Levado ao hospital em estado de
coma, foi submetido a várias intervenções cirúrgicas nos dias subsequentes.
Entretanto, sua situação se agravava cada vez mais, restando-lhe poucas
esperanças de sobreviver, na melhor das hipóteses, com sequelas bem
desafortunadas.
Quatro dias depois do acidente,
na solenidade de São José, a Dra. Noreen M. Yoder, amiga da família, entregou à
mãe de William duas relíquias do Beato Fundador da ordem religiosa à qual
pertencia o hospital onde trabalhava, recomendando-lhe recorrer a ele para
obter a cura do rapaz. A piedosa senhora prendeu uma das relíquias no pulso do
filho e reteve consigo a outra, para pedir ao Bem-aventurado o milagre. Logo se
formou uma cadeia de orações nessa intenção.
Contra todas as expectativas médicas,
o jovem começou a reagir e vinte dias depois recebeu alta, apenas com a
prescrição de um programa de reeducação funcional neuromotora. Oito meses após
o acidente, já inteiramente restabelecido, voltou a trabalhar como carpinteiro
na empresa do pai.
Tal milagre, realizado por
intermédio do Beato, permitiu satisfazer a última exigência de seu processo de
canonização. E será ele elevado à honra dos altares, no rol dos santos da
Igreja Católica, no dia 23 deste mês, na Praça de São Pedro, em Roma.
Quem é este intercessor? Luís
Antonio Guanella Bianchi, fundador da Congregação das Filhas de Santa Maria da
Providência e dos Servos da Caridade, também conhecidos como guanellianos.
Equilíbrio entre firmeza e doçura
Nascido em 19 de dezembro de
1842, na aldeia alpina de Fraciscio di Campodolcino, Luís foi o nono dos treze
filhos de uma família montanhesa dotada de sólidos princípios cristãos.
O pai, Lorenzo di Tomaso
Guanella, corpulento, robusto e de rija personalidade, inspirava confiança pela
sua simples presença. Assim o descreverá o filho, em sua Autobiografia:
“Esbanjava saúde e seu caráter era firme e decidido, à semelhança do monte
Calcagnolo, logo acima de Fraciscio”.1
A mãe, Maria Antonieta Bianchi,
piedosa e dedicada ao trabalho, como o marido, contrastava com este por sua
notável doçura de trato. A seu respeito escreveu o padre Luís Guanella: “O peso
da autoridade paterna, no tocante aos filhos, era contrabalançado,
providencialmente, pela mãe [...] uma mulher criativa e muito amorosa; um
tesouro da Providência!”.2
Entre os irmãos, todos se
relacionavam bem. Mas Catarina, apenas um ano mais velha, foi sua predileta.
Ainda crianças, conversavam sobre as peripécias dos santos e aprenderam a ver
nos pobres a figura de Jesus. Perto de sua casa, havia uma rocha com cavidades
que pareciam panelas. Ali, as inocentes crianças misturavam água e terra, e
mexiam aquela mescla dizendo: “Quando formos adultos, faremos assim a sopa dos
pobres”.3
Sinais precoces da vocação
Desde muito cedo, numerosos
indícios, premonições e acontecimentos extraordinários iam indicando ao pequeno
Luís as vias traçadas para ele pela Providência Divina.
O primeiro desses fatos ocorreu
tendo ele apenas seis anos de idade, na festa de São João Batista.
Encontrava-se na Praça da Matriz de Campodolcino, junto com o tio e o cunhado,
quando este último deu-lhe de presente um saquinho de diavoletti, deliciosas
balas de menta, justamente na hora de soar o sino para a Missa.
Não querendo entrar na igreja
com os doces na mão, foi escondê-los num monte de lenha, onde estariam a salvo
da cobiça de outra criança. Nesse momento, ouviu palmas e viu junto à porta da
Prefeitura um velhinho que o fitava. O santo o descreve na mesma Autobiografia:
“Era franzino, de cabelos brancos, rosto moreno; trajava calças curtas, as
meias eram de lã não tingida, seu rosto amável como que implorava aqueles
doces”.4 Com medo, escondeu as balas e, quando se voltou para olhar, o homem
havia desaparecido...
Aquela imagem nunca mais se
apagou de sua mente. Ela sempre vai retornar “quando do encontro com outros
velhinhos, suplicando por um pouco de bem e de doçura ao término da vida”.5
Outro fato marcante aconteceu
no dia de sua Primeira Comunhão, aos nove anos. Por ser Quinta-Feira Santa, não
houve festa e, regressando a casa, mandaram-no cuidar das ovelhas, como em
qualquer dia comum. Ainda tocado pela graça, sentou-se em um dos gramados da
colina Motto, parecido a um sofá, onde costumava descansar enquanto pastava o
rebanho, e pôs-se a rezar a Nossa Senhora, agradecendo-Lhe a ventura de haver
recebido Jesus em seu coração.
Sentia-se tomado por uma suave
doçura que o impelia a fazer generosos bons propósitos. Contudo, a certa altura
caiu no sono com seu livrinho de orações nas mãos e foi acordado por uma voz
feminina que o chamava pelo nome. Não vendo ninguém ao redor, julgou tratar-se
de um sonho. Retomou a leitura e adormeceu novamente.
Mais uma vez, o fato se repetiu.
E, como aconteceu com Samuel (cf. II Sm 3, 8), ainda houve uma terceira vez, na
qual a voz se fez ouvir mais forte e nítida: “Luís, Luís”. Nesse momento, narra
o santo, “eis que vejo uma Senhora estendendo seu braço direito como a indicar
alguma coisa. Ela me disse: ‘Quando você for adulto, fará tudo isso em prol dos
pobres’. E como num telão, vi tudo o que deveria fazer”.6
Forjando o temperamento
Aos doze anos Luís recebeu uma
bolsa de estudos e matriculou-se no Colégio Gálio, em Como. Para esse
pastorzinho acostumado às liberdades do campo e aos grandiosos panoramas
alpinos, não faltaram sofrimentos na adaptação à rígida disciplina escolar. O
colégio lhe parecia uma prisão. Não obstante, isso o ajudou a dominar seu
caráter enérgico, por vezes impulsivo e irascível, e a manifestar os aspectos
amáveis, expansivos e afetuosos do seu temperamento, herdados da mãe.
Fortalecido pela frequência aos
Sacramentos e sua ardorosa devoção a Maria, ali cultivou os germens da vocação,
manteve-se firme em seus princípios e inabalável no grande apreço às virtudes
da castidade e da modéstia, apesar dos ventos revolucionários e liberais que
sopravam na Itália e no mundo.
Após seis anos de colégio,
ingressou no seminário diocesano Santo Abôndio, onde ficou ainda mais vincada a
vocação específica que a Providência lhe dera desde a infância. Ao retornar,
durante as férias, à sua aldeia natal, empenhava-se em ajudar os pobres e
enfermos da região, sobretudo os mais desamparados.
“Uma espada de fogo no ministério santo”
Em um ambiente de ressentimento
e raiva, marcado pelas profanações de igrejas realizadas em Como pelos
seguidores de Garibaldi, Luís foi ordenado presbítero, em 26 de maio de 1866,
por Dom Bernardino Frascolla, Bispo de Foggia.
Naquele dia, com a alma
transbordante de júbilo, o novo sacerdote fez uma promessa a Deus e a seus
irmãos: “Quero ser uma espada de fogo no ministério santo!”.7 Com semelhante
propósito, explica um dos seus biógrafos, “o jovem demonstrara capacidade de
sonhar e de ‘almejar coisas grandiosas’; desposar a causa dos mais pobres,
priorizando o amor a Deus e aos irmãos”.8
Celebrou sua primeira Missa em
Prosto, onde havia servido como diácono, na solenidade de Corpus Christi, e ali
permaneceu cerca de um ano como vigário.
Nomeado pároco de Savogno,
valeu-se de seu diploma de mestre para ali abrir uma escola, que logo se encheu
de alunos. Dedicou-se, então, com grande entusiasmo ao apostolado com os mais
pobres durante oito anos. Dava formação religiosa a pessoas de todas as idades,
convidando-as a se unirem ao Santo Padre e alertando-as a respeito das novas
doutrinas da época, hostis à Igreja. Por isso e, sobretudo, pela publicação de
um livreto intitulado Saggio di
ammonimenti, contendo tais ensinamentos, acabou sendo fichado pela
autoridade civil como “elemento perigoso”. Sua escola foi fechada e ele viu-se
forçado a sair da diocese.
Três anos de “aprendizagem” com Dom Bosco
Atraído pela pessoa de São João
Bosco, optou por se dirigir a Turim. Ali passou três anos (1875-1878) em
“aprendizagem”, como diria depois, seguindo os passos do fundador dos
salesianos no caminho da santidade e colaborando com sua obra pedagógica em favor
da juventude. Nesta mesma ocasião, conheceu a obra caritativa de São José de
Cottolengo, a qual também deixou profundas impressões em sua alma.
Contudo, tinha muitas dúvidas e
inquietações. Estaria seguindo o caminho para o qual se sentia chamado? Onde
ficava a realização de tudo quanto vira no dia de sua Primeira Comunhão? Em seu
coração continuava a soar a voz da Providência, incitando-o a fundar uma
instituição própria, para o que muito colaborou todo esse tempo de provações e
experiência.
Convocado por seu Bispo,
regressou à Diocese de Como. Sair de Turim, separar-se dos salesianos e
principalmente de Dom Bosco, foi-lhe muito doloroso. “Não senti tamanha dor nem
mesmo quando faleceram meus pais, tendo-os em meus braços” 9, afirma em sua
Autobiografia.
Primeira casa da Divina Providência
Na paróquia de Traona, para
onde foi enviado em 1878, com a missão de ajudar o pároco enfermo, tentou
transformar um antigo convento em escola para jovens pobres aspirantes ao
sacerdócio, no estilo salesiano. Entretanto, era ainda considerado um “padre sob
suspeita” e não conseguiu a necessária autorização do poder civil.
O Bispo transferiu-o, em 1881,
para Olmo, paróquia confinada entre altas montanhas, onde talvez pudesse ficar
livre da desconfiança de exercer “perigosas influências” contra o governo. Ali,
sentia-se exilado e abandonado por Deus, vendo impossível a realização de seu
chamado.
Poucos meses depois, recebeu
ordem de ir para Pianello, onde haveriam de cessar essas provações. Encontrou
ali um orfanato e um asilo fundados por seu predecessor recém-falecido, o padre
Carlos Coppini, postos sob os cuidados de algumas jovens aspirantes à vida
religiosa. Foi a partir deste empreendimento que se originou, em 1886, sua
primeira fundação, a Congregação das Filhas de Santa Maria da Providência,
contando com a valiosa colaboração da Madre Marcelina Bosatta e de sua irmã, a
Beata Clara Bosatta.
Sempre dócil à vontade divina,
dizia Dom Guanella: “O segredo da perfeição é fazer a vontade de Deus”.10 Abriu
por fim, em Como, a primeira Casa da Divina Providência — mesmo nome utilizado
por São José de Cottolengo —, com o objetivo de atender os pobres e
necessitados. A instituição começou a crescer e não faltaram generosos
benfeitores nem almas dispostas a se dedicarem àquela obra de caridade.
Numa viagem a Turim, pediu
orientação a Dom Bosco sobre seu desejo de fundar também um instituto
masculino. Este lhe mostrou a conveniência de tal empresa e nasceu, assim, sob
as bênçãos do Arcebispo de Milão, Beato André Carlos Ferrari — que até 1874
fora Bispo de Como — a Congregação dos Servos da Caridade.
Erigida a obra canonicamente,
com a colaboração dos padres Aurélio Bacciarini e Leonardo Mazzucchi, no dia 24
de março de 1908, chegou o momento tão longamente aguardado: Dom Guanella e um
pequeno grupo de sacerdotes emitiram diante do sacrário os votos perpétuos de
pobreza, castidade e obediência.
Chamados a pertencer à família divina
A espiritualidade do santo
fundador baseava-se na compreensão do Evangelho como a história de amor de um
progenitor para com seus filhos: Deus é Pai de todos, e Pai Providente, que
cuida de cada um, especialmente dos mais débeis e necessitados.
Por meio de Jesus Cristo, todos
são chamados a fazer parte da família divina. E nela merecem especial ajuda as
pessoas mais necessitadas, como os anciãos abandonados, os órfãos, os enfermos
terminais desenganados, ou os deficientes físicos e psíquicos.
Resumia ele a formação a ser
dada dentro dessa família divina com o lema “Pão e Senhor”.11 O “Pão” seria o desenvolvimento integral da
pessoa: físico, intelectual, psíquico e social. E por “Senhor” entendia o
atendimento das “necessidades mais profundas da alma humana, chamada a
descobrir sua plenitude na vida de fé, esperança e caridade”.12
Nessa família destaca-se a
indispensável figura da Mãe, que encaminha todos a Cristo. Passava ele horas
diante da imagem da Nossa Senhora da Divina Providência. Nunca duvidava da
intercessão d’Aquela que lhe mostrara em sua infância a envergadura de sua
obra: “Ficai perto de Maria e procedei com segurança”13, recomendava a seus
discípulos.
Mais necessário é morrer bem...
Depois de passar inúmeras
vicissitudes e provas, Dom Guanella viu, no fim de sua existência, sua obra
expandir-se por quatro continentes. Convencido de que os homens são meros
instrumentos, pois “è Dio che fa” —
quem faz é Deus —, o fundador estimulava o ardor missionário dos seus filhos e
filhas dizendo-lhes: “Vossa pátria é o mundo”.14 Ele próprio acompanhou a
fundação de novas casas em outros países, como a dos Estados Unidos, em 1912.
Em meio a tantas atividades,
ainda encontrou tempo para escrever numerosas obras de formação cristã, além de
mais de três mil cartas nas quais transparecem suas virtudes, seu senso
profético e seu particular amor aos pobres e abandonados.
Um de seus últimos
empreendimentos, e talvez o mais popular, foi a Pia União do Trânsito de São
José, erigida em 1913, para a assistência aos moribundos. “Existe uma
necessidade de viver bem”, dizia ele, “mas mais necessário é morrer bem. Uma
boa morte é tudo, especialmente na atualidade, quando as pessoas só pensam nas
coisas materiais e em divertir-se, rejeitando a eternidade”.15
Coroando uma vida santa, essa
boa morte chegou também para Dom Guanella, em 24 de outubro de 1915, aos 73
anos de idade. Possa sua elevação à honra dos altares desvelar ao mundo de
hoje, tão confiante em si mesmo, o segredo de sua santidade como modelo a ser
seguido: abandonar-se nas mãos da Providência Divina, certo de que, por mais
que os homens atuem, “è Dio che fa”!
2 Idem, p.71-72.
3 Idem, p.74.
4Idem, p.59.
5CARRERA, op. cit., p.60.
6DOM LUíS GUANELLA. Autobiografia, apud
7CARRERA, op. cit., p.62.
8Idem, p.103.
9CARRERA, op. cit., p.103. Idem, p.117.
10 Idem, p.128.
11 MINETTI, SdC, Nino. Beato Luís
Guanella. In:
MARTíNEZ PUCHE,OP, José A. (Org.) Nuevo Año Cristiano. 4.ed. Madrid: Edibesa,
2003, v.X, p.571.
12 Idem, ibidem.
13 AMARAL, Victor Vinícius M. Frase do Fundador.
In: Efatá. Informativo do Aspirantado Guanelliano. Porto Alegre. Ano IV. N.27
(Maio, 2011); p.5.
14 MINETTI, op.cit., p.571572.
15 CARRO CELADA, José Antonio. Beato Luís
Guanella. In: ECHEVERRíA, Lamberto de, LLORCA, Bernardino, REPETTO BETES, José
Luís. (Org.). Año Cristiano. Madrid: BAC, 2006, v.X, p.659.
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