santíssima. Multiplicaram-se, então, os escritos de despedida e as cartas de conselhos espirituais. A pedido da priora, anotou algumas meditações de seu último retiro, feito em agosto de 1906, nas quais transparece a perspectiva da eternidade, onde parecia já viver sua alma: “Quão bela é a criatura assim despojada, libertada de si própria! [...] Ela sobe, eleva-se acima dos sentidos, da natureza; ultrapassa-se a si mesma; domina toda alegria e toda tristeza, e tudo transpõe para só descansar quando tiver penetrado no interior d’Aquele que ela ama”.
Em fins de outubro desse ano, a doença agravou-se irremediavelmente. Ela sabia aproximar-se a hora tão ansiada de viver com “seus Três”, e nos últimos dias de agonia, repetia, “com voz encantadora” estas palavras: “Vou à luz, à vida, ao amor...”. 
A superiora não a abandonava dia e noite, e foi testemunha de como suportou com paciência e serenidade a separação desta vida terrena. Desfigurada de dor, chegou a ficar irreconhecível. No dia 9 de novembro, às cinco e quarenta e cinco da manhã, virou-se do lado direto, inclinou a cabeça para trás e sua figura se iluminou. Os olhos, fechados há vários dias, se abriram, parecendo vislumbrar algo por cima da cabeça de Madre Germana que, ajoelhada à sua cabeceira, rezava. Assim partiu para encontrar-se com “seus Três”.
*     *     *
Depois da sua morte, Sóror Elisabeth continua sendo um exemplo de alta espiritualidade e singular vida trinitária, convidando-nos a seguir suas pegadas na experiência da vida em Deus. Mais que ensinamentos teológicos ela transmitiu para os séculos futuros uma rica vivência mística, amadurecida de forma impressionante em apenas alguns anos no Carmelo e abundantemente relatada em cartas e outros escritos.
Esse legado para o futuro é assim descrito pelo Papa João Paulo II, na homilia da sua beatificação: “À nossa humanidade desorientada, que já não sabe encontrar a Deus ou que O desfigura, que procura uma palavra na qual fundamente sua esperança, Elisabeth dá o testemunho de uma abertura perfeita à Palavra de Deus que ela assimilou, a ponto de nutrir dela verdadeiramente sua reflexão e sua oração, de encontrar nela todas as suas razões de viver e de se consagrar ao louvor de sua glória”.  
Daí que sua mensagem se difunda hoje com uma singular força profética.


domingo, 9 de março de 2014

Santo André Bessette

Uma notícia alvissareira logo correu por toda a vila: “O Irmão André está no bairro, visitando uma mulher enferma!”.
As portas das casas se abriram com rapidez, crianças correram-lhe ao encontro, famílias inteiras surgiram na entrada das residências, doentes foram trazidos às presas. Uma pequena multidão agrupou-se em torno daquele homem miúdo, de cabelos brancos e olhos acesos, que se movia lentamente, com um sorriso acolhedor.
Parando para apertar com firmeza a mão de um rapaz, disse-lhe: “Não te preocupes, as coisas vão se endireitar”. Mais adiante, fitou um ancião e perguntou-lhe: “Tens de que São José pode te curar?”. E com voz transbordante de afeto acrescentou: “Coragem! Tem confiança em São José!”.
Por fim, antes de partir, deu a todos uma última recomendação: “Continuem a rezar!”.
Já no carro, o motorista comentou:
— Parece uma cena da vida de Jesus: o povo correndo diante do senhor e implorando favores e curas!
Talvez... mas aqui Deus certamente está usando um instrumento bastante miserável — respondeu o santo com simplicidade.
“Estou lhes enviando um santo
Alfredo — era este seu nome de Batismo — nasceu numa família pobre e numerosa, em 9 de agosto de 1845, na aldeia de Saint-Grégoire d’Iberville, próxima de Montreal. De saúde débil, a dor o acompanhou desde pequeno.
Segundo alguns biógrafos, sua assinalada devoção a São José talvez tenha origem no fato de seu pai ser carpinteiro. Mas, em qualquer caso, a vida de Alfredo vai estar marcada, já desde a infância, por um relacionamento todo especial entre o Patriarca da Igreja e aquele piedoso menino, que haveria de construir a maior igreja do mundo dedicada a ele.
Antes, porém, teve de percorrer um longo e sinuoso caminho. Tentou exercer várias profissões, sem êxito, devido à sua fraca saúde. Aos vinte anos, partiu para os Estados Unidos, buscando trabalho nas fábricas têxteis de Connecticut, mas voltou algum tempo depois, quando ficou evidente que não tinha forças para esses serviços.
Foi o pároco da sua aldeia natal quem, percebendo a virtude, retidão e constância desse jovem, identificou nele uma autêntica vocação religiosa e o encaminhou ao colégio que a Congregação da Santa Cruz — fundada, havia pouco, na França pelo Beato Basile Moreau — já possuía em Montreal. “Estou lhes enviando um santo”, declarou o pároco, na carta em que recomendava aquele candidato simples e analfabeto.
O melhorcartão de visitas” da Congregação
Alfredo não defraudou aquelas expectativas. Logo aprendeu a ler e, com seu comportamento exemplar, ajudou a elevar o padrão do noviciado. A meditação sobre os sofrimentos de Cristo sempre fora uma das colunas da sua espiritualidade. “Se nos lembrássemos que o pecado crucifica novamente Nosso Senhor, nossas orações seriam mais adequadas”1, afirmava. Entretanto, procurava manter sem cessar seus companheiros animados, repetindo-lhes: “Tentem não ficar tristes! Faz bem sorrir um pouco...”.
Ao se aproximar o fim do noviciado, Alfredo Bessette receava ser-lhe negada a autorização para proferir os votos religiosos, por causa de sua saúde débil. Mas após pedir a intercessão do Bispo, Dom Ignace Bourget, acabou por fazê-los em 22 de agosto de 1872, trocando o nome de batismo pelo de Irmão André.
O superior o incumbiu da portaria do colégio e ele ali desempenhou com toda perfeição sua tarefa: mantinha o ambiente em ordem exímia, servia de carteiro e executava vários outros serviços. Falando inglês e francês, revelou especial talento para receber as pessoas e fazê-las sentir-se à vontade. Acabou por tornar-se o melhorcartão de visitas” da Congregação.
No fim da vida, costumava dizer espirituosamente: “Quando ingressei nesta comunidade, os superiores me mostraram a porta e lá fiquei durante quarenta anos”.2
Curas numerosas e bem documentadas
Cerca de cinco anos após sua entrada em religião, começou a manifestar-se nele o dom da cura. Certo dia, aproximou-se do leito no qual jazia um estudante com febre alta e mandou-o ir brincar, afirmando estar ele em perfeita saúde. Para espanto do médico de plantão, o menino saiu sadio da cama.
Noutra ocasião, chegou à portaria o pai de um aluno, com fisionomia preocupada, e o bom irmão lhe perguntou qual era seu problema. O pobre homem explicou que sua esposa ficara paralítica. “Talvez ela não esteja tão doente como parece”, disse-lhe o santo. Naquele momento, do outro lado da cidade, a mulher levantou-se e começou a caminhar regularmente.
Irmão André aproveitava essas curas, sempre realizadas de forma discreta, com aparência de normalidade, para fazer um apostolado contínuo: recomendava a oração perseverante, sugeria novenas, “receitava” a aplicação do óleo de uma lamparina que ardia ante a imagem de São José, ou aconselhava a levar consigo uma medalhinha deste, pois, dizia, “tudo isso são atos de amor e , de confiança e humildade”.
Fazia também questão de esclarecer a verdadeira causa das curas a ele atribuídas, afirmando ser o bom Deus quem faz os milagres e São José quem os obtém. “Eu sou apenas o cachorrinho de São José”, dizia com humildade.3
Certo dia, enquanto lavava o corredor central do colégio, apresentou-se diante dele, apoiada em duas pessoas, uma mulher atacada de reumatismo, incapaz de caminhar sozinha. Irmão André, olhando-a com perplexidade, disse-lhe:
— Creio que a senhora poderia andar por conta própria. Por que não experimenta ir sozinha até à capela?
Ela assim o fez, e regressou para casa andando sem dificuldade e chorando de gratidão.
Quando a afluência de doentes começou a perturbar a rotina do colégio, Irmão André transferiu suas atividades apostólicas para uma estação de ônibus, situada nas proximidades. Ao saber disso, o Arcebispo perguntou aos superiores que faria ele se o obrigassem a parar de fazer milagres. Ao saber que ele obedeceria cegamente, replicou: “Então, deixem-no. Se esta obra é de Deus, florescerá; se não, vai desmoronar”.4
As curas de almas e corpos continuaram às torrentes. Mais de quatro mil páginas documentando-as foram recolhidas durante o processo de beatificação.
Um dos casos mais impressionantes é o de um jovem, vítima de terrível acidente industrial. Com o rosto queimado, em risco de ficar cego, correu à procura do Irmão André, mas este estava atendendo um infeliz canceroso, e havia muitos outros à espera. Sem sequer tê-lo visto chegar, o religioso apareceu e perguntou-lhe:
— Quem disse que perderás as vistas? Tens confiança na intercessão de São José?
Diante da resposta afirmativa, recomendou-lhe:
— Vai para a igreja, assiste à Missa e comunga em honra de São José. Continua com os teus remédios, mas adiciona a eles uma gota do óleo da  lamparina do glorioso Patriarca, rezando esta jaculatória: “São José, rogai por nós!”. Tem confiança, tudo correrá bem!
O acidentado fez tudo com exatidão e, no dia seguinte, o tecido cauterizado de seu rosto caiu como “folhas de papel celofane”. Inteiramente restabelecido, voltou em sinal de reconhecimento.
— Agradece a São José e não cesses de rezar! — limitou-se a dizer o santo taumaturgo.
A dona de uma lanchonete próxima, que alguns dias antes havia visto o moço com o rosto desfigurado, não podia acreditar se tratar agora do mesmo homem. E começou a apregoar para todos o impressionante milagre de que era testemunha.
Uma igreja para São José
Um santo anseio abrasava, porém, a alma do humilde porteiro. Ansiava ele construir próximo ao colégio, no Mont-Royal, uma igreja em honra de seu protetor. Mas o objetivo era muito ousado...
Certo dia, um religioso da sua comunidade contou-lhe que a imagem de São José da sua cela parecia girar sozinha, em direção a esse monte. Exultante, Irmão André reconheceu nesse fato o esperado sinal da Providência para dar início à realização de seu anelo, e juncou de medalhinhas o lugar almejado.
Em 1896, a Congregação da Santa Cruz adquiriu aquele terreno, com a finalidade de evitar uma má vizinhança para o colégio. Irmão André obteve autorização para colocar uma imagem de São José na gruta ali existente e as peregrinações não tardaram a começar. Milhares e milhares de pessoas a visitavam.
Após economizar duzentos dólares, a partir dos cortes de cabelo dos alunos do colégio, a cinco centavos cada um, foi possível levantar uma pequena capela. Começou-se também a obter esmolas no “pratinho de ofertas” posto aos pés do Santo, e até nos Estados Unidos eram obtidas doações.
Em 1904, foi erigido um pequeno Oratório de São José, constituído de uma capela um pouco maior e um escritório, no qual passou a residir o Irmão André. Treze anos depois, o edifício foi ampliado, de modo a comportar mil pessoas sentadas, mas este também logo se tornou pequeno para a grande afluência de fiéis.
A construção da basílica atual — a maior igreja do Canadá — começou em 1924. Oito anos depois foi preciso detê-la por falta de meios, em consequência da grande crise econômica pela qual atravessava o país. Sem se afligir, Irmão André colocou uma imagem de São José no interior do prédio inacabado, dizendo:
— Se ele deseja um teto sobre sua cabeça, o teto virá.
Dois meses depois, reiniciavam-se as obras...
Cabe notar que, embora considerasse um dever levar adiante essa construção, Irmão André dedicava-lhe apenas o tempo permitido pela obediência, sem deixar de cumprir suas funções.
Ministério de amorosa oblação
O dia-a-dia daquele humilde porteiro estava todo tomado por um ministério de amorosa oblação. Começava a jornada acolitando duas Missas, e às oito horas da manhã abria a porta aos visitantes. No pequeno escritório, que também lhe servia de cela, recebia cotidianamente entre 200 e 400 pessoas, podendo chegar a 700.
Os que iam ao encontro do Irmão André procurando sensacionalismo saíam decepcionados. Seus conselhos eram simples e sensatos, visando a cura das almas mais que o alívio dos males corporais. Algumas vezes limitava-se a ajudar as pessoas a aceitarem a vontade divina. “Deus terá uma eternidade para te consolar de teus sofrimentos aqui”,5 lhes dizia.
Encorajava também a Confissão frequente e a Comunhão diária, garantindo que Jesus nada recusa a quem O hospeda em seu coração. E comentava: “Coisa curiosa: recebo numerosos pedidos de cura, mas raramente alguém pede a virtude da humildade ou o espírito de fé”.6
Para com as pessoas afastadas da prática religiosa por fraqueza ou ignorância, demonstrava ilimitada compaixão. Contava-lhes de modo comovedor a parábola do Filho Pródigo e concluía: “Comme le bon Dieu est bon — Como o bom Deus é bom!”. Mas cortava pela raiz as atitudes de revolta e má fé: “Será que Deus te deve alguma coisa? Se pensas assim, podes fazer teus próprios arranjos com Ele”.7
O preço com o qual ele comprava o alívio e a conversão dessas almas era bem alto. No fim da jornada, mesmo consumido pela indisposição e cansaço, ainda fazia uma vagarosa Via Sacra na capela e, em seguida, ajoelhado durante horas rezava com os braços estendidos em forma de cruz. Sua cama ficava muitas vezes intacta durante a noite toda. E quando um irmão de hábito lhe implorou que dormisse, oferecendo seu sono como uma oração, ele respondeu gravemente: “Se soubesses o estado daqueles que pedem minhas orações, não me darias tal sugestão”.8
Primeiros frutos póstumos
Os fiéis amavam aquele bom ancião de cabelos brancos e pediam-lhe para que não os deixasse. Mas, completados os 92 anos, a morte se aproximava e ele os consolava amavelmente, afirmando que se alguém pode fazer o bem na Terra, mais ainda poderá fazê-lo do Céu.
No dia 6 de janeiro de 1937, a triste notícia era dada com destaque pelos mais importantes jornais de Montreal: “Morreu Irmão André”. Enfrentando a neve e o gelo, uma verdadeira multidão começou a se deslocar em direção a Mont-Royal para despedir-se de seu taumaturgo. Chegavam de avião, de trem, de todos os meios de transporte. O Oratório de São José transbordava de uma multidão tomada de devoção e piedade, enquanto penitentes enchiam os confessionários. Calcula-se que um milhão foram as pessoas que subiram o serpenteante caminho do santuário, para se despedir daquele cuja única ambição fora servir a Deus na completa despretensão da vida religiosa.
Eram os primeiros frutos póstumos desse simples irmão leigo que, no dia 17 deste mês, tornar-se-á o primeiro santo de sua Congregação, bem como o primeiro varão nascido no Canadá a ser elevado às honras dos altares.
                                                          *     *     *
Irmão André não chegou a ver finalizado o grande Santuário, que foi concluído apenas em fins da década de 60, como também não viu a realização de mais um de seus desejos: colocar uma grande Via Sacra nos aforas da igreja, para fomentar a devoção à Paixão do Redentor.
Mas é impossível não sentir sua presença em cada uma das dependências desse impressionante templo, que atrai anualmente três milhões de peregrinos, dando testemunho do poder de intercessão do Patrono da Igreja Universal. Logo ao chegar, uma grande imagem de São José, esculpida em pedra, recebe os visitantes na escadaria central. Em sua base, uma inscrição de três palavras dá as boas-vindas, evocando a sabedoria simples e piedosa daquele irmãozinho que jaz na cripta: “Ite ad Joseph — Ide a José”.

1 FERGUSON, John. The Place of Suffering. London: James Clarke and Co., 1972, p.115.
2 BALL, Ann. Faces of Holiness. Huntington (IN): Our Sunday Visitor, 2001, p.54.
3 KYDD, Ronald. Healing Through the Centuries. Peabody (MA): Hendrickson, 1998, p.85.
4 BALL, op. cit., p.57.
5 TREECE, Patricia. Nothing Short of a Miracle. New York: Doubleday, 1988, p.74.
6 O’MALLEY, Vincent. Saints of North America. Huntington (IN): Our Sunday Visitor, 2004, p.26.
7 KNOWLES, Leo. Modern Heroes of the Church. Huntington (IN): Our Sunday Visitor, 2003, p.82.
8 TREECE, op. cit., p.75.
Revista Arautos do Evangelho - out 2010