Felizmente, a fotografia
já estava inventada em dias dela, pelo que conservamos o retrato autêntico da
grande Santinha: singularmente bela, de traços regulares, olhar luminoso e
vasto, porte firme, semblante resoluto, sua fisionomia deixa transparecer qualidades
que parecem opostas entre si – ao menos segundo a mentalidade liberal –, como a
bondade e a firmeza, a distinção e a simplicidade, o perfeito e absoluto
domínio de si, e a mais atraente naturalidade. Se não possuíssemos fotografias
da santa rosa do carmelo, que ideia teríamos dela? A que nos apresentam muitas
de suas imagens: doce de uma doçura sentimental e quase romântica, boa de uma
bondade puramente
humana e sem menor sopro de sobrenatural, enfim uma jovem de
boas inclinações de bem que exageradamente sensível... nunca uma Santa, uma
autêntica e genuína Santa, um luzeiro cintilante no firmamento espiritual da
Igreja de Deus Verdadeiro. Se não toda a iconografia, pelo menos certa
iconografia, sem alterar os traços da Santa, lhe alterou contudo a fisionomia.
O mesmo se dá com sua biografia. Certa literatura sentimental-religiosa, sem
adulterar propriamente os dados biográficos de Santa Teresinha, encontrou meios
de interpretar tão unilateral e superficialmente certos episódios de sua vida,
que chegou a desfigurar de algum modo seu significado. As deformações
iconográficas e biográficas se fizeram todas em uma mesma direção: ocultar o sentido
profundo, admirável, heroico e imortal da vida da imortal Santinha.
***
Evidentemente, podem-se
adquirir méritos, praticando a virtude por toda parte. Mas há, no jardim da
Igreja, almas que Deus destina especialmente a este fim. São as que Ele chama à
vida contemplativa, em conventos reclusos, onde certas almas de escol se dedicam
especialmente em amar a Deus, e a expiar pelos pecados dos homens. Estas almas
corajosamente pedem a Deus que lhes mande todas as provações que quiser, desde
que com isso se salvem numerosos pecadores. Deus as flagela sem cessar, de um
modo ou de outro, colhendo delas a flor da piedade e do sofrimento, para com
estes méritos salvar novas almas. Consagrar-se à vocação de vítima expiatória
pelos pecadores: nada há de mais admirável. E isto tanto mais quanto muitos há
que trabalham, muitos que rezam: mas quem tem a coragem de expiar?
Este é o sentido mais
profundo da vocação dos Trapistas, das Franciscanas, Dominicanas e Carmelitas
entre as quais floriu a suave e heroica Teresinha.
Seu método foi especial.
Praticando a conformidade plena com a vontade de Deus, ela não pediu
sofrimentos, nem os recusou. Deus fizesse dela o que entendesse. Jamais pediu a
Deus ou suas superioras que dela afastassem qualquer dor. Jamais pediu a Deus
ou a suas superioras qualquer mortificação. Submissão plena era o seu caminho.
E em matéria de vida espiritual plena submissão equivale a plena santificação.
Seu método se
caracteriza ainda por outra nota importante. Santa Teresinha não praticou
grandes mortificações físicas. Ela se limitou apenas simplesmente às prescrições
de sua Regra. Mas esmerou-se em outro tipo de mortificação: fazer a toda hora,
a todo instante, mil pequenos sacrifícios. Jamais a vontade própria. Jamais o
cômodo, o deleitável. Sempre o contrário do que os sentidos pediam. E cada um
destes pequenos sacrifícios era uma pequena moeda no tesouro da Igreja. Moeda
pequena, sim, mas de ouro de lei: cada pequeno ato consistia no amor de Deus
com que era feito.
E que amor meritoso!
Santa Teresinha não tinha visões, nem mesmo os movimentos sensíveis e naturais
que tornam por vezes tão amena a piedade. Aridez interior absoluta, amor árido,
mas admiravelmente ardente, da vontade dirigida pela Fé, aderindo firme e
heroicamente a Deus, na atonia involuntária e irremediável da sensibilidade.
Amor árido e eficaz, sinônimo em vida de piedade, de amor perfeito...
Grande caminho, caminho
simples. Não é simples fazer pequenos sacrifícios? Não é mais simples não ter
visões, do que as ter? Não é mais simples aceitar os sacrifícios em lugar de os
pedir?
Caminho simples, caminho
para todos. A missão de Santa Teresinha foi de nos mostrar uma vida em que
pudéssemos todos trilhar. Oxalá ela nos auxilie a percorrer esta estrada real,
que levará aos altares, não apenas uma ou outra alma, mas legiões inteiras.
Plinio Corrêa de Oliveira - Trecho extraído do Legionário 28/09/1947
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