Apresentamos abaixo
um trecho do manuscrito 1 da Irmã Maria Lataste redigido por
obediência a seu diretor de consciência durante dois anos.
Um dia me falou assim
o Salvador Jesus: “Minha filha, a vida do homem sobre a terra é uma luta. A
vida é uma peregrinação, o mundo um lugar de exílio, o corpo uma prisão, cada
momento uma luta do homem contra si mesmo. É por isto que, segundo minha
palavra, o reino do Céu sofre violência. Vós nunca considerastes atentamente a
vida do homem: ela está sujeita a contínuas mudanças. Às vezes ele caminha com
força e coragem para o seu fim e às vezes com fraqueza e moleza. Hoje ele está
cheio de ardor, amanhã, sem movimento. Por vezes ele se eleva e parece penetrar
os céus pela sublimidade e grandeza das aspirações de sua alma; alguns
instantes após ele desce ao terra a terra. Vede o, sua face irradia alegria;
vede o novamente, seu rosto está obscurecido pela perturbação e o
aborrecimento. Eis o que o Profeta rei descreve em seus salmos, e suas palavras
estão repletas de verdade.
“Estes diversos
estados da alma não dependem sempre dela mesma, agindo assim Deus a põe à
prova. Nem sempre Deus sustenta igualmente as almas, às vezes Ele parece se
retirar com suas graças, suas consolações, sua força, seu apoio; Ele abandona
as amas a si mesmas, para que elas sintam melhor sua miséria e seu nada, para
as fazer lutar, para as exercitar no combate, para lhes provar quanto são
impotentes sem Ele e por esta forma, aumentar seus méritos.
“Deus age assim para
fazer compreender às almas, mesmo as mais perfeitas e as mais santas, que a
perfeição absoluta não está na terra, que não há nada de estável aqui embaixo e
que é preciso combater sempre. Deus age assim para mostrar às almas que a vida
sobre a terra se assemelha à vida de uma criança que tem sempre necessidade de
seu pai e de sua mãe enquanto ela for criança, e que a verdadeira virilidade
não é possível senão no céu.
“Deus age assim afim
de que a alma, opressa sob o peso de seu corpo, se desprenda o mais possível
deste companheiro de viagem para não se apegar senão a Deus. Deus age assim
afim de que, nos momentos de secura, de aridez ou de frieza, a alma se volte
para Ele, suplicando Lhe fazer cair sobre ela um orvalho cheio de frescor e de
fecundidade e de a reaquecer pelos ardores de seu amor.
“Isto porque, minha
filha, em qualquer estado em que vós vos encontrais, tende sempre o cuidado de
pensar em Deus. Faça um doce esforço para ir a Ele. Lançai para Ele um brado de
alarme, ou antes tende vos em sua presença, elevai vosso espírito para Ele. Esquecei
todo o resto: penas, aborrecimentos, aflições, trabalhos, exercícios de
piedade; se vós estais unida a Deus, tudo irá bem. Vossa vida poderá ser
laboriosa, ou seja, penosa, mas este trabalho vos levará a Deus e vos
engendrará a glória.”
***
Um dia veio a mim o
Salvador Jesus e me disse: “Minha filha, Eu quero vos falar, segundo a promessa
que eu vos fiz, sobre as provas das almas justas, das almas que caminham e se
esforçam para avançar mais e mais nas vias da justiça. Eu vos indicarei em seguida
os motivos pelos quais Deus prova assim estas almas.
“Há dois tipos de
prova: umas dizem respeito ao corpo ou à vida material, as outras se referem à
alma ou à vida sobrenatural. As provas não são um mal, as almas interiores o
compreendem bem, mas os mundanos não o compreendem. Lhes falar de provas, de
sofrimento, de tribulações, de penitências, é lhes falar uma linguagem bárbara
que elas não querem ouvir. Estes são cegos que não vêem a via interior; estes
são surdos que fecham seus ouvidos e que não ouvem a voz da vida interior;
estes são mudos cuja língua está presa e que não podem dizer a grandeza da vida
interior; estes são paralíticos que não têm o uso de seus pés para caminhar
para a vida interior, nem aquele de seus braços para lhe abraçar as práticas.
“Vós não sois, minha
filha, do mundo, vós não lhe pertenceis; vós sois propriedade Minha, vós
compreendeis que as provas são para vosso bem e que elas são para vós uma
grandíssima fonte de méritos.
“As provas do corpo
ou da vida material são as enfermidades, os sofrimentos, as doenças. Quantos
santos, hoje no céu, devem sua salvação a estas provas? A saúde teria sido para
eles a ocasião de uma ruína eterna.
“As provas do corpo
ou da vida material são ainda a perda de um amigo, de um pai ou de uma mãe, de
um irmão ou de uma irmã. A morte, minha filha, não atinge somente o coração,
ela atinge também o espírito. Ela faz brotar as reflexões sérias, volta o
espírito para Deus o prende a Ele, e por este meio faz seguir a via da verdade.
“As provas do corpo
ou da vida material são ainda a pobreza, a miséria, o despojamento de todas as
coisas, a perda de sua fortuna e suas riquezas. Estas provas são também muito
úteis às almas. O rico, Eu vô lo já disse, minha filha, muito dificilmente
entra no céu, porque ele se apega às suas riquezas e não a Deus. O pobre, ao
contrário, aprende logo a não esperar que em Deus, a não recorrer senão a Ele.
Ele está desapegado de tudo, mas ele tem Deus e Ele lhe basta. É uma grande
graça que Deus concede aos ricos tirando lhe suas riquezas. Ele lhe mostra que
nada é estável aqui embaixo, que é preciso não contar com nada, mas que se deve
antes se abandonar completamente a Deus e não amar senão a Ele.
“As provas da alma ou
da vida sobrenatural são os escrúpulos. Eu não falo dos escrúpulos que têm as
almas tímidas ou ignorantes, mas daqueles que obcecam as almas mais perfeitas.
Estes escrúpulos são um bem, pois que eles prendem [a alma] mais a Deus.
“As provas da alma ou
da vida sobrenatural são a privação da presença sensível de Deus.
“Vede este pessoal
cuja vontade está presa àquela de Deus. O demônio lhe sugere um pensamento
culpável; logo ela repele este mau pensamento. Contudo a tentação redobra,
enche todo o seu coração, ocupa todas as potências se sua alma; não resta a esta
pessoa mais que a sua vontade que, cheia de horror pelo pecado, mantém se
sempre unida a Deus. Deus, querendo a provar ainda mais, lhe afasta Sua
presença sensível e ela permanece sem consolações da parte de Deus. Seu
espírito se enche de espessas trevas; ela não sabe mais distinguir se ela
consentiu ou não na tentação que a obceca; ela se pergunta se ela goza ainda da
amizade de Deus ou se ela está em estado de pecado mortal. Não obstante ela não
se perturba, ela permanece sempre fortemente apoiada em Deus e inabalável como
um rochedo. Ela pede luzes a seu diretor sem procurar consolações e mantém se
cegamente submissa à vontade de Deus.
“Quantos méritos essa
pessoa não ganha! Como Deus a olha com complacência! Vós não sentis que é
preciso uma virtude bem sólida para uma tal prova? Este estado dura mais ou
menos tempo segundo a vontade de Deus que cumula em seguida esta alma de
consolações sobre a terra, concede lhe imediatamente a mais brilhante das
coroas do céu quando a prova durou até a morte.
Uma alma, minha
filha, é facilmente alegre e fervorosa quando ela sente em si todas as
consolações inerentes à graça de Deus. Mas que uma alma esteja alegre e
fervorosa quando Deus parece se ter dela retirado, quando ela sente sua
fraqueza e sua miséria, quando ela está na dor ou no acabrunhamento , quando
seu espírito é atormentado por mil pensamentos, quando ela se vê distraída em
suas orações, quando ela se vê (assoupi) no serviço de Deus, é então, minha
filha, uma coisa rara, e contudo, isto deveria ser assim. Felizes são as almas
que não se deixam abater por estas provas, que repelem as distrações sem com
elas se preocupar muito, que recorrem a Deus em seus sofrimentos e suas
aflições, que procuram nEle a sua força e seu apoio! Felizes as almas que
conservam inalterável a sua alegria e que sabem se submeter inteiramente e em
todas as coisas à vontade e ao beneplácito de Deus, persuadidas de que Ele
dirige e dispõe tudo para sua glória e para seu bem!
Quanto agrada a Deus
provar assim as almas, Ele o faz por três motivos: o primeiro motivo não é
outro que o da própria prova; Deus conhece assim quais são as almas que lhe são
verdadeiramente fiéis, que O amam sinceramente e não de um modo interesseiro. Ele
as deixa por algum tempo a si mesmas para ver como elas caminham e de que lado
elas direcionam seus passos, se elas permanecem firmes e cheias de coragem.
Vede uma mãe cujo filho começa a andar; ela o deixa só por algum tempo e num
pequeno espaço a percorrer, a fim de que ele caminhe sem o seu auxílio. A mãe
contudo não se mantém distante, ela permanece próxima para observar os
movimentos de seu filho e o impedir de cair.
Às vezes a mãe não o
abandona completamente às suas forças, ela não o sustenta contudo com suas duas
mãos, não lhe ajuda com seu dedinho e faz assim caminhar seu filho. Assim,
pouco a pouco, a criança se fortifica, caminha só e se mantém de pé. Com
relação às almas, Deus age como esta mãe. Estas almas caminham porque Ele as
mantém, por assim dizer, com suas duas mãos; estas almas O amam porque Ele as
cumula de seus favores e de seus bênçãos. Estas almas são fiéis a seus
exercícios de piedade, porque elas aí encontram um antegozo da felicidade do
céu. Ora, Deus quer provar estas almas, Ele quer conhecer sua força, sua
firmeza, seu amor por Ele; Ele afasta se um pouco, não lhes concede tantas
consolações. Então, se estas almas Lhe permanecem fiéis, se elas não se esfriam
em seu serviço, se elas O amam sempre, Deus lhes concede ainda mais consolações
e mais felicidades, e graças mais numerosas que no princípio.
“O segundo motivo, é
que Deus quer pelas provas, corrigir as almas e as punir de seus pecados.
“Eu quero me servir
ainda da mesma comparação. Quando uma mãe vê que seu filho se revolta contra
ela e falta ao respeito devido a ela, ela não lhe testemunha a mesma afeição,
ela o priva de suas boas graças e lhe faz sentir sua autoridade ao invés de o
beijar com seu afeto. O filho, reconhecendo sua falta, arrepende se, pede
perdão à sua mãe, promete não mais agir como agiu e sua mãe lhe concede seu
afeto, devolve o que lhe tomara e o aperta em seus braços.
“Assim, quando as
almas negligenciam o cumprimento de seus deveres para com Deus, ou quando elas
O ofendem, Deus lhes retira sua presença sensível, lhes envia tribulações e
lhes faz sentir sua autoridade. A alma, vendo então sua aflição, encontrando se
longe de Deus e sem socorro, não tendo outra esperança senão n'Ele,
reconhecendo suas negligências, suas faltas, seus pecados, pede perdão, e
promete fazer todos os esforços para se corrigir.
“Deus, contente e
satisfeito deste retorno da alma para Ele, derrama sobre ela suas graças, suas
bênçãos e seus favores mais marcantes.
“O terceiro motivo
das provas se tira da única própria de Deus. A alma está tão fraca que ela não
pode nem mesmo suportar e sustentar as graças se elas lhe são concedidas com
abundância. É por isso que Ela as proporciona segundo as forças da alma à quem
Ele concede essas graças. Ele as retira um instante para lhe deixar melhor
entrever a grandeza e a imensidade dos tesouros divinos. Ele se retira um
instante para a prender mais ainda, fazendo lhe compreender que nada sobre a
terra que não seja Ele mesmo, pode a satisfazer. Assim, ela aprecia melhor os
dons de Deus; assim, ela faz novos esforços para os conservar e os aumentar.
“Vós compreendeis
agora, minha filha, a economia das ações de Deus na conduta das almas. Quando
vos apresentar as provas em vossa vida, suportai as pacientemente e com
coragem, pensando que Deus não lhas enviou senão para vosso bem."
1 Darbins, Pe. Pascal. A VIDA E AS OBRAS DE MARIA LATASTE Librairie
Ambroise Bray.
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